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Estado de Minas

Igreja critica 'barganha sem escrúpulos' e aponta 'risco' à democracia no Brasil

Documento assinado pelos bispos pede aos políticos que ouçam a população sobre reformas e promovam o bem comum


postado em 05/05/2017 09:25 / atualizado em 05/05/2017 12:42

A insatisfação com as reformas levou milhares às ruas de BH em 28 de abril(foto: Leandro Couri / EM / D.A. Press)
A insatisfação com as reformas levou milhares às ruas de BH em 28 de abril (foto: Leandro Couri / EM / D.A. Press)

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) encerrou a 55ª Assembleia-Geral, em Aparecida (SP), nesta quinta-feira(4), com críticas à falta de ética e ao fisiologismo da classe política brasileira e apontou para o risco à democracia conquistada no país. De acordo com a maior entidade representante da igreja católica, é necessária uma profunda reforma no sistema político brasileiro, que está “desfigurado” e “desacreditado”.

Segundo a CNBB, o estado democrático de direito “corre riscos na medida em que crescem o descrédito e o desencanto com a política e com os Poderes da República cuja prática tem demonstrado enorme distanciamento das aspirações de grande parte da população”.

O documento, divulgado nesta quinta-feira, diz ainda que é preciso construir uma democracia verdadeiramente participativa. “Dessa forma se poderá superar o fisiologismo político que leva a barganhas sem escrúpulos, com graves consequências para o bem do povo brasileiro”, registram os bispos.

A igreja católica vem se posicionando contra as reformas da Previdência e Trabalhista, propostas pelo governo do presidente Michel Temer (PMDB), e apoiou as manifestações e a paralisação geral do dia 28 de abril.

No novo documento, a CNBB diz que “não é lícito” exercer a política se não for para construir o bem comum e alerta para a possibilidade do surgimento de “salvadores da pátria”, por conta do descontentamento dos eleitores com os políticos atuais.

Toma lá, dá cá


“Daí, a necessidade de se abandonar a velha prática do “toma lá, dá cá” como moeda de troca para atender a interesses privados em prejuízo dos interesses públicos”, pregam os bispos.

Para a CNBB, a economia tem sido um suplício para a maioria da população. “Em nome da retomada do desenvolvimento, não é justo submeter o Estado ao mercado. Quando é o mercado que governa, o Estado torna-se fraco e acaba submetido a uma perversa lógica financista.”

A igreja também considera preocupante a falta de perspectiva para os jovens. “No esforço de superação do grave momento atual, são necessárias reformas, que se legitimam quando obedecem à lógica do diálogo com toda a sociedade, com vistas ao bem comum”, diz.


Confira a íntegra da nota da CNBB:


O grave momento nacional

"A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil–CNBB, por ocasião de sua 55ª Assembleia Geral, reunida em Aparecida-SP, de 26 de abril a 5 de maio de 2017, sente-se no dever de, mais uma vez, apresentar à sociedade brasileira suas reflexões e apreensões diante da delicada conjuntura política, econômica e social pela qual vem passando o Brasil. Não compete à Igreja apresentar soluções técnicas para os graves problemas vividos pelo País, mas oferecer ao povo brasileiro a luz do Evangelho para a edificação de “uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade, da sua vocação” (Bento XVI – Caritas in Veritate, 9).

O que está acontecendo com o Brasil? Um País perplexo diante de agentes públicos e privados que ignoram a ética e abrem mão dos princípios morais, base indispensável de uma nação que se queira justa e fraterna. O desprezo da ética leva a uma relação promíscua entre interesses públicos e privados, razão primeira dos escândalos da corrupção.

Urge, portanto, retomar o caminho da ética como condição indispensável para que o Brasil reconstrua seu tecido social. Só assim a sociedade terá condições de lutar contra seus males mais evidentes: violência contra a pessoa e a vida, contra a família, tráfico de drogas e outros negócios ilícitos, excessos no uso da força policial, corrupção, sonegação fiscal, malversação dos bens públicos, abuso do poder econômico e político, poder discricionário dos meios de comunicação social, crimes ambientais (cf. Documentos da CNBB 50– Ética, Pessoa e Sociedade – n. 130)

O Estado democrático de direito, reconquistado com intensa participação popular após o regime de exceção, corre riscos na medida em que crescem o descrédito e o desencanto com a política e com os Poderes da República cuja prática tem demonstrado enorme distanciamento das aspirações de grande parte da população. É preciso construir uma democracia verdadeiramente participativa. Dessa forma se poderá superar o fisiologismo político que leva a barganhas sem escrúpulos, com graves consequências para o bem do povo brasileiro.

É sempre mais necessária uma profunda reforma do sistema político brasileiro. Com o exercício desfigurado e desacreditado da política, vem a tentação de ignorar os políticos e os governantes, permitindo-lhes decidir os destinos do Brasil a seu bel prazer. Desconsiderar os partidos e desinteressar-se da política favorece a ascensão de “salvadores da pátria” e o surgimento de regimes autocráticos.

Aos políticos não é lícito exercer a política de outra forma que não seja para a construção do bem comum. Daí, a necessidade de se abandonar a velha prática do “toma lá, dá cá” como moeda de troca para atender a interesses privados em prejuízo dos interesses públicos.

Intimamente unida à política, a economia globalizada tem sido um verdadeiro suplício para a maioria da população brasileira, uma vez que dá primazia ao mercado, em detrimento da pessoa humana e ao capital em detrimento do trabalho, quando deveria ser o contrário. Essa economia mata e revela que a raiz da crise é antropológica, por negar a primazia do ser humano sobre o capital (cf. Evangelii Gaudium, 53-57).

Em nome da retomada do desenvolvimento, não é justo submeter o Estado ao mercado. Quando é o mercado que governa, o Estado torna-se fraco e acaba submetido a uma perversa lógica financista.

Recorde-se, com o Papa Francisco, que “o dinheiro é para servir e não para governar” (Evangelii Gaudium 58). O desenvolvimento social, critério de legitimação de políticas econômicas, requer políticas públicas que atendam à população, especialmente a que se encontra em situação vulnerável.

A insuficiência dessas políticas está entre as causas da exclusão e da violência, que atingem milhões de brasileiros. São catalisadores de violência: a impunidade; os crescentes conflitos na cidade e no campo; o desemprego; a desigualdade social; a desconstrução dos direitos de comunidades tradicionais; a falta de reconhecimento e demarcação dos territórios indígenas e quilombolas; a degradação ambiental; a criminalização de movimentos sociais e populares; a situação deplorável do sistema carcerário.

É preocupante, também, a falta de perspectivas de futuro para os jovens. Igualmente desafiador é o crime organizado, presente em diversos âmbitos da sociedade. Nas cidades, atos de violência espalham terror, vitimam as pessoas e causam danos ao patrimônio público e privado.

Ocorridos recentemente, o massacre de trabalhadores rurais no município de Colniza, no Mato Grosso, e o ataque ao povo indígena Gamela, em Viana, no Maranhão, são barbáries que vitimaram os mais pobres. Essas ocorrências exigem imediatas providências das autoridades competentes na apuração e punição dos responsáveis.

No esforço de superação do grave momento atual, são necessárias reformas, que se legitimam quando obedecem à lógica do diálogo com toda a sociedade, com vistas ao bem comum. Do Judiciário, a quem compete garantir o direito e a justiça para todos, espera-se atuação independente e autônoma, no estrito cumprimento da lei. Da Mídia espera-se que seja livre, plural e independente, para que se coloque a serviço da verdade.

Não há futuro para uma sociedade na qual se dissolve a verdadeira fraternidade. Por isso, urge a construção de um projeto viável de nação justa, solidária e fraterna. “É necessário procurar uma saída para a sufocante disputa entre a tese neoliberal e a neoestatista (…). A mera atualização de velhas categorias de pensamentos, ou o recurso a sofisticadas técnicas de decisões coletivas, não é suficiente. É necessário buscar caminhos novos inspirados na mensagem de Cristo” (Papa Francisco – Sessão Plenária da Pontifícia Academia das Ciências Sociais – 24 de abril de 2017).

O povo brasileiro tem coragem, fé e esperança. Está em suas mãos defender a dignidade e a liberdade, promover uma cultura de paz para todos, lutar pela justiça e pela causa dos oprimidos e fazer do Brasil uma nação respeitada.

A CNBB está sempre à disposição para colaborar na busca de soluções para o grave momento que vivemos e conclama os católicos e as pessoas de boa vontade a participarem, consciente e ativamente, na construção do Brasil que queremos.

No Ano Nacional Mariano, confiamos o povo brasileiro, com suas angústias, anseios e esperanças, ao coração de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil. Deus nos abençoe!"


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