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Escanteio de Marina retrai investidores internacionais

Pressão sobre a ministra semeia descrença no compromisso do governo com o ambiente e espanta recursos, afirmam analistas


28/05/2023 04:00 - atualizado 27/05/2023 21:08
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Vista no mercado internacional como símbolo da agenda verde no Brasil, Marina Silva foi posta de lado na discussão sobre prospecção de petróleo na Amazôniava (foto: Sérgio Lima/AFP - 23/1/23)



Brasília – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) animou os investidores estrangeiros com o discurso de que o Brasil passaria a ser mais justo social e ambientalmente, sem deixar de lado a responsabilidade fiscal e o respeito às regras estabelecidas. Porém, os meses foram passando, e os ânimos esfriaram diante de uma sucessão de sinais contraditórios do governo, dizem especialistas das mais diversas áreas que convivem com os donos de dinheiro no exterior.
 
Para quem atua com infraestrutura, área que demanda quantias bilionárias no longo prazo, a surpresa foi o isolamento de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, na primeira divergência. Especialistas do setor dizem ser inexplicável a queda de braço instalada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, na tentativa de impor a exploração de óleo e gás na margem equatorial, faixa entre Amapá e Rio Grande do Norte, passando pela foz do Rio Amazonas.
 
"Marina, depois de Lula, é o símbolo do compromisso do Brasil com essa agenda, e empurrá-la para escanteio numa discussão sobre petróleo na Amazônia é um tiro no pé com canhão", afirma Claudio Frischtak, sócio da consultoria Internacional de Negócios Inter B. A agenda verde do governo é a esperança de atração de capital externo no setor. Segundo Frischtak, já faz alguns anos que o Brasil não atrai novos investidores estrangeiros de longo prazo. Só investe quem está no país. Prova disso, explica ele, foi a relicitação do aeroporto de Natal (RN), em abril. Teve dois interessados, quando poderia ter quatro. O vencedor foi a suíça Zurich Airport International, que já atua em quatro outros aeroportos no Brasil.
 
Há outras implicações, afirma o advogado Eduardo Felipe Matias, especialista em direito internacional. "Nem vamos entrar no mérito técnico do projeto. É na Amazônia, o lugar que atrai a atenção internacional. Essa queda de braço politiza o tema e é uma casca de banana para o governo" afirma ele. "Fragilizar Marina é dar munição a quem se opõe ao acordo Mercosul-União Europeia, colocar em risco contribuições de outros países para o Fundo da Amazônia, piorar a imagem da marca Brasil e comprometer investimentos de fundos, empresas e cadeias de fornecedores."
 
Colocar em xeque a imagem internacional do Brasil também é abusar da já frágil posição do país no mundo dos investimentos, dizem os especialistas. Os países asiáticos permanecem como os preferidos dos investidores estrangeiros, afirma Cesar Masry, chefe da área de mercados emergentes e investimentos globais do Goldman Sachs. Ninguém ignora o Brasil, mas ele está em baixa.
 
"Há uma certa hesitação do investidor global em relação ao Brasil", diz Masry. "Os riscos políticos ainda são significativos, o ambiente macroeconômico está frágil, requer reformas, e a inflação está alta, apesar de ter cedido."
 
Nesse contexto, os ataques ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, são apontados como um componente adicional para afugentar capital. "Ano passado, teve um sopro de otimismo entre os estrangeiros, e vimos uma boa entrada de dinheiro na Bolsa com a expectativa e, depois, a confirmação da eleição de um Lula mais pragmático", diz o economista Evandro Buccini, sócio diretor da gestora de recursos Rio Bravo."Mas os ataques ao BC alimentaram ceticismo, e o investidor agora espera."
 
Levantamento da TradeMap mostra que os estrangeiros de fato entraram com força na B3 em outubro, dezembro e janeiro. Em fevereiro, justamente o mês que Lula abriu fogo contra Campos Neto, começaram as retiradas, e o estrangeiro não voltou até agora.
 
O saldo anual até maio está positivo, mas seria negativo em R$ 1,9 bilhão não fosse a alta em janeiro, diz Einar Rivero, da TradeMap. De janeiro a 22 de maio deste ano, entraram na Bolsa R$ 10,7 bilhões em recursos de estrangeiros. No mesmo período do ano passado, foram R$ 51,5 bilhões.
O Investimento Diretor Estrangeiro (IDE) fez trajeto similar. Foi caindo lentamente desde agosto do ano passado, quando totalizou US$ 10 bilhões (R$ 50 bilhões). Despencou de US$ 7,6 bilhões (R$ 38 bilhões), em março, para US$ 3,3 bilhões (R$ 16,5 bilhões) em abril.
 
A consultoria internacional Kearney também captou oscilações. Ela faz um ranking de 25 países mais atraentes para estrangeiros. O Brasil não apareceu na lista em 2021, nem neste ano. No ano passado, ficou em 22º. A Kearney lançou em 2023 a relação de emergentes mais atraentes. O Brasil ficou em 7º lugar entre 25 nações, uma posição à frente do México, mas atrás de Índia, Emirados Árabes Unidos, Catar, Tailândia e Arábia Saudita.
 
O sócio da Kearney no Brasil, Sachin Mehta, diz que o levantamento ocorreu em janeiro e não tem certeza se essa seria a posição do país hoje. "A pesquisa mostrou preocupação com instabilidade política, ambiente regulatório e fiscal, com a infraestrutura, e esses elementos ficaram meio congelados neste começo de ano, sem a gente saber para onde vai. A votação do arcabouço pode reduzir parte da incerteza sobre a questão fiscal", afirma.
 
"Os investidores estrangeiros interessados no Brasil também ficam preocupados quando muda governo porque sempre há a expectativa de alteração regulatória, e esperam o que vai vir." Neste aspecto, os analistas são unânimes em afirmar que os sinais são ruins. O governo alterou, por exemplo, o Marco do Saneamento, e agora tenta evitar que o Congresso derrube as mudanças. O uso de precatórios em concessões e outorgas para reavaliar o instrumento, por sua vez, foi suspenso. Outra norma em revisão é o voto de desempate no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), órgão que julga processos de contribuintes que se sentem lesados pela administração tributária.

INSEGURANÇA JURÍDICA "O tema da insegurança jurídica no Brasil é onipresente e assustador para o investidor estrangeiro", afirma Piero Minardi, presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCap). Private equity e venture capital são modalidades de investimento privado de risco, aplicado diretamente em empresas, não raro via fundos. O resultado sai do crescimento do próprio negócio e da venda de ações da empresa em Bolsa. Desde 2004, diz Minardi, esse tipo de capital esteve em 60% das empresas que entraram em uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) na B3. Azul, Droga Raia, CVC e Hering são exemplos. De seis anos para cá, no entanto, esses fundos estrangeiros foram deixando o país.
 
"Houve uma conjunção de fatores, como desvalorização cambial, recessão e redução do crescimento", afirma Minardi. "Mas o que mais incomodou foi uma reinterpretação da Receita Federal, em 2018, para a isenção fiscal que valia desde 2006. Algumas autuações foram até retroativas. O investidor estrangeiro olha isso e fica com o cabelo em pé."
O volume de investimentos estrangeiros é um dos termômetros da confiança global no Brasil. O indicador mudou de patamar nos dois primeiros mandatos de Lula, período de boom das commodities, reformas pontuais e uma política fiscal com superávits de resultados primários.
 
Em abril de 2008, o país conquistou o grau de investimento, o selo de bom pagador, atraindo cifras maiores. O pico ocorreu em 2011. Foram US$ 102 bilhões (R$ 511 bilhões), pelos critérios do Banco Central. A partir daí, o país entra num período tumultuado. Em 2015, perdeu o grau de investimento e passou a sofrer com instabilidades políticas e econômicas. Muitos investidores aguardam o fim dessa fase.

COMPROMISSO Procurada pela reportagem, a Presidência da República destacou que o governo federal trabalha para estimular a atração de investimentos e reafirma o compromisso assumido durante a campanha com a pauta ambiental. "A proteção à Floresta Amazônica e demais biomas brasileiros, as ações de combate às mudanças climáticas e os trabalhos voltados à transição para uma economia verde, sustentável e de baixo carbono e com uma matriz energética cada vez mais limpa estão na pauta central", afirmou em nota.
 
O esforço da gestão Lula, reforçou, já é reconhecido por nações importantes, que voltaram a contribuir com o Fundo Amazônia, parado desde 2019 e reativado por meio de decreto em 1º de janeiro. Já há anúncios de contribuição de Reino Unido, Estados Unidos e Alemanha.
A nota também afirma que a atual gestão vem atuando sistematicamente para redirecionar o Brasil para uma rota de crescimento, com orçamento equilibrado, finanças robustas e taxas de juros menores para o Brasil voltar a crescer fiscal e socialmente. Entre as medidas já anunciadas, destaca o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária.  (Folhapress)

Nas mãos de Lula

Diante de especulações sobre a permanência no governo, a ministra Marina Silva faltou a churrasco oferecido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao primeiro escalão do governo, na noite de sexta-feira. A chefe da pasta do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, no entanto, tem ressaltado em entrevistas que quem decidirá seu futuro no Executivo será o próprio presidente. "A primeira pessoa que diz quem fica e quem sai é o presidente Lula, que convida", afirmou Marina à CNN Brasil. "A melhor forma de ajudar o governo é estando dentro do governo, para viabilizar as políticas de combate ao desmatamento, desenvolvimento sustentável. Temos 19 ministérios com agenda do clima, bioeconomia", disse. A ministra trocou um churrasco oferecido por Lula a auxiliares do primeiro escalão por uma confraternização na casa do novo presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Mauro Pires.


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