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Estado de Minas

Comissão da Verdade revela omissão até mesmo no período da democracia

Balanço de um ano da Comissão Nacional da Verdade revela que Marinha mentiu sobre destino de desaparecidos ao ser questionada pelo Planalto, Ministério da Justiça e Câmara em 1993


postado em 22/05/2013 06:00 / atualizado em 22/05/2013 08:01

A pesquisadora Heloísa Starling demonstrou que as torturas começaram antes da instituição do AI-5, em 1968, contradizendo os militares(foto: Sérgio Lima/Folhapress )
A pesquisadora Heloísa Starling demonstrou que as torturas começaram antes da instituição do AI-5, em 1968, contradizendo os militares (foto: Sérgio Lima/Folhapress )


No primeiro balanço de atividades divulgado desde que foi instalada, há um ano, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) acusou a Marinha de mentir para o governo federal sobre o destino de militantes políticos desaparecidos durante a ditadura militar. De acordo com o colegiado, em 1993 — durante o governo de Itamar Franco —, o então ministro da Justiça, Maurício Corrêa, requisitou informações da Marinha sobre o paradeiro de desaparecidos políticos. Em ao menos 11 casos, os dados apresentados divergem de relatório produzido pela própria Marinha em 1972, contendo informações sobre as mortes desses militantes.

Um dos casos mais famosos relacionados é o do deputado federal Rubens Paiva, desaparecido em janeiro de 1971. Paiva aparece na lista de mortos de um prontuário ultrassecreto elaborado pelo Centro de Informações da Marinha (Cenimar) em 1972 , obtido pela comissão. Mas, na resposta fornecida ao governo em 1993, a Marinha reforça a versão de que o deputado teria escapado da custódia do Destacamento de Operações de Informações — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), e cita o deputado como foragido.


A comissão chegou a essa conclusão comparando o prontuário elaborado pela Marinha em 1972 e a resposta dada ao governo em 1993. “O total de páginas produzidas pelo Cenimar em dezembro de 1972 sobre essas 11 pessoas desaparecidas perfaz 12.072 páginas, que constam em prontuários não disponibilizados, que a Marinha Brasileira não entregou ao presidente Itamar Franco nem ao Estado democrático brasileiro”, disse a pesquisadora e assessora da comissão Heloísa Starling, que apresentou os estudos feitos pela CNV.


“A Marinha Brasileira ocultou deliberadamente informações ao Estado brasileiro, já no período democrático. De todos os serviços secretos militares, o da Marinha é o mais fechado. A cultura do segredo é levada às ultimas consequências”, afirmou Heloísa, que classificou o Cenimar como um dos organismos mais ferozes no interior da estrutura de repressão da ditadura militar. Na época do relatório entregue ao governo Itamar, o comandante da Marinha era o almirante-de-esquadra Ivan Serpa.


Em nota, a Marinha afirma que todos os registros existentes nos arquivos da instituição foram encaminhados ao Ministério da Justiça em 1993, e diz que não há qualquer outro registro nos documentos da Força. “Cabe mencionar que, entre os valores e preceitos éticos cultuados pela Marinha, destaca-se o rigoroso cumprimento das leis e dos regulamentos. Nesse contexto, a Marinha do Brasil continuará contribuindo para a consecução das tarefas desempenhadas pela Comissão Nacional da Verdade, colocando-se à inteira disposição para o atendimento de qualquer demanda que esteja ao seu alcance”, diz o comunicado.

Torturas

Em sua apresentação, a pesquisadora Heloísa Starling contesta a versão de que as ocorrências de tortura de militantes presos em quartéis e delegacias eram fatos isolados, que não eram de conhecimento dos comandos das três Forças Armadas. O organograma apresentado pela pesquisadora mostra que a cadeia de comando dos DOI-Codi instalados no país chegava até os ministros militares, o que, na avaliação de Heloísa, evidencia a responsabilidade das Forças Armadas e do Estado brasileiro nas violações de direitos humanos ocorridas na época contra os militantes políticos de esquerda. “Toda a nossa bibliografia mostra que a estrutura de comando ia apenas até o segundo nível, que é onde estavam o Centro de Informação do Exército e o Cenimar”.


De acordo com a pesquisadora, o comando do DOI-Codi tinha três linhas de comunicação direta com o Exército. “No topo do comando, estavam o general Orlando Geisel, ministro do Exército, o ministro da Marinha, Almirante Adalberto de Barros Nunes, e o ministro da Aeronáutica, Marechal do Ar Márcio de Souza Melo”, afirma Heloísa.


Outra conclusão apresentada pela comissão diz que as violações de direitos humanos e a prática da tortura nos quartéis e delegacias começaram já no início do regime ditatorial, em 1964, e não depois da edição do Ato Institucional 5 (AI-5), ou em resposta ao surgimento de grupos armados dentro dos movimentos de oposição ao regime. “Em 1964, já é possível identificar centros de detenção e de tortura”, relatou Starling, que apresentou informações sobre pelo menos 32 bases onde militares usavam a tortura como instrumento para obter informações de presos políticos. “A tortura não era praticada de forma pontual. Ela é a base da matriz da repressão da ditadura”, afirmou a pesquisadora.


Os resultados preliminares da comissão reforçam as posições, dentro do órgão, que defendem a revisão da Lei da Anistia. “É da natureza da comissão aceitar princípios internacionais de direitos humanos. Nesse entendimento, crimes de lesa-humanidade são imprescritíveis. Vamos ter que recomendar que eles sejam submetidos a jurisdição interna”, disse a nova coordenadora da CNV, Rosa Cardoso.


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