(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Comunidades remanescentes de quilombos lutam pelo direito à propriedade

Descendentes de escravos cobram titulação de terras que lhes pertencem. No país, 1.281 áreas aguardam o título definitivo, enquanto são engolidas por novos empreendimentos e invasões


postado em 17/02/2014 00:12 / atualizado em 17/02/2014 07:31

Os quilombos urbanos da capital mineira, como o de Luízes, no Bairro Grajaú, brigam na Justiça pelo reconhecimento de seus direitos (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Os quilombos urbanos da capital mineira, como o de Luízes, no Bairro Grajaú, brigam na Justiça pelo reconhecimento de seus direitos (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

O enorme laço vermelho abraça a mangueira e anuncia a oferenda à mãe ancestral Iá Mi Oxorongá. Na cesta de vime, azeite de dendê, mel, ovos e um espelho sugerem um ritual para a fertilidade. Uma casa de santo ao fundo, a poucos metros do córrego, luta para se afirmar em meio aos novos empreendimentos e à valorização imobiliária, que empurram e estreitam os limites das terras remanescentes de quilombos. Mais de um século de história contada pelo território de Mangueiras e pelos descendentes do casal de lavradores negros Cassiano e Vicênzia estão à beira da MG-020, nos limites da capital mineira com Santa Luzia, há décadas na luta para obter do Instituto Nacional de Colonização Agrária (Incra) o título de propriedade. Não é o único. Aliás, é só mais um entre outros 184 quilombos em Minas Gerais com processo de titulação em aberto. No país, 1.281 esperam na fila. Esses são a regra. A exceção está por conta dos 154 títulos definitivos emitidos pelo Incra desde a promulgação da Constituição de 1988, entre os quais, um único em Minas Gerais.

Porto Coris, em Leme do Prado, no Vale do Jequitinhonha, é a grande exceção em Minas. Mesmo assim, no cerne da conquista desse único quilombo com o território titulado está a sua contradição: a emissão do título da terra tradicional, expedido em 2000, precedeu a remoção em 2004 das 21 famílias descendentes de Germano Alves Coelho, filho de uma escrava fugida meses antes da abolição da escravatura. O quilombo original foi inundado pelo reservatório da hidrelétrica de Irapé, no Vale do Jequitinhonha.

Entre o direito e a sua efetivação, vai longa distância. Está lá, no artigo 68 das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988: as comunidades remanescentes de quilombos têm direito à propriedade definitiva de suas terras. É do Estado a responsabilidade da emissão do título. Além das 1.281 comunidades quilombolas que aguardam em todo o país a titulação definitiva de seus territórios, enquanto dia a dia são engolidos por empreendimentos, por invasões e pela especulação imobiliária, há outros milhares que nem sequer tiveram ainda o início do processo de reconhecimento deflagrado.

LENTO PROCESSO Segundo Maria Luzia Sidônio, de 72 anos, diretora da Federação Estadual das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais, há, no estado, 470 territórios fundados por escravos que se mantêm nas mãos de seus descendentes. Duas vezes e meia mais do que aquelas comunidades que já deram início ao lento processo de titulação. No Brasil, estima-se que sejam mais de três mil, das quais 2.408 já reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares.

“Apesar da clareza da Constituição Federal, a proteção aos quilombos, que passa pelo reconhecimento de que as áreas por eles ocupadas de fato lhes pertencem – e por isso devam ser tituladas –, ainda não existe”, sustenta o procurador da República em Minas, Tarcísio Henriques. “As questões envolvendo os quilombolas no Brasil nunca foram enfrentadas com a necessária profundidade e continuam sempre recorrentes”, avalia. “Os escravos foram responsáveis diretos pela construção do país. Eles nos deram um povo, o que torna indispensável a adequada proteção aos interesses jurídicos dos remanescentes das comunidades dos quilombos e pelos demais grupos sociais descendentes dos antigos escravos”, diz o procurador da República.

Minas é um dos estados da federação com maior número de quilombos. Para ter uma ideia do que representa a população escrava na formação do estado, em 1776, negros e mestiços na Capitania de Minas Gerais respondiam por quase 80% dos residentes: eram 70.769 brancos, 82 mil pardos e 167 mil pretos, somando 319.769 indivíduos residentes. Apesar disso, a política de reconhecimento e valorização dos quilombos ainda se faz sentir pouco no Brasil e menos ainda em Minas. “Sem o título, os quilombos não têm acesso às políticas públicas, são invadidos, vão perdendo o seu território, a sua identidade e a sua história”, afirma Maria Luzia Sidônio, ela própria descendente dos Luízes, no Bairro Grajaú, Região Oeste de Belo Horizonte.

Comunidades identificadas

Na Região Metropolitana de Belo Horizonte três comunidades quilombolas já foram identificadas: Arturos, Luízes e Mangueiras, segundo o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes). Mas o número de quilombos urbanos no estado é maior, uma vez que há quilombos urbanos formados pela migração de uma comunidade para uma determinada área urbana em função da perda de duas terras.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)