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Estado de Minas CENTENÁRIO

Italo Calvino: 'Um livro não é um meteoro'

Leia as reflexões do autor italiano sobre o ato de escrever, o esvaziamento do poder na política, as personagens femininas


14/10/2023 04:00 - atualizado 14/10/2023 02:08
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Capas de livros de Italo Calvino
Algumas das capas do ilustrador inglês Jack Smyth para as mais recentes edições da editora italiana Mondadori para a obra de Italo Calvino. "Sempre fui um fã de Calvino, então esse trabalho foi um sonho", comentou o artista gráfico, em sua página no Instagram (foto: Divulgaç ão/Mondadori)
O contexto do livro

“Um livro não é um meteoro, precisa de todo um contexto ao seu redor, deve ser situado no quadro de uma civilização e em relação a outros livros. Excluindo certos casos ou certos conteúdos de interesse imediato, os livros estão muito mais ligados ao seu contexto cultural do que o cosmopolitismo do mercado editorial leva a crer.”   

Fábulas

“Penso que as fábulas correspondem a necessidades profundas de aprendizagem emocional e imaginativa: não à toa diz-se que elas remetem aos ritos de iniciação.”


Poder político

“O poder político no topo tem cada vez menos poder, já faz algum tempo, e em perspectiva sua importância será cada vez menor. Tem menos poder não só porque está dividido internamente e se move como se pisasse em ovos; mas sobretudo porque é a partir de baixo que ocorre o esvaziamento de poder dos governantes, pela contínua aquisição de poderes por parte dos governados. Esse processo, por ora, tem se dado de maneira caótica e arbitrária: assim que se toca num interesse, aciona-se um mecanismo que obriga a dar marcha a ré. Mas é um processo irreversível: os poderes dos governos serão cada vez mais limitados e governar significará orquestrar essa multiplicidade de poderes exercidos pelos cidadãos.”


Raízes do escritor

“Creio que ter raízes, num lugar, num território, é importante para um escritor. E o fato de tê-las perdido aos poucos, mesmo por não suportar um enraizamento, sim, julgo que me fez perder uma intensidade, sobretudo no contexto italiano, que é feito especialmente de escritores com fortes raízes regionais.”


A ‘delícia’ da encomenda

“Aprendi a apreciar as delícias do escrever por encomenda, quando me pedem algo para determinado fim, mesmo que modesto. Pelo menos sei com certeza que há alguém que se interessa por aquilo que escrevo. Sinto-me mais livre, não há a sensação de impor aos outros uma subjetividade da qual nem mesmo estou certo.”


Descrença nas revoluções

“Acredito apenas nos movimentos lentos. Acredito que apenas o que se desenvolve no fundo da sociedade, na relação entre as pessoas, na mentalidade das pessoas determina mudanças históricas. Todo o restante pode trazer satisfações, não que não, as revoluções têm momentos muito simpáticos a serem vividos, enquanto não começam as carnificinas tudo é divertido, vivi em Paris parte do maio de 1968 e era bonito mesmo. Mas sabe-se que depois as revoluções vitoriosas têm como vencedora uma nova camada de burocracia que substitui a velha e fecha imediatamente todas as possibilidades.”


Ele e as mulheres (1)

“Muitas personagens femininas nos meus livros são mulheres resolutas, voluntariosas. Penso de modo geral que, no mundo em que vivemos, há muitas mulheres desse tipo. Com frequência com personalidade mais marcada do que a dos homens.”


Ele e as mulheres (2)

“A minha vida, como a da maioria dos homens, é condicionada pelas mulheres. E, portanto, uma tensão de luta entre os sexos como a que vejo se explicitando nos últimos anos não pode deixar de influir nos comportamentos e nas reflexões.”
 

Clareza na complexidade

“O que me interessa é procurar a complexidade: se for o caso, esclarecê-la, mas de todo o jeito representá-la. Interessa-me o que é complexo, complicado, difícil de descrever e procuro exprimi-lo com a maior limpidez possível. Essa minha linha com certeza é diferente da dos escritores que querem fazer a mimese da complexidade por meio de uma linguagem que seja como um caldeirão borbulhante: é a linha de Faulkner, de Joyce. Respeito e admiro muito esses escritores de grande densidade linguística. Mas o meu procedimento é diferente porque procuro acentuar o contraste entre frases aparentemente lineares, clássicas, e uma realidade muito complicada.”


A decadência dos sentidos

“Faz algum tempo que me interrogo sobre a decadência dos sentidos. O homem moderno percebe algumas coisas, mas não capta outras: o olfato está atrofiado, o gosto limitado a uma gama de sensações restritas. Quanto à visão, habituada como está a ler e interpretar imagens fabricadas, não tem mais aquela capacidade de distinguir detalhes, traços, indícios, como certamente possuía o homem da tribo.”


Os livros que não escreveu

“Estou sempre insatisfeito. Procuro imaginar onde teria me levado o outro caminho, aquele que não escolhi. Assim, em vez de pensar nos livros que seria natural que eu escrevesse, fico pensando nos livros que não sei e não posso escrever, nos livros que outra pessoa escreveria. Essa hipótese serve de estímulo. Digo: um livro assim eu nunca conseguiria escrever, então preciso imaginar como poderia ser feito e assim se instala o processo de escrita.”


O romance e a eternidade

“Creio que o romance corresponde a um modo de interpretar as relações humanas, que vigora desde o início da literatura e mesmo antes, e que continuará a vigorar sempre.”  n
 
“Nasci na América...Uma vida em 101 conversas (1951-1985)”
  • Italo Calvino
  • Luca Baranelli (Org.)
  • Tradução de Federico Carotti
  • Companhia das Letras
  • 624 páginas
  • R$ 169,90 


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