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Estado de Minas

A difícil tarefa de frear a violência no Brasil, na palavra de quem entende do assunto

Falta de entendimento entre União, estados e municípios sobre responsabilidades é principal gargalo para solucionar a crise


postado em 25/02/2018 06:00 / atualizado em 25/02/2018 08:58

O Parlamento abraçou, neste ano eleitoral, a iniciativa do governo federal e colocou a agenda da segurança pública na prioridade(foto: AFP / CARL DE SOUZA )
O Parlamento abraçou, neste ano eleitoral, a iniciativa do governo federal e colocou a agenda da segurança pública na prioridade (foto: AFP / CARL DE SOUZA )

O general Walter Souza Braga Netto, responsável pela segurança pública do Rio de Janeiro, apresentará nesta semana o plano de ação para a intervenção federal no estado. Por enquanto, ainda não foram divulgados detalhes sobre operações, orçamento e estratégias, o que tem deixado apreensiva parte da população fluminense, que ainda não entende, na prática, como será a atuação dos militares. Diante da medida inédita tomada pelo governo federal, a reportagem buscou especialistas em diversos setores para mostrar por quais pontos fundamentais caminha a solução para a redução da violência.

O primeiro ponto de consenso é o que está sendo chamado de governança. Especialistas em segurança pública afirmam que o principal gargalo do setor, e que tem influência em todos os outros problemas, é a falta de entendimento entre União, estados e municípios sobre as responsabilidades de cada um. Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima, a solução da crise federativa é capaz de trazer resultados em curto prazo e a iniciativa tem de ter a participação de todos: Executivo, Legislativo, Judiciário, Forças Armadas, Ministério Público Federal, Polícia Federal, Banco Central, Receita Federal e cada um que possa contribuir.

“Atualmente, cada um interpreta a lei de um jeito e faz como quer. Não há integração, conversa. Todo mundo quica a bola e ninguém chuta. São coisas muito práticas que não são feitas porque ninguém se acha responsável por aquilo. Por exemplo, a atualização dos dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisional e sobre Drogas (Sinesp)”, afirma Lima. O professor sugere que um sistema de avaliação e monitoramento semelhante ao do Sistema Único de Saúde (SUS) seja criado para a segurança. “Na saúde tem câmaras de monitoramento e de decisão com a participação de todo mundo. E isso é muito importante. Ninguém tem que mandar, todas as esferas envolvidas sentam e votam, e a União pode servir como uma coordenadora”, projeta o representante do fórum.

A ideia de união de forças também é defendida no Congresso. O Parlamento abraçou, neste ano eleitoral, a iniciativa do governo federal e colocou a agenda da segurança pública na prioridade. O presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), defende a criação de um sistema nacional para a segurança pública. “Um novo sistema unificado permitirá mais rapidez em processos, o aprimoramento na troca de informações entre agentes e órgãos públicos e o desenvolvimento de instrumentos de fiscalização, investigação e repressão mais modernos e essenciais para combater a nova configuração da criminalidade”, afirma o emedebista.

Coordenador da Frente Parlamentar pela Prevenção à Violência e Redução dos Homicídios, o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) comenta que o Congresso precisa atuar em duas frentes para contribuir com o debate: a prevenção e a reprensão. Na primeira, a ideia é o investimento em projetos de educação, cultura, esporte e lazer para evitar que jovens cedam ao caminho da violência. A segunda propõe uma revisão e reequilíbrio das penas. “Precisamos punir com penas mais duras os crimes mais graves, que atentam contra a vida. E verificar se não há penas exageradas para crimes sem violência”, sugere Molon.

PRESÍDIOS A situação da população carcerária também está na lista de prioridades do setor. Cadeias superlotadas e dominadas por facções criminosas têm influência direta na violência fora dos muros. E nesse ponto, o Judiciário é parte central do problema e, muitas vezes, fica de fora do debate. Mais de 40% dos presos no Brasil são provisórios e a superlotação nas penitenciárias passa pela morosidade da Justiça.

 “A força do crime organizado está nas prisões. Sem isso, não dá pra avançar. A gente precisa construir presídios, mas tem de prender quem precisa estar preso. E nisso entra também uma melhor solução policial. A polícia precisa ter condições de elucidar crimes”, afirma Sérgio Lima.

A reestruturação das polícias também faz parte do pacote segurança. Uma das principais preocupações de generais das Forças Armadas é como será a coordenação das polícias civil e militar do Rio de Janeiro e de onde virá o dinheiro para aparelhá-las da maneira mais adequada – o quadro é de total falência, com atrasos de salários, falta de colete salva-vidas para todos e até gasolina para colocar nas viaturas. “Não se faz segurança pública com polícia, se faz com política. É preciso abandonar a ideia de política de segurança pública e passar a incorporar a ideia da política pública de segurança, como é feito com a saúde e a educação”, resume o ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e professor da Universidade de Brasília Arthur Trindade.

Tráfico na pauta

Para Bruno Borges, sociólogo da Universidade de Brasília, a política atual é ambígua: facilita a criminalização do porte e tráfico de drogas e não reduz a venda e o consumo. “A política de guerra às drogas não gera efeito de redução da violência. A discussão passa por um debate moral, mas precisa dar espaço à discussão de políticas públicas. A legislação está ampliando a população carcerária”, afirma.

O debate em todo o mundo tem levado alguns países a repensar a forma como lidar com a questão. A descriminalização da maconha é uma das principais medidas adotadas. Um dos exemplos é o Uruguai, que adotou a legalização em 2014. Nos EUA, oito estados legalizaram o uso recreativo. No Brasil, propostas antagônicas tratam da questão no Congresso – a maioria quer penas mais duras para usuários e, outras, como o Projeto de Lei 7.187/14, de autoria do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), regula a produção, a industrialização e a comercialização. A proposta aguarda votação em plenário.

Em entrevista na última quarta-feira, o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, disse ser contra a flexibilização e defendeu um combate mais rigoroso aos entorpecentes, inclusive com a internação compulsória de usuários. “Se não tiver nenhum tipo de pena, para ele vai ser muito tranquilo: botar a droga no bolso, ir para a escola, distribuir aos amigos, fumarem juntos e tal.”

Exploração da bancada

A bancada da bala no Congresso aproveitou o momento para retirar da gaveta o Projeto de Lei 3.722/15, que pretende extinguir o Estatuto do Desarmamento e criar um Estatuto de Controle de Armas de Fogo, que permita ao cidadão sem antecedentes criminais portar uma arma. Tema de polêmica desde 2015, quando foi aprovado em comissão especial, o projeto será levado a plenário nesta semana. Com o aval e apoio do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF) prepara um texto mais “palatável”. Para os defensores da ideia, a arma dará ao cidadão a possibilidade de se defender, mas um manifesto assinado por 56 especialistas em segurança pública nacionais e internacionais indica que quanto mais armas nas ruas, mais mortes.

“Não tem como falar de segurança sem falar disso. Precisamos aumentar o controle em relação às armas e não flexibilizar. Não é um monte de gente à toa dizendo que mais armas trazem mais violência. São pesquisas científicas, estudos baseados em evidências, gente séria”, afirma o coordenador do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli. (NL)

Observatório vai monitorar ações

Rio – O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, lançou ontem, no Rio de Janeiro, para prefeitos, secretários e políticos do estado, o Observatório Legislativo da Intervenção Federal da Segurança Pública do Estado do Rio. A ideia é acompanhar de perto a intervenção decretada no dia 16, dando transparência aos dados que serão produzidos pelo Exército, como prisões e operações, e acompanhando o orçamento destinado.

“O planejamento (da intervenção) ainda está sendo elaborado. Queremos que saia o mais rápido possível, porque não podemos ficar nesse limbo, de ter a intervenção, mas não ter o planejamento”, disse Maia ao encerrar o evento, que lotou o auditório de um hotel na zona sul do Rio.

Perguntado se a ação realizada pelo Exército na sexta-feira, de fotografar e fichar os moradores de três favelas do Rio, não seria um abuso contra os direitos humanos, Maia se esquivou dizendo que “é muito perigoso criticar a operação no seu início”, mas afirmou que assim que o Observatório for instalado, na próxima quinta-feira, as ações da intervenção serão analisadas e se tiver havido abuso, “a denúncia será encaminhada para órgãos competentes”.

Ele afirmou que o estado “não está sofrendo um momento de restrição de direitos” e que a população “acha positiva” a intervenção. “Não é ele (estado) que impede o direito de ir e vir delas (pessoas), é o tráfico”, concluiu.  Maia não soube informar quantas pessoas formarão o Observatório, mas garantiu que será composto apenas por servidores federais, que ficarão sediados no Rio de Janeiro. Além da fiscalização da intervenção, o grupo vai acompanhar  a situação da educação e da saúde do Rio, para diagnosticar como esses setores podem melhorar, evitando que o “jovem vá para o tráfico”, nas palavras de Maia.

Mais cedo, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirmou que políticos fluminenses vão formar também uma comissão externa para fiscalizar a intervenção, e criticou o comportamento do Exército até o momento. “Não tem planejamento, o decreto (da intervenção) é um cheque em branco para as Forças Armadas. Vamos acompanhar e denunciar qualquer abuso”, disse a jornalistas.

 


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