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Estado de Minas

Jovens pesquisadores participam das investigações da Comissão da Verdade

Pesquisadores que nem sequer tinham nascido quando a democracia foi restaurada no Brasil ajudam a revelar os crimes cometidos nos quartéis durante os 25 anos da ditadura militar


postado em 27/04/2014 00:12 / atualizado em 28/04/2014 10:32

Pesquisadores que nem sequer tinham nascido quando a democracia foi restaurada no Brasil ajudam a revelar os crimes cometidos nos quartéis durante os 25 anos da ditadura militar(foto: Rodrigo Clemente/EM/D.A Press)
Pesquisadores que nem sequer tinham nascido quando a democracia foi restaurada no Brasil ajudam a revelar os crimes cometidos nos quartéis durante os 25 anos da ditadura militar (foto: Rodrigo Clemente/EM/D.A Press)

Quando Tancredo Neves foi eleito pelo Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, o período militar acabava no Brasil, após 21 anos da ditadura instaurada pelo golpe em 1964. Quase 30 anos depois, um grupo de jovens pesquisadores, que, em sua maioria, nem sequer havia nascido quando a democracia começou a ser restaurada, reescreve a história dos anos de chumbo. São estudantes da graduação, mestrado e doutorado do curso de história da UFMG que subsidiam, com pesquisas e relatórios, a Comissão Nacional da Verdade (CNV). O trabalho dessa turma, formada por 18 pesquisadores, já alcançou um feito inédito: levou as Forças Armadas a investigar os crimes cometidos dentro dos quartéis, principalmente mortes e torturas.

“É o sonho de todo pesquisador. Conjugar a pesquisa com uma intervenção prática”, afirma a historiadora Juliana Ventura, de 32 anos, uma das mais experientes do grupo. Juliana participou dos estudos para os dois relatórios produzidos pelo Projeto República e que foram publicados pela CNV. O primeiro detalha como os quartéis das Forças Armadas foram palco de violações graves de direitos humanos, como torturas e mortes. O segundo, publicado ainda parcialmente, lista os centros clandestinos de tortura e execução, entre eles a Casa da Morte, em Petrópolis, e um imóvel residencial no Bairro Renascença, na Região Nordeste de Belo Horizonte.

Juliana já concluiu o mestrado, quando estudou o debate sobre a lei de anistia e as práticas da justiça de transição nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – de 1995 a 2003 – e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – de 2003 a 2010  – , mas nem todos os pesquisadores têm a mesma experiência que ela. É o caso de Artur Navarro, de 19. “Comecei a fazer estágio aqui, no primeiro período da faculdade, e acabei descobrindo que o assunto era muito maior do que eu imaginava”, afirma o garoto, revelando surpresa com a repercussão das pesquisas feitas por seus colegas.

O trabalho é coordenado pela historiadora e professora Heloísa Starling, que além de ser doutora em ciências políticas é uma das assessoras da CNV. “Eu sou a professora, e pela responsabilidade da pesquisa a exigência é muito alta, mas aqui é um aprendizado de mão dupla. Várias soluções são pensadas pelos alunos”, garante Heloísa, que foi vice-reitora da UFMG entre 2006 e 2010.

Pauliane Braga, de 26, é formada em história e estuda no mestrado a literatura comunista de Bernardo Élis entre 1950 e 1964. No Projeto República, Pauliane coordena a linha de pesquisas sobre a questão agrária e desenvolve estudos sobre os camponeses que foram vítimas da ditadura militar. “É um assunto que desperta pouco interesse e, por isso, entendo que a responsabilidade é grande”, afirma Pauliane.

O estudo sobre os camponeses ainda não foi publicado e fará parte, segundo Pauliane, do relatório final da CNV. A comissão foi instituída em 16 de maio de 2012, e no fim de 2013 foi prorrogada até dezembro deste ano. Outro tema pesquisado pelo Projeto República e que deve constar no relatório final da CNV é a pesquisa feita por Taciana Garrido, de 24, que estuda os relatórios do Centro de Informações da Marinha (Cenimar).

Além de pesquisar documentos e cruzar informações com outras fontes, como livros e reportagens, os historiadores vão a campo em busca das fontes. Maria Cecília Vieira, de 23, está concluindo a graduação. No fim de 2012, ela foi até a região onde ocorreu a guerrilha do Araguaia, no Norte do Brasil, e fez entrevistas com os camponeses. A experiência ajudou Maria Cecília a pensar em um tema para estudar no mestrado. “Quero relacionar a guerrilha do Araguaia com os camponeses”, planeja.

Outro grupo de estudantes viajou para o Paraguai e para a Argentina. Eles foram até Assunção para pesquisar os chamados “documentos do terror”, que trazem informações sobre a Operação Condor, a aliança política e militar entre os regimes militares da América do Sul. Danilo Marques, de 24 , é um dos coordenadores do projeto, e além de ter ido ao Paraguai foi também a Buenos Aires onde pesquisou o trânsito de correspondência entre os embaixadores dos dois países durante o período de chumbo.

Danilo nasceu quando a democracia já estava totalmente restabelecida, com a população escolhendo o presidente, mas, apesar da pouca idade, participou ativamente das pesquisas que geraram os dois relatórios publicados pela CNV. Quando a reportagem do Estado de Minas foi entrevistar Heloísa Starling, Danilo sentou-se ao lado da professora – vestindo uma blusa da banda de punk rock Ramones e de bermuda – e ajudou a chefe a lembrar de datas e detalhes das pesquisas.

AMBIENTE Quem visita as salas do Projeto República, no anexo recém-construído do prédio da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, se surpreende com a idade dos garotos e garotas, mas não deixa de observar a decoração “descolada” do espaço. As paredes são repletas de pôsteres de filmes clássicos, como o russo Encouraçado Potemkin (1925) e o suspense de Alfred Hitchcock Psicose (1960). Na porta, uma mensagem convoca os estudantes: “Às artes, cidadãos”. A mesa de 16 lugares está repleta de livros, a maioria lançamentos, aguardando catalogação para entrar na biblioteca do projeto, que tem cerca de 2 mil títulos de história, sociologia, política, música, cinema e fotografia. O acervo de filmes totaliza 1,6 mil títulos, entre fitas VHS, DVD’s, e conteúdo digital.

O Projeto República foi criado em 2003 e, além das pesquisas para a Comissão Nacional da Verdade, trabalha com temas diversos, como cinema, música e literatura. Entre as publicações do Projeto estão os três volumes da coleção Decantando a República (Nova Fronteira); um CD-Room didático para a Secretaria de Direitos Humanos, baseado no livro Direito à memória e à verdade, com história de todos os mortos e desaparecidos políticos cujas famílias entraram com pedido de anistia no Ministério da Justiça; a pesquisa histórica para o Memorial Minas Gerais da Vale e, em breve, publicará quatro volumes com o resultado da pesquisa sobre os panfletos da independência que circulavam no Brasil e em Portugal à época do movimento separatista.


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