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Estado de Minas

137 anos após primeira reforma eleitoral, sistema político pouco mudou

Desde então, o que se tem visto são ajustes pontuais nas regras eleitorais


postado em 10/01/2018 09:39

Gilmar avalia que o Judiciário também contribuiu de maneira
Gilmar avalia que o Judiciário também contribuiu de maneira "infeliz" ao derrubar a cláusula de barreira, em 2006 (foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF - 18/12/17)

O país celebrou  nessa terça-feira (9) os 137 anos da primeira reforma eleitoral. Relatada pelo então deputado Ruy Barbosa, a chamada Lei Saraiva instituiu, em 1881, o voto direto no Brasil, criou o título de eleitor, mas excluiu os analfabetos do processo — maioria da população na época. E, desde então, como um cubo mágico, o país tenta ajustar o sistema político-eleitoral: conserta de um lado e atrapalha do outro.

Em um tempo em que só podiam votar aqueles que provassem que tinham a capacidade de produzir uma quantidade determinada de farinha de mandioca — plantações essenciais para sustentar os escravos —, uma das principais críticas da população era a falta de participação direta no processo eleitoral. Entre 1821 e 1881, 11 leis tentaram ajustar o sistema. Em alguns momentos, existiram quatro níveis de votos, reduzidos, posteriormente, para dois. Os votantes elegiam os representantes locais (vereadores) e os eleitores, que tinham o direito de eleger os deputados da província, os do Império e os senadores.

“A intenção de Ruy Barbosa era democrática. Ele queria abolir a distinção dos dois níveis e definir o voto universal. Havia uma pressão muito grande. A inflação era alta e acabou fazendo com que mais pessoas chegassem à renda mínima para votar. Então, na hora de definir quem podia ou não, saber ler acabou sendo uma forma de controlar”, conta Luiz Fernando Gonzaga, doutor em história pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em Minas Gerais, por exemplo, existiam 167 mil votantes e 3 mil eleitores antes da Lei Saraiva. Em 1882, nas primeiras eleições pós-lei, o número de eleitores passou para 30 mil.

“Aumentou a participação dos eleitores, mas excluiu uma parcela muito grande da população. Pior, o acesso à educação passou a ser usado como forma de exclusão eleitoral. A lei acabou reforçando o coronelismo”, afirma Saraiva. O professor explica que uma das intenções era formar cidadãos ativos e combativos, massificar a educação pública, mas a realidade acabou sendo muito mais complexa. “É semelhante ao que acontece hoje. Claro que tivemos avanços. Apesar das boas intenções, os sistemas vêm com normas embutidas que acabam favorecendo os grupos dominantes”, acrescenta.

Na opinião do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, a Lei Saraiva foi um marco importante na história eleitoral do Brasil. Ele destaca que, de lá para cá, foram muitos os avanços em termos de democracia. “Precisamos considerar que tivemos dois períodos de interrupção democrática, de 1937 a 1945 e de 1964 a 1985. Pagamos um preço alto por isso e temos sequelas graves que estão sendo corrigidas. É um processo lento e difícil, de amadurecimento mesmo”, comenta.

Para Mendes, o Judiciário também contribuiu de maneira “infeliz” para a história eleitoral do Brasil, ao derrubar a cláusula de barreira, em 2006, e o financiamento empresarial das campanhas eleitorais em 2015, por exemplo. “O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a lei aprovada pelo Congresso e contribuiu para a multiplicação de partidos e para todo esse artificialismo e distorção. O nosso aprendizado é que devemos tomar decisões moderadas nas intervenções judiciais. As coisas precisam ser discutidas, mas com cautela”, afirma. O magistrado cita números das eleições municipais de 2016 para justificar o erro sobre o financiamento empresarial: foram 730 mil doadores e mais de 300 mil não tinham capacidade financeira para isso, ficando clara a prática do caixa dois.

O professor de direito eleitoral da FGV-Rio de Janeiro Michael Mohallem concorda com a avaliação do ministro sobre as intervenções do Judiciário e acrescenta ainda a decisão dos magistrados sobre a fidelidade partidária, dando aos parlamentares a possibilidade de trocar de partido sem perder o mandato, desde que seja para uma nova sigla. “Isso abriu mais uma brecha para a fragmentação partidária. Hoje, é mais fácil criar um partido, que precisa de 500 mil assinaturas, do que emplacar um projeto de iniciativa popular no Congresso, que precisa de 2 milhões”, compara.

Dificuldade

Relator da mais nova reforma eleitoral, aprovada às pressas no ano passado para valer em 2018, o deputado federal Vicente Cândido (PT-SP) não esconde a frustração a respeito do resultado final do texto. Para ele, o sistema eleitoral brasileiro ainda precisa melhorar em 80%. “A estrutura cria uma disputa desigual. Se não mudar o sistema de votação, o Brasil continuará a ter a campanha mais cara do planeta. Tudo continuará sendo caro e excludente. É o sistema mais bagunçado do mundo”, critica.

Cândido relata que um dos principais problemas das reformas políticas do Brasil é que são feitas por quem pode tirar vantagens delas. Ele se dedicou ao projeto mais de um ano. Apresentou em abril um relatório com mudanças significativas, inclusive, adotando o sistema distrital misto (voto no candidato e no partido). “O avanço foi insignificante, muito aquém do que deveria. Sofri pressão de dirigentes de todos os lados. A prioridade ali era aumentar a estrutura partidária e dar a ela e liberdade para gastar dinheiro como quisesse. Infelizmente, não consegui vencer essa briga”, lamenta.


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