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Estado de Minas

Chacina de Unaí mantém "ferida aberta" de viúvas das vítimas

Com o julgamento que começa nesta terça-feira, na sede da Justiça Federal, as famílias dos auditores executados há quase 10 anos têm esperança de reconstruir a vida


postado em 26/08/2013 00:12 / atualizado em 26/08/2013 07:10

Maria Clara Prates

A brutalidade de um dos principais atentados ao Estado brasileiro depois da redemocratização, cuja violência ganhou repercussão internacional, ainda assombra a rotina de Maria Inês Lina de Laia, de 47 anos, e de sua filha de 16, que viram o marido e pai, Erastótenes de Almeida Gonçalves, auditor fiscal, tombar como uma das vítimas da emboscada de pistoleiros numa estrada vicinal de Unaí, Noroeste de Minas, em janeiro de 2004. As imagens da chacina, cujos acusados começam a ser julgados nesta terça-feira, em Belo Horizonte, perseguem também Helba Soares da Silva, de 49, que hoje tem a solidão como companheira, depois do assassinato de seu marido, Nelson José da Silva, colega de Erastótenes. Sofrimento que cala ainda a viúva Genir Geralda de Oliveira Lages, de 53, que não suporta a dor de falar do bárbaro crime, que levou para sempre seu marido, João Batista Lages, um fiscal do trabalho no exercício de sua função.

Além dos auditores fiscais Erastótenes, Nelson e João Batista, foi assassinado na emboscada o motorista Ailton Pereira de Oliveira.

A dor das famílias, que se arrasta há praticamente uma década, não é perceptível àqueles que acompanham o longo processo de impunidade de que desfrutam acusados da chacina, na qual foram mortos quatro servidores do Ministério do Trabalho, quando faziam mais uma inspeção para a garantia de direitos trabalhistas. Para as diferentes formas de sofrer, as viúvas de Unaí – Maria Inês, Genir e Helba – são unânimes em garantir que o único unguento para a ferida aberta é o julgamento e a condenação daqueles que desafiaram todas as regras do Estado brasileiro. Um alívio que pode chegar com essa primeira etapa do julgamento.

No banco dos réus, estarão assentados, para responder por homicídio qualificado e formação de quadrilha, os pistoleiros Erinaldo de Vasconcelos Silva, Rogério Alan Rocha Rios e Willian Gomes de Miranda, presos desde julho de 2004, seis meses depois da chacina. No entanto, a data para o julgamento dos mandantes e intermediários dos crimes ainda não está marcada. A expectativa é de que o fazendeiro Norberto Mânica, o Rei do Feijão, e seu irmão, o político Antério – acusados de tramar as mortes –, sejam julgados até o fim de setembro, ao lado do cerealista Hugo Alves Pimenta e de José Alberto de Castro. Francisco Elder Pinheiro, que intermediou a contratação dos matadores, morreu antes do fim do processo.

LIBERDADE
Num lamento uníssono, Helba e Maria Inês não têm dúvidas da condenação de Erinaldo, Rogério e William, que já estão cumprindo parte de suas penas. O que cria expectativa nas viúvas é o julgamento dos mandantes, que aguardaram em liberdade toda a longa instrução processual, que incluiu inúmeros recursos previstos na legislação brasileira. Para ter ideia da espera das viúvas de Unaí, basta lembrar que Antério conseguiu cumprir dois mandatos à frente da prefeitura e já sonha em voltar à política, para assumir uma cadeira na Assembleia Legislativa de Minas.

“Sem o julgamento, fica muito difícil enterrar nossos mortos. Parece que tudo ocorreu ontem”, diz Helba, que ainda vive em Unaí, na mesma casa que compartilhou com Nelson, o principal alvo dos irmãos Mânica, em razão de multas milionárias aplicadas a eles por desrespeito à legislação trabalhista. Ela diz que ainda guarda intactos alguns documentos do marido e suspira ao lembrar como foi duro viver na cidade administrada por seu algoz. “Esse período não foi nada fácil. Era obrigada a encontrá-lo e vê-lo insistir em mentir e enganar. Minha força para enfrentar essa situação vem da minha insistência pela busca de justiça”, conta Helba, que trabalha como gerente de uma fazenda da região.

Maria Inês, professora do ensino fundamental em Belo Horizonte, define a perda do marido auditor como uma “cratera” que engoliu a vida dela e a da filha. “Estou até hoje anestesiada. Carrego no peito uma sensação de coisa mal resolvida, que só vai passar com o julgamento desses réus e dos mandantes do crime”, afirma. Ela revela ter sido muito difícil retomar a rotina sem o marido e com a filha ainda criança. “É preciso entender que nos roubaram o sonho, a presença constante do pai da minha filha e 1.001 planos”, desabafa.

De acordo com o processo, as viúvas serão ouvidas como informantes durante o julgamento, mas elas garantem não sentir medo dos algozes e se movem pelo profundo desejo de fazer justiça aos mortos.

 

Segurança reforçada

 

Em razão da grande repercussão da Chacina de Unaí, a sessão de julgamento do executores dos servidores do Ministério do Trabalho terá segurança reforçada e alteração no trânsito entorno da sede da Justiça Federal, em Belo Horizonte. A presença da imprensa no salão do Tribunal do Júri será limitada a 10 profissionais, que vão se revezar e estão proibidas fotos ou filmagens durante a sessão. Detalhes do esquema foram definidos na quarta-feira, em reunião com o juiz titular da 9ª Vara da Justiça Federal de Belo Horizonte, Murilo Fernandes de Almeida, e a juíza que vai presidir a sessão, Raquel Vasconcelos Alves de Lima.

Em despacho, o juiz Murilo Fernandes autorizou a exibição de gravações de depoimentos dos acusados e testemunhas produzidos na polícia e em juízo, mas somente dentro do tempo destinado à sustentação oral da acusação e defesa. Está autorizado também o uso de recursos audiovisuais na apresentação das teses, “desde que o material seja previamente anexado aos autos, no prazo legal, caso ainda não faça parte do conjunto probatório já existente”.

Defesa e acusação poderão exibir ao Conselho de Sentença parte das provas colhidas pela Polícia Federal, durante os quatro meses de apuração do crime, como o livro de hóspedes do Hotel Athos, onde foi arrancada a página com registro da estadia dos pistoleiros; o relógio de pulso roubado de um dos servidores mortos e encontrado na casa de um dos acusados; cópia do carbono de auto de infração, que comprova a presença dos executores na região, e a pistola semiautomática, que teria sido usada no crime. O magistrado indeferiu, no entanto, o pedido de degravação de ligações telefônicas e a identificação das chamadas produzidas durante a investigação.

CONVOCAÇÃO
O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) e Auditores Fiscais do Trabalho de Minas Gerais (AAFIT/MG) estão convocando a categoria para participar de um ato público, em frente à Justiça Federal, a partir das 9h, quando terá início a sessão. 


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