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Estado de Minas ENTREVISTA

FHC elogia Dilma, diz que o PT é o 'rei da infâmia' e afirma que ainda quer fazer muito


postado em 17/06/2011 06:00 / atualizado em 17/06/2011 06:11


"Queria deixar claro que a minha posição (sobre a maconha) não é do 'libera geral'. A minha posição é: não basta pôr na cadeia. O problema é que não há receita geral que dê certo no Brasil" (foto: Ulysses Campbell/cb/d.a press)
São Paulo – Nas duas últimas semanas, pacotes embrulhados para presente não pararam de chegar ao número 367 da Rua Formosa, no Centro da cidade de São Paulo. Ali funciona o Instituto Fernando Henrique Cardoso, onde o ex-presidente despacha todas as tardes. No Instituto, inspirado nas fundações americanas e mantido com recursos de empresas privadas e também um naco da Lei Rouanet, para digitalização do acervo, a maior joia é o próprio Fernando Henrique. Ele completa 80 anos amanhã, com uma disposição de fazer inveja a muitos mais jovens. Na última quinta-feira, mudou a rotina. Por causa de uma gripe – ele diz que “a saúde não é mais a mesma” – recebeu a reportagem do Estado de Minas em seu apartamento de 300 m² na Rua Rio de Janeiro, no Bairro de Higienópolis. Nos limites permitidos pelos 45 minutos de conversa, FHC discorre sobre vários temas. Ele separa Dilma do PT. "O PT é o rei da infâmia", diz. Dilma? “Me parece que a Dilma é uma pessoa íntegra. Ela tem sido mais resistente nessa questão, mas é lógico que há limites para essa resistência. Não sei qual é a tese dela. Ela parece menos leniente para desvios", diz, referindo-se ao toma lá dá cá do Congresso. Sobre a demissão de Antonio Palocci, da Casa Civil, justo o principal ministro, Fernando Henrique diz: "São decisões difíceis, mas cabe aos presidentes tomá-las". No seu tempo, aliás, ele tomou muitas. A seguir, a entrevista.

Qual a maior alegria política que o senhor teve ao longo de sua carreira?
Minha maior alegria pessoal foi ter sido eleito duas vezes presidente. Na verdade, a alegria política é que eu fiz muita coisa pelo Brasil. Quando você chega lá, ou faz muita coisa ou não faz nada. A minha alegria é que mudei muita coisa no Brasil. A minha intenção é continuar fazendo coisas por aí.


Qual sua maior tristeza política?
Foi não ter conseguido fazer tudo o que eu queria e tentado demais mexendo em várias coisas ao mesmo tempo, quando talvez não fosse a tática mais adequada. Mandei tantas reformas estruturais, que foi difícil tocar. A verdade é que não dei folga ao Congresso. O tempo todo estávamos de rédea curta, trabalhando, e agenda, agenda, agenda. A reforma da Previdência: se eu tivesse me concentrado num ponto só, talvez tivesse sido mais eficaz do que assustar tanta gente, quando o que queríamos era salvaguardar o sistema previdenciário. Eu talvez devesse ter desvalorizado a moeda antes de 1999. O nosso sistema  deixou de ser fixo, era flutuante, mas flutuava pouco. A certa altura eu mudei a política, mas poderia ter mudando antes. Se tivesse feito antes, teria evitado a crise de janeiro de 99.

Na época, o PT dizia que o senhor não mudou por conta da reeleição...
Não, não tem nada a ver com isso. O PT é o rei da infâmia. Imagina se àquela altura a questão central ia ser a reeleição! Até porque eu ia ganhar a eleição. Os efeitos da mudança da moeda só se fizeram sentir meses depois. O mercado foi quem tomou uma decisão por nós. Insistimos em não mudar porque a equipe estava convencida de que não deveria mudar. Eu estava convencido de que era possível mudar. Só que eu precisava de gente para mudar. Não se muda sozinho, não é um ato de vontade. Havia muita resistência à mudança. Tive que tirar o Gustavo Franco (à época, presidente do Banco Central). Eu gostava muito dele. Se ele tivesse ido para o governo depois de começar a flexibilizar, teria sido melhor. Nunca esteve em cogitação a relação entre câmbio e reeleição. Isso é invenção do PT. Outra invenção: as reformas pararam por causa da reeleição. Ora, reeleição foi em um mês, janeiro de 1997, e toda a população queria, tanto que eu ganhei. Quem é que não queria a reeleição? Os candidatos a presidente da República e seus partidos, Lula, Maluf e alguns até do meu partido.


O senhor acha que a reeleição está consolidada no Brasil ou prefere um mandato de cinco anos?
Acho que está consolidada. Precisa ser aperfeiçoada com maior restrição ao uso da máquina. Mas é difícil. Fui candidato e não usei a máquina. No pleito de 2010 não era reeleição, e o Lula usou a máquina. Não dá para reinventar a roda. Os sistemas que têm dado certo são os de reeleição. Para a construção de uma obra, quatro anos não são suficientes. Nem mesmo cinco. Já seis eu acho muito.


O senhor vai inaugurar um portal na internet. O senhor acha que esse meio de comunicação já se consolidou como instrumento político?
No Brasil, ainda não é como nos outros países. Mas é uma força, e acho que está se consolidando. A nossa sociedade se modernizou bastante. As pessoas se modernizaram, e as instituições políticas não. Há um descasamento entre a vida na sociedade e a vida política. O Congresso vai para um lado e a sociedade para o outro. Tirar  o debate do Congresso foi uma contribuição negativa do governo Lula. As grandes questões são decididas sem debate de ninguém. Quem decidiu a expansão das usinas nucleares? Ou a mudança na lei do petróleo? E a construção do trem-bala? Pode ser certo tudo isso, mas não foi debatido.


Mas essas questões foram debatidas no Congresso.
Muito pouco. Sobre petróleo, por exemplo, só se debateu a distribuição dos royalties. E tudo em regime de urgência urgentíssima ou medida provisória. O debate amorteceu em função da prosperidade, que é evidente, da possibilidade de o governo dar mais benesses, inclusive ao próprio Congresso.


O senhor falou em prosperidade. Isso significa que a presidente Dilma e o PT podem ficar no governo por mais tempo que os quatro anos? Como a oposição vai construir um discurso capaz de quebrar essa onda do governo?
Essa onda (de prosperidade) no mundo está arrefecida. Você não tem a situação que tinha há dois anos para o Brasil. Agora teremos que enfrentar problemas mais complicados. Há um tremendo déficit de infraestrutura. Portos, aeroportos, estradas. E falta dinheiro. O governo vai ter que tomar medidas. A primeira ideia que tiveram (sobre a concessão dos aeroportos) achei boa. Eu tenho que dizer com franqueza: a Dilma tem me surpreendido.


Em que pontos ela surpreendeu o senhor?
Por exemplo: todo mundo diz que a Dilma é uma pessoa agressiva. Comigo não foi de forma alguma.


E na parte administrativa? Ela agiu certo ao demitir o ministro Palocci?
Ainda é cedo para julgar. São decisões difíceis, mas cabe aos presidentes tomá-las.


Qual sua opinião sobre o repasse da administração dos aeroportos à iniciativa privada?
É bom que se faça. É corajoso. Isso requer que as agências reguladoras funcionem.

E como o senhor vê as agências? Certa vez, o senhor disse que criou esses mecanismos, de forma a deixar o Estado mais leve, a infraestrutura seria tocada pela iniciativa privada...
Exatamente, desde que as agências, técnicas, controlassem o bem do consumidor, que é o povo, com a fidelidade dos contratos. As agências não deveriam ser politizadas e algumas foram. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) foi anulada. Hoje, a Petrobras reina sozinha. A ANP está lá, cheia do pessoal do PCdoB. E do próprio PT. Agência não é para isso. Houve um retrocesso. Na questão dos aeroportos é bom que a agência que toma conta tenha vigor para fazer concessão. O setor privado vai sempre puxar para interesse próprio. O Estado tem que estar presente para que não haja distorção do uso de recursos.


Dilma mandou uma carta para o senhor... Como o senhor viu essa carta?
Vi com prazer. Ela foi generosa. Reconheceu o que o antecessor costumava dizer que não era assim.

Li umas notas dizendo que o senhor está magoado com o Lula... É verdade? O senhor ainda espera uma ligação para cumprimentá-lo pelo aniversário?
Não estou magoado. Ele nunca me ligou por aniversário nenhum. O Lula e eu quando estamos juntos nos damos muito bem. Agora, ele deve ter algum problema psicológico, tem dificuldades em fazer gestos comigo.


A interlocutores, ele disse ter um mágoa muito grande por conta das campanhas, críticas em tom agressivo...
Isso não. Uma vez o Lula foi lá me ver, no Palácio, quando eu era presidente. Ele tinha perdido a eleição, em 98, quando fui reeleito. Cristovam Buarque presenciou a conversa. Uma certa hora, conversa vai, conversa vem, eu disse: “Ô Lula, nunca vi você na TV me atacando porque não queria ficar com raiva de você”. E era verdade, eu não via. O pessoal da máquina dizia que eu tinha que ver, eu não via porque ele era muito agressivo. Outra vez, estávamos no Alvorada, eu, Ruth, ele e Marisa. Falamos de novo sobre isso, e ele: “Ah, mas pessoalmente...”. E eu disse: “Então você depende, tendo gente na sua frente, você pode dizer qualquer coisa né?”. Não diz talvez com intenção, vai levado pelas palavras. Não tenho mágoa do Lula. Conheço o estilo. Não é que me doa. Mas, do ponto de vista do Brasil, ex-presidente é bom que tenha uma relação civilizada. Infelizmente, não pude ter uma relação mais civilizada com o Lula. Pessoalmente, quando nos encontramos, tudo bem. Mas publicamente, ele sempre dá um...


Mas, a carta que Dilma lhe mandou, alguns viram como uma ponte entre o governo e o PSDB...Que interpretação o senhor faz?
Primeiro, acho que é uma coisa pessoal. E não é o primeiro gesto. Fui convidado para o almoço do Obama, e ela me tratou bastante bem e vice-versa. Em segundo lugar, acho que ela entendeu que era melhor a distensão de um clima crispado. Mas acho que para por aí. Não acho que ela queira brigar com Lula.


O senhor acha que ela quer acabar com o clima de guerra entre PT e PSDB?
De alguma maneira, essa coisa cansou, porque isso é falso. Os projetos são meio parecidos.


Onde PSDB e PT se afastam? É a disputa pelo poder pura e simples?
É essencialmente a disputa pelo poder sob pretextos vários. Dizem que um é de esquerda e o outro é conservador. Não é verdade. Não tem nada disso. Um é privatista, outro não. Não é verdade, está se vendo aí (questão dos aeroportos). Um não liga para o povo o outro liga. Também não é verdade. E por aí vai. O que discrepa? O PT mantém uma certa visão de partido, Estado e sociedade que é diferente do PSDB. O PT ainda acredita que o melhor para o país é que um partido – eles – ocupe o Estado e que o Estado mude a sociedade. O PSDB não vai nessa direção. É mais republicano, no sentido de separar mais isso. Partido também é privado. E não existe mais a classe privilegiada que tem um partido seu, exclusivo, o único capaz de mudar a história. A diferença é política. Não quero com isso tirar o mérito do governo Lula, do que fez de expansão dos programas sociais. Sendo ele um líder sindical, tendo uma base ligada a esse setor, tem mais facilidade de atender aos reclamos do que outros governos. Agora, os programas sociais todos começaram no meu governo. Do Luz no Campo, distribuição de livros, as bolsas.

 


O senhor acha que foi correto juntar todas as bolsas no Bolsa-Família?
Já havia uma tendência de juntar. Era uma questão técnica. As bolsas surgiram aqui como uma proposta do Banco Mundial, hostilizada pelo PT e por muita gente. Depois houve um movimento de criar um fundo para combate à fome, que o ACM capitaneou. Era dar comida. Isso não é correto do ponto de vista de políticas sociais gerais. Em certas situações extremas, sim, dar comida. Fora disso, tem que dar emprego, instrução ou auxílio transitório. Usamos a educação primeiro, fizemos a Bolsa-Escola. E no Ministério da Educação, tivemos um problema tremendo: quem iria receber a bolsa? Não queria que fosse por influência política. Criamos então o cartão da cidadania, que copiei do Marconi Perillo, que já fazia isso em Goiás. A mãe de família, e não o homem, ia lá sacar o dinheiro. Minha intenção era não politizar as bolsas, não fazer populismo nem demagogia. Quando começou a ideia de integrar – tinha Bolsa-Escola, alimentação, Vale-Gás – e tirar criança do trabalho forçado, cada Ministério olhava para o objetivo da bolsa. Ao juntar tudo, complica, cria uma burocracia nova, que não tem o mesmo interesse específico. Por isso, eu tinha resistência a juntar todas. Mas, tecnicamente, a CEF já estava fazendo os procedimentos para poder juntar tudo porque é mais econômico. O que o governo Lula fez, além de juntar isso tudo, foi a apropriação política da bolsa, o populismo. E perdeu o objetivo, começou a dar aumento, queria lei para aumentar, aumentou a idade, aí começa a ser distribuição de recursos sem ter objetivo de motivação. Aliás, o programa Fome Zero, sob esse ponto de vista, era melhor porque queria ensinar a pescar e não dar o peixe. Por que fui para a Bolsa-Escola? Porque o objetivo é educação. O que liberta é o trabalho.

E a política externa? Está correta essa estratégia multifacetada do governo?
Está correta e eu comecei, ou melhor o Sarney começou e depois seguimos. Não é verdade que era só Estados Unidos. No meu discurso de posse, como chanceler, eu disse que tinha que ir para a Ásia. E eu fui. Fui ao Japão, à Índia, à China, o primeiro a ir à Malásia. À África também fomos. O PT gosta de dizer que começou a história. Já estávamos nessa direção. A diferença do governo Lula é que ele queria obter uma cadeira no Conselho de Segurança.

O senhor não acha isso correto?
Não vai haver essa cadeira porque não está havendo a mudança. Nós vamos ter uma cadeira lá, um dia. Mas não agora. O que eles fizeram? Abriram embaixadas. Isso custa caríssimo. Com o objetivo de obter essa cadeira, que não obtiveram. Boa parte do motivo das viagens e de apoios a países menores não foi outro senão político, de um protagonismo que não funcionou.

E em relação à ampliação de gestão do FMI, do Banco Mundial?
Acho corretíssimo. Não fiz outra coisa que não fosse pedir isso. Acho que será a médio prazo. Estava lendo um artigo de Ricardo Lagos. Mostra que há uma aceleração desse processo. Quando havia reunião do G-7, eu mandava cartas pedindo a regulação financeira. Eu apoiei a taxa Tobin sobre os fluxos de capitais. Na reunião que tivemos na chamada governança progressiva, em Florença, com vários líderes internacionais, eu defendi essa tese, que não foi aceita. A China cresceu e puxou todos os países.

Como é a sua vida de ex-presidente? O que o senhor faz no dia a dia?
Fico em casa pela manhã. Trabalho no computador, leio, escrevo. Nada pela manhã é voltado para o lazer. Almoço em casa e, à tarde, vou para o Instituto (Fernando Henrique Cardoso), recebo gente, tenho reuniões, seminários e não sei mais o quê.

No que o senhor se ocupa?
Logo que eu deixei a Presidência viajei, fui para a França sozinho com a Ruth, sem segurança nenhuma. Andávamos de metrô, como pessoas normais. Voltei à vida comum. Depois fomos para os Estados Unidos, e eu ficava na biblioteca do Congresso, lendo e escrevendo o livro A arte da política. Também andava de metrô. A Embaixada do Brasil nos oferecia um carro, e eu recusava. Queria levar uma vida normal. Só quando era um assunto oficial da Embaixada eu aceitava o carro oficial. Nos Estados Unidos, eu assumi uma posição na Universidade de Brown conhecida como professor-at-large, que, em tese, é um professor que faz o que quer, mas eu acabava dando aula magna, seminários e atendia alunos de graduação, o que eu adorava fazer. Fui convidado para a Universidade de Harvard, mas recusei. E olha que eu estava sem dinheiro. Foi aí que eu descobri que podia ganhar dinheiro falando.

Por falar em estar sem dinheiro, de onde vem essa sua fama de pão-duro?
Realmente eu tenho essa fama. Não sei de onde ela vem. A verdade é que eu saí da Presidência e fiquei sem dinheiro. Por causa disso, eu não era nem sou consumista.

Hoje o senhor tem investimentos financeiros, dinheiro guardado?
Hoje, sim. Mas quando eu deixei o governo não tinha nada. Presidente da República não tem salário de aposentado. Assim que eu saí do governo, sobrevivia com salário de aposentado da Universidade de São Paulo. Eu e a Ruth nunca tivemos aperto de dinheiro, como professores universitários levamos a vida toda uma vida de classe média confortável.

A população tem na figura do presidente uma imagem de uma pessoa poderosa e com dinheiro. Não é?
Realmente há essa imagem, mas não corresponde à realidade. Para você ter uma ideia, para eu comprar o apartamento em que eu moro hoje, tive de vender dois e ainda assim a soma em dinheiro não era suficiente. A editora Record me antecipou um dinheiro de um livro que eu ia escrever e só assim consegui comprá-lo.

A fama de pão-duro então é injusta?
Não sei. Só sei que não gosto do ato de tirar o dinheiro do bolso. Se for para pagar com cartão, eu não ligo. Mas se for com dinheiro vivo, complica. Eu não gosto de dinheiro.

Como pesquisador, como o senhor vê essa polêmica dos documentos secretos?
Eu tenho uma explicação difícil de acreditar. No último dia do meu governo, 31 de dezembro de 2002, eu assinei uma pilha de documentos e decretos que alguém havia levado ao meu gabinete. Era uma pilha de decretos e eu assinei. Não tem nesse documento o nome do ministro Pedro Parente nem do general Cardoso, então tem boi na linha. Dois anos depois deu aquela confusão. A verdade é que eu nunca fui pressionado por nenhuma instituição do Estado nesse sentido, nem pelos militares nem pelo Itamaraty. A assinatura adveio de um equívoco e não porque esse ou aquele órgão me alertou.

Mudando de assunto, como o senhor está vendo essa briga dentro do PSDB que parece não ter fim?
Não é possível que o PSDB não aprenda com a história. Nós governamos São Paulo e Minas, os dois estados mais populosos e mais ricos do país. Ao unir São Paulo e Minas, temos chances boas de ganhar eleição. Temos que ter a capacidade de unir esses dois estados.

O senhor se propõe a fazer essa unidade?
Eu não, já chega.

Na sua leitura, por que o Serra perdeu a eleição?
Por muitos, fatores. O mais importante é que o Lula tem muita popularidade e ele jogou com a máquina, fez uma vasta aliança e teve recursos infindáveis. Tudo isso é verdade e conta. A gente tinha chance de ganhar.

O PSDB tem algum mea-culpa para fazer?
Sempre tem, não só do Serra, mas de todo o partido. O PSDB nunca foi forte em deixar e trabalhar uma marca. O partido erra ao esconder os benefícios das nossas gestões. Esconde a mim. Mas eu não estou disputando eleição nem sou personalista para ir lá e brigar. Acontece que eu já passei da idade dessas coisas. Isso é um erro do ponto de vista do partido. A meu ver, o PSDB também errou ao não politizar as questões.

A violência no campo foi um problema muito acentuado em seu governo e 16 anos depois ainda resiste no interior do Brasil, principalmente no Pará. Esse tipo de barbárie não tem solução?
Na época do massacre de Eldorado de Carajás, eu fui pessoalmente responsabilizado e acusado pelo MST. O governador do Pará na época, Almir Gabriel, foi processado. Agora, que morreram camponeses e sindicalistas, ninguém acusou o Lula e a Dilma. A verdade é que apesar de o Brasil ter um PIB não sei de que tamanho, não é um país civilizado completamente. Não é um país em que a cidadania exista para valer. O cidadão no Brasil é desassistido.

O senhor disse que os partidos pequenos se organizam para usufruir de cargos do governo e que Lula fez a política do toma lá dá cá com o Congresso para poder governar. O senhor acha que Dilma vai cair nessa armadilha?
Não, porque me parece que a Dilma é uma pessoa íntegra. Ela tem sido mais resistente nessa questão, mas é lógico que há limites para essa resistência. Não sei qual é a tese dela. Ela parece menos leniente para desvios.

O senhor defendia de maneira velada a descriminalização do uso da maconha quando era presidente e agora passou a defender mais abertamente. O senhor acha que o Brasil realmente está preparado, inclusive na questão da saúde pública, para lidar com o usuário de maconha e todas as consequências que o uso contínuo dessa droga acarreta?
O uso de todas as drogas faz mal, inclusive o cigarro, o álcool e a maconha. Todas as drogas fazem mal. Acho que temos que ter sempre campanha de prevenção. A meu ver, acho que até o uso do álcool deveria ser regulado no Brasil. Queria deixar claro que a minha posição não é do “libera geral”. A minha posição é: não basta pôr na cadeia. O problema é que não há receita geral que dê certo no Brasil. Eu sempre uso o seguinte exemplo: eu gosto de vinho, tomo quase todas as noites no jantar. Se eu tomar no almoço, já prejudica o meu trabalho. Se eu pedir uma taça de vinho pela manhã, me levem para o hospital , pois eu estou doente. O mesmo vale para a maconha. Se a pessoa fumar o dia inteiro, vai ter problemas psicológicos.

O senhor está viúvo há três anos e é um homem bastante admirado pelas mulheres. Como está o seu coração? Já refez a sua vida afetiva?
Evidentemente, eu sou um ser humano. Mas isso não quer dizer que eu tenha alguém efetivamente, que eu vá casar e tal. Eu não penso nisso. Aos 80 anos, me casar agora seria uma temeridade. Além disso, eu tenho uma família muito forte e muito ligada a mim. Agora, evidentemente, eu me relaciono com muitas pessoas. Não namoro bastante porque seria ridículo um velho namorar assim. Não me incomodo em ser admirado de longe pelas mulheres. De perto, vamos devagar porque o santo é de barro e, nesse caso, o santo sou eu.

Agora que o Lula é ex-presidente e começou a dar palestras para sobreviver, assim como o senhor faz, já deu para sentir a concorrência do petista nesse mercado?
Imagina. Eu dou muitas palestras pelo mundo. Não tem uma semana em que eu não receba até três convites para dar palestra fora do Brasil. Todas muito bem remuneradas e algumas eu até recuso. Eu dou palestra em quatro línguas, não preciso de tradutor. Não existe concorrência. Hoje não faço mais tantas palestras porque eu não preciso de dinheiro. Passei a ser muito restritivo.


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