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Estado de Minas

Municípios que se emanciparam estão mais pobres que antes

Nos vales do Jequitinhonha e do Mucuri, a população das novas cidades ainda aguarda pela promessa de um futuro promissor. IDH dos municípios de origem é maior que dos novatos


postado em 18/03/2012 08:07



Angelândia e Setubinha - Rafael, Samuel, Luciene, Lucimar, Luiz, Ana Luiza e Maria Luiza são todos filhos de Antônia Luiza Neta, de 35 anos. Os sete também são herdeiros da triste realidade de Setubinha, no Vale do Mucuri, a cidade com o mais baixo índice de Desenvolvimento Humano (IDH)de Minas Gerais. Tranformada em município desde o final de 1995, na última onda de emancipações das cidades mineiras, o povoado que era distrito de Malacacheta potencializa um problema comum às novatas: não consegue viabilizar oportunidades para os moradores e se sustenta essencialmente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

“Vem um pessoal de Belo Horizonte aqui e faz caridade. Deixam sempre uma cesta básica. Eles também ajudaram a fazer dois cômodos na minha casa”, conta Antônia. Os dois primeiros filhos, de 16 e 12 anos, são de um casamento já desfeito. Os outros cinco (9,7,5,2 anos e três meses de idade) são filhos do atual marido, Luiz Teixeira Salomão, de 79 anos. A renda do salário mínimo da aposentadoria de Luiz é que sustenta os sete filhos. Os outros oito filhos do primeiro casamento de Luiz não contam mais com a ajuda do pai, que com problemas de visão ficou impedido de fazer as cangaias (artefato usado nos burros para carregar lenha), antes usadas para complementar a renda.

A situação da família de Antônia é pior porque Luiz, de 5 anos, teve que fazer uma colostomia. “O que chega do salário do meu marido é R$ 140. Fizemos vários empréstimos para tratar do Luiz e agora é tudo descontado”, lamenta Antônia. Mesmo assim ela entende que antes, quando Setubinha era apenas um distrito, a situação era pior. “Melhorou porque a cidade tem médico. Antes tinha que fazer uma vaquinha para alugar um carro e ir até Malacacheta”, lembra Antônia.

O nome de Setubinha é pomposo. Vem dos colonizadores portugueses, que chamaram um dos rios que cortam a terra que povoaram de Setúbal, homenagem ao distrito português. A região ficou conhecida como pequena Setúbal e, mineiramente, foi transformada em Setubinha. Porém, as semelhanças com a inspiradora européia param aí. Setubinha, no Vale do Mucuri, no limite com o Vale do Jequitinhonha, ostenta o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre as 853 cidades mineiras.

O prefeito de Setubinha, João Barbosa, o João do Téo (PSDB), recebeu a cidade já com o fardo do IDH. Mas João não pode colocar a culpa da realidade nos antecessores políticos, pois seu pai, Téo Barbosa, foi o primeiro prefeito da cidade emancipada, ficando no cargo de 1997 até 2004. O prefeito atual também não pode se gabar de ter experiência para o imenso desafio, pois é o segundo prefeito mais jovem do Brasil, com 26 anos. Quando eleito, tinha 23.

O pai de João foi também vereador em Malacacheta, antes da emancipação, de 1988 a 1995, e um dos entusiastas para que Setubinha se transformasse em cidade. Os ganhos, segundo o prefeito, foram muitos. “Construí seis policlínicas na área rural, tenho três equipes do Programa de Saúde da Família e três dentistas”, enumera João, que administra uma cidade com 10,8 mil habitantes, sendo 80% na área rural.

Salário de R$ 8 mil

Com um orçamento mensal que varia entre R$ 500 mil e R$ 550 mil, mais de 90% são provenientes do FPM. Somente com pagamento dos funcionários da prefeitura os gastos chegam a R$ 420 mil. O prefeito também tem um pedaço farto desse bolo, com o salário de R$ 8 mil. Mas os principais gastos, segundo o prefeito, são com a saúde. “Para conseguir atrair um médico para trabalhar aqui preciso pagar um salário de R$ 17 mil”, afirma.

“O principal problema na cidade é moradia, principalmente na área rural, e banheiro. Muitas famílias não o tem dentro de casa”, detalha o prefeito. É o que ocorre na casa de Geraldo Rodrigues Marques, de 51 anos. Morador da Zona Rural, do local conhecido como Promotório, Geraldo tem nove filhos, sendo que o mais velho tem 18 anos e o mais novo 6. “Planto mandioca, abacaxi, milho e feijão. Tiro parte para alimentação e vendo o resto”, explica Geraldo, que consegue cerca de R$ 100 por mês e conta para a sobrevivência com o Bolsa-Família, que garante mais R$ 268 por mês.

IDH revela pobreza

Ferramenta usada pelas Nações Unidas para avaliar o grau de desenvolvimento dos países, estados e cidades, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ajuda a entender que a emancipação nem sempre é sinônimo de desenvolvimento. Setubinha tem IDH de 0,568, o mais baixo do estado, bem inferior ao cidade que lhe deu origem, Malacacheta (IDH de 0,653). O mesmo acontece com Angelândia (IDH de 0.635) e Capelinha (0.673). Quanto mais próximo de 1, maior o grau de desenvolvimento da cidade. O melhor IDH de Minas Gerais é de Poços de Caldas, na Região Sul: 0,841. O IDH da Noruega, o mais alto do mundo, é 0,943. O do Congo, na África, 0, 286.

Fuga de divisas e empregos

Angelândia, no Vale do Jequitinhonha, também foi emancipada na mesma época de Setubinha, no final de 1995. Antigo distrito de Capelinha, inicialmente chamada de Vila dos Anjos, a cidade não sofre com a miséria de Setubinha, mas sofre do mesmo problema: a dependência do FPM. A prefeita Zélia Cardoso de Souza (PSDB) explica que dos R$ 500 mil de receita por mês mais de 80% vêem do FPM, sendo que o restante é proveniente do Imposto de Circulação sobre Mercadoria e Serviços (ICMS).

“Somos grandes produtores de café, mas o café não é faturado aqui. Vai todo para Capelinha, que fica com o ICMS”, reclama a prefeita, que diz pleitear a instalação de um posto da Receita Estadual na cidade para evitar a fuga de divisas. Outro problema, típico das cidades jovens, é o grande compromisso do orçamento com o pagamento dos funcionários públicos. “Tenho 49% do dinheiro comprometido com o funcionalismo. Estou próxima do limite permitido pela lei, que é de 54%”, lamenta a prefeita.

Para não ficar totalmente dependente do FPM, o desejo da prefeita é conseguir atrair uma indústria para a cidade, aumentando assim a arrecadação do ICMS e a disponibilidade de empregos. “São pouco mais de 8 mil habitantes aqui. Porém, muita gente saiu da cidade para trabalhar. É gente que gosta da cidade e que, se tivesse emprego, continuaria aqui”, entende a prefeita. Estimativas da prefeitura calculam que 2 mil pessoas vivem e trabalham em Nova Serrana, no Centro-Oeste do estado, onde a indústria de calçados é forte em Conchal (SP), nas lavouras, principalmente de cana-de-açúcar.

Elisângela Fagundes de Oliveira, de 27 anos, é viúva e tem três filhos. Conseguiu um emprego de babá, gosta da vida em Angelândia e é justamente a pouca oferta de empregos o que a desagrada na cidade. “Tem pouca oportunidade. A maioria trabalha na prefeitura ou em algum comércio, mas não tem para todo mundo”, entende Elisângela. (DC)


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