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Estado de Minas

Funeral preocupa mais que a seca

Maioria dos clientes dos planos funerários do Jequitinhonha e Mucuri mora na zona rural e paga pelo serviço mesmo sem poder. Na Câmara, projeto retoma tema, que foi alvo de CPI


postado em 21/08/2011 07:31 / atualizado em 21/08/2011 07:35

Para Antônio Ribeiro, nem a seca preocupa mais do que deixar para os filhos as despesas com seu funeral (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A press)
Para Antônio Ribeiro, nem a seca preocupa mais do que deixar para os filhos as despesas com seu funeral (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A press)
Araçuaí, Itaobim, Ponto dos Volantes, Teófilo Otoni e Virgem da Lapa – A maior angústia do trabalhador rural Antônio Ribeiro dos Santos, 72 anos, não é com os cinco meses sem chuva na sua terra, Itaobim, município do Vale do Jequitinhonha, ou com as duas vacas que não param de emagrecer nos últimos meses. O que mais o preocupa é a possibilidade de deixar para os oito filhos as despesas com seu próprio enterro. Desde quando começou a perder a visão e as dores no corpo aumentaram, seis anos atrás, ele paga mensalmente R$ 18 para manter o plano funerário, mesmo sem saber como funciona o serviço contratado ou os motivos do aumento nas mensalidades. “Antes eram R$ 15, mas passaram a cobrar mais caro. Deve ser porque o salário mínimo aumentou”, diz.

Antônio não sabe o que o benefício pago vai proporcionar quando morrer e nunca chegou a acionar a funerária Teófilo Otoni para ajudar no transporte ao médico, mas o pagamento mensal nunca falhou desde que foi convencido a quitar o carnê mensalmente. Retornando de uma consulta ao médico na quinta-feira passada, com dificuldades para caminhar no meio de um trajeto de 15 quilômetros entre sua roça e o hospital, o trabalhador explicou os motivos que o levam a sacrificar parte do orçamento que tira de sua terra. “Há um tempo, eles passaram lá em casa falando desse plano, que ia dar condição para meus filhos quando eu morresse. Sabia que ia ser muito difícil pagar as contribuições, mas nunca falhei no pagamento, sempre que eles passam lá em casa estou com o dinheiro guardado. A gente luta muito para ter saúde, mas como não tenho certeza, não admito colocar meus filhos em dificuldade e dar trabalho para eles”, explica.

Assim como Antônio Ribeiro, os casos das pessoas que pagam mensalmente os boletos de planos funerários sem assinar contratos ou receber os auxílios prometidos pelas empresas são comuns no Vale do Jequitinhonha. Com a promessa de buscar o corpo, garantir o caixão e um lanche no velório, as funerárias convencem centenas de clientes a pagar os boletos com preços variados. No entanto, não acompanham a rotina dos clientes para garantir os serviços básicos prometidos aos clientes na hora de assumir o compromisso, como por exemplo, levar e buscar nos hospitais para consultas médicas.

Certeza

Maria da Rocha Dolmezina, 69 anos, moradora de Ponto dos Volantes, é cliente da Funerária Teófilo Otoni há três anos e espera contar com o apoio do plano quando precisar, no entanto, ainda não solicitou a ajuda do empresa desde que começou a pagar o plano. “Quando eles vieram pela primeira vez oferecer o serviço meu filho mais velho não deixou a gente fazer. Mas depois que ele saiu de casa, decidi começar a pagar, porque a coisa certa que todo mundo sabe é que um dia vai morrer, então melhor garantir o mínimo, porque ninguém merece ficar sem ter um caixão pelo menos”, afirma.

A dona de casa também não sabe porque a mensalidade aumentou ou detalhes dos benefícios prometidos pela funerária, mas com receio de dar trabalho aos filhos, ela e o marido se esforçam para não atrasar as parcelas. “Comecei pagando R$ 10, mas depois passou para R$ 12. Muita gente chega a desistir, sem condições de pagar, mas aí acabam perdendo todo o dinheiro que já pagaram”, conta Dolmezina.

Dinheiro contado

A aposentada Maria Amélia dos Santos, 73 anos, é cliente da Funerária Salinas em Araçuaí, e aderiu ao plano de R$ 20 para ela e para o marido. Com renda de um salário mínimo mensal o casal precisa manter as despesas contadas e preferem não abrir mão do plano com a funerária. “Na verdade, não é um dinheiro que a gente pode gastar, já que todo mês fica tudo bem apertado e as vezes temos que cortar em algumas outras despesas para conseguir pagar a conta de luz e água. Não cheguei a ver o que podemos pedir para eles, mas o rapaz disse que temos, além do caixão e da merenda, descontos quando precisar comprar remédio”, diz.

Na sexta-feira, o marido de Maria Amélia, Aljunie Soares Coelho, 88 anos, teve de ir ao hospital, sentindo dificuldades de respirar, ainda se recuperando de uma pneumonia contraída há duas semanas, mas o casal não chegou a solicitar o apoio da funerária. “Ficamos sem saber quando é que podemos ou não pedir o apoio, mas estamos fazendo um sacrifício para continuar pagando e não perder os direitos nas horas que precisar”, conta Maria Amélia.

Palavra de especialista
Mercado não está ao deus-dará

Patrícia Monteiro Ramos,
advogada especialista em direito funerário

“É necessária uma legislação própria para garantir o bom funcionamento desse serviço, que ainda não tem regulamentação específica. Apesar da falta de regras próprias, como acontece com outros tipos de seguro, o mercado dos planos funerários não está ao deus-dará. Ele é amparado pelo Código Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor, por isso a população deve ficar atenta e exigir seus direitos na hora de contratar esses serviços. Entre as garantias, é necessário ter um contrato com regras claras a respeito do serviço a ser prestado e também sobre o reajuste das parcelas e dos juros e multas em caso de atraso no pagamento. O documento também deve prever o que acontece em casos de desistência e o período de carência para que o consumidor saiba claramente o que está contratando.”


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