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Estado de Minas PENSAR

Com excelente livro de contos, José Eduardo Gonçalves volta à ficção

Jornalista e editor de 65 anos apresenta 'Pistas falsas', marcados pela construção rigorosa e por desfechos desconcertantes


02/06/2023 04:00 - atualizado 01/06/2023 21:58
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José Eduardo Gonçalves, em frente à Jenipapo
"Os livros contribuíram para formar a ideia que tenho do mundo: vasto, indecifrável, imperfeito, fascinante", afirma José Eduardo Gonçalves, em frente à Jenipapo, onde lançará "Pistas falsas" (foto: Alexandre Guzanshe /EM/D.A Press)

 

A ficção de José Eduardo Gonçalves transbordou. Após duas décadas represadas pela dedicação do autor à edição de produtos editoriais e curadoria de eventos literários, as histórias imaginadas pelo jornalista e editor de 65 anos emergem em “Pistas falsas”, um extenso compêndio de narrativas breves. Nos momentos de excelência, o livro alcança impacto idêntico ao provocado por alguns dos grandes contos da literatura: o súbito e surpreendente desalinho do que parecia estar sob controle. “O que está por vir é o imprevisível – o caos, o drama, a perplexidade”, anuncia uma das passagens do lançamento da editora Patuá, com autógrafos às 11h deste sábado (3/6) na Livraria Jenipapo, em Belo Horizonte. E o anúncio, quase sempre, se concretiza.

 

Agrupadas em seis seções - “Vidas em desalinho”, “Só garotos”, “O tigre e outros bichos”, “Espantos”, “Nocautes” e “Pistas falsas” -, as histórias são costuradas por uma linha do “mundo em desarmonia, em permanente desalinho”, afirma José Eduardo Gonçalves ao Estado de Minas. Com ele concorda Milton Hatoum, que destaca na apresentação: “O que fascina o leitor é a densidade das relações humanas, narradas com brevidade, precisão e, quase sempre, com assombro, surpresa e (auto)ironia.”

 

Se o título se apropria de uma das imagens mais chamativas da música “Luz e mistério”, parceria de Beto Guedes e Caetano Veloso, é na própria literatura que “Pistas falsas” encontra o seu espelho. Mas as assumidas influências, algumas nominalmente citadas (Clarice, Borges, Hemingway), não chegam a eclipsar a voz do autor ao narrar histórias de famílias disfuncionais e amantes sofridos (dos quais sobrou apenas “a memória de nossos corpos”, gente pequena que testemunha crime e gente grande de “coração inquieto”, personagens constituídos “de ossos, vísceras e sentimentos enviesados” (“O perdão”). O que aparenta ser um “itinerário de lembranças”, devido às “pistas falsas” assumidas na capa e em dois contos, é, na verdade, produto da ação da lucidez, em trabalho meticuloso de revelação de emoções e ocultação de excessos. Como no final devastador, “entre lágrimas e gritos”, de “Davi”. 

 

Alguns contos, na tradição de Murilo Rubião e José J. Veiga, saltam do prosaico ao extraordinário em um piscar de olhos. E, se as histórias de algumas seções provocam maior impacto do que outras, em nenhum momento o livro resvala na banalidade. O personagem que intitula “O caçador” define assim o seu ofício: “Enxergo o que os outros não enxergam”. Assim também são os contos de “Pistas falsas”, “um daqueles livros que ficam te olhando e te pedindo para entrar” (“Praia”). Tudo por causa da excelência da “arquitetura do arremate”, para usar a expressão de outra história, “A formiga e a onça”. Leitura concluída, resta a certeza de que, ao voltar para a “monotonia da realidade”, atravessamos “algo que, em sua essência, não fomos capazes de ver”. 

 

A seguir, leia a entrevista do Pensar com José Eduardo Gonçalves.

 

 

Como surgiram os contos de “Pistas falsas”? Quais os mais antigos e os mais recentes? Qual o horário que eles foram escritos?

Não publico ficção há 20 anos, mas jamais deixei de escrever, ainda que sem perspectiva de tornar público este material. A partir de 2016 comecei a amadurecer a ideia de um livro, motivado por uma oficina de escrita com o professor Luiz Antonio de Assis Brasil, na AML. Durante a pandemia aprofundei o processo de escrita e ao final de 2021 já tinha reunido quase todos os contos que julgava publicáveis. O texto mais antigo está incluído na série “Pistas falsas”, mas o bloco “Só garotos” foi finalizado primeiro. A série “O tigre e outros bichos” é a mais recente. Minha escrita inicial é quase sempre noturna, mas são sempre muitas versões, então, depois da primeira, eu reescrevo em momentos diversos. Alguns contos sofreram ajustes mesmo depois da primeira prova impressa. O editor Eduardo Lacerda, da Patuá, foi bem generoso comigo.

 

As histórias estão agrupadas nas seções “Vidas em desalinho”, “Só garotos”, “O tigre e outros bichos”, “Espantos”, “Nocautes” e “Pistas falsas”. Como a sua experiência de editor o ajudou a estabelecer essa divisão? Poderia explicar o que levou em conta na divisão? 

Em primeiro lugar, creio que existe uma linha que costura as histórias. No geral, eu falo de um mundo em desarmonia, em permanente desalinho.  O tema do fracasso ronda as relações entre casais, pais e filhos, vizinhos, e mesmo entre animais que falam, pensam e tomam decisões à luz de uma pretensa racionalidade. Aos poucos, eu identifiquei a estrutura de blocos, criando um percurso narrativo para o leitor. Como editor, considero a forma de apresentação indissociável do conteúdo, ambos precisam dialogar. O objetivo final é alcançar o leitor. Algumas séries surgiram de forma clara, como as histórias envolvendo crianças. Já a série que encerra o livro, Pistas falsas, convoca a um tom mais memorialístico, são todas na primeira pessoa, mas como o próprio título sugere, cuidado com o que parece verdade.

 

Por que a decisão de, após tantos projetos e edições de textos de outros autores, “viver outras guerras”, como a da ficção, como escreve em “O corsário”?

Porque a ficção é a grande chama que aquece e incendeia a literatura, e a literatura me interessa profundamente. Como leitor, como escritor, a literatura é parte essencial da minha vida, ainda que nada seja tão importante como a própria vida. Talvez nenhuma outra forma de arte permita ao seu criador uma investigação tão profunda sobre ele mesmo.  Pode não parecer, mas sou de natureza introspectiva e a ficção me permite vadiar por outros ambientes, imaginar roteiros obscuros, inventar histórias de amor e desamor. Olha, convivendo com tantos autores, acabei com uma inveja danada de todos eles, essa é a verdade.

 

No conto “A armadilha”, você aponta “o problema dos enredos que nos escapam ao controle: personagens ganham autonomia própria, histórias desandam, imprevisíveis”. Isso aconteceu em alguma história ou todas saíram como foram imaginadas? 

Nenhuma das histórias foi imaginada como um todo – princípio, meio e fim. Eu parto de uma frase, quase sempre, ou mesmo de uma imagem. A frase me provoca a escrita, me incita, força a passagem, mas a coisa só acontece na própria escrita. Sei o que escrevo apenas enquanto escrevo, e talvez nem depois eu saiba. O imprevisível é parte do meu ofício. Mas existe um trabalho rigoroso de composição, o texto não é uma entidade que baixa sobre você. É o caso do desfecho das histórias. Eu entendo que, em um conto, a primeira e a última frase têm de ser potentes. Eu crio intencionalmente a tensão capaz de conduzir a um final surpreendente. Que eu não sei qual é. Acredite, eu serei sempre o primeiro a se surpreender. 

 

Qual a matéria-prima mais presente em seus contos? Invenção, observação ou memória?

Invenção, sem dúvida. Rezo no credo da imaginação, como diria o Milton Hatoum. Mas o que é, de fato, a invenção? Até onde ela é embebida pela memória e pelas experiências vividas? A memória nos constitui, mas ela, em parte, é também invenção. Um acontecimento que serve de matéria prima a um conto será sempre algo novo ao ser reaproveitado, será moldado pela ficção. A memória é também uma edição, não somos como Funes, o personagem borgeano que tudo guardava.  Há muito de mim e de outros personagens reais nessas pistas que deixo aos leitores, mas o que escrevo não tem compromisso com a verdade. A frase final do livro, já destacada pelo próprio Milton na 4ª capa, alude a esta faceta do fazer literário.

 

Acredita que as histórias reunidas em “Pistas falsas” se filiam à tradição de contistas brasileiros, entre eles os mineiros? Quais os seus contistas favoritos?

Não sei se me filio a alguma tradição, mas o certo é que Minas é uma terra de contistas excepcionais, entre os quais destaco Otto Lara Resende, Murilo Rubião e Guimarães Rosa. O Brasil é uma terra de contistas admiráveis, como Clarice, Dalton Trevisan, João Gilberto Noll, Sérgio Sant’Anna, Rubem Fonseca e Lygia Fagundes Telles. Tenho uma predileção pelos contistas de língua inglesa, como Raymond Carver, Hemingway, Flannery O’Connor, John Cheever, Katherine Mansfield e o James Joyce dos Dublinenses, espetacular. Mas eu não seria nada sem Cortázar e Kafka, autores da minha vida inteira. 

 

Quais os maiores espantos que a literatura o proporcionou? 

Kafka foi o maior deles. Conservo ainda uma edição portuguesa de seus contos, adquirida na agência de livros e jornais de São João del Rei. A leitura de Kafka foi um soco que me despertou. Então este homem que se metamorfoseia em inseto é literatura? Aquilo me impressionou vivamente, eu tinha 16 anos e nunca mais fui o mesmo. Disparei a escrever como um doido, nunca mais parei. Quase na mesma época li “Bestiário”, do Cortázar, outro espanto que nunca me abandonou. E depois Faulkner, Virginia Woolf, essa turma que paira acima dos mortais. Mas, a rigor, eu não poderia deixar de dizer que sem a poesia não existiria a minha escrita. Sou leitor diário de Bandeira, Drummond, Hilda Hilst, Pessoa, Emily Dickinson, Cecília, Syzmborska e tantos outros, como a espetacular Ana Martins Marques. A poesia é um espanto cotidiano.

 

Você também olha a vida por meio dos livros que lê, como o personagem de “A ferida”? 

Os livros contribuíram para formar a ideia que tenho do mundo: vasto, indecifrável, imperfeito, fascinante. A leitura do conto “As neves do Kilimanjaro”, do Hemingway, realmente me levou a atentar para uma ferida à qual eu ignorara, até então. Mas, convenhamos: os livros oferecem tantas leituras, trilhas, camadas, que seria uma enorme confusão ser pautado por eles. Os livros ajudaram a educar o meu olhar, mas não substituem o aprendizado da própria vida.

 

Você é o idealizador, produtor e apresentador do “Letra em cena”. O que tem sido mais marcante na realização do evento? Poderia citar dois encontros que foram particularmente inesquecíveis?

O mais incrível é a possibilidade de abrir portas para adentrar a obra de alguns autores. Um grande autor está sempre aberto a releituras, uma grande obra nunca se fecha, é sempre inspiradora de novos achados. Isso me fascina no projeto. Os dois eventos que abriram o projeto são inesquecíveis: José Miguel Wisnik brilhou ao abordar “Macunaíma”, com leitura do Arildo de Barros, e o querido professor Antônio Sérgio Bueno nos emocionou com a interpretação crítica de “Grande Sertão: Veredas”, ao lado do sempre arrasador Odilon Esteves.

 

Poderia comentar o seu trabalho na edição da coleção “BH: a cidade de cada um”? Qual é a Belo Horizonte que você carrega nas lembranças? E na revista “Olympio”, o que mais o marcou até agora?

Este trabalho me absorve há 20 anos, desde que criamos a coleção, eu e Sílvia Rubião.  Continuamos garimpando, à procura da pessoa certa para escrever sobre tal lugar. Editar é fazer escolhas. Respeito integralmente o estilo de cada autor, mas não abro mão de agir como editor. A minha BH começa na Praça Sete, pois morei ali, na esquina da Rio de Janeiro com Tupinambás, quando cheguei aqui, em 1976. Já a revista “Olympio” é um exercício de edição coletiva, somos quatro editores, cada um com seu quinhão de ideias. Nos une a paixão pela literatura e o compromisso de oferecer material de alta qualidade. O que mais me marcou foi a entrevista com Aílton Krenak, um sujeito capaz de ampliar demais o nosso horizonte de apreensão do mundo. 

 

Você acompanhou – e participou – de diversas fases das atividades editorial e literária em Minas Gerais. O que se destaca no atual momento e o que sente falta?  

É um momento fértil, com boas editoras e projetos sérios em curso. A Autêntica, por exemplo, faz um trabalho excepcional, no qual destaco a coleção Contemporânea. As livrarias de rua têm feito bonito, apoiando as editoras menores e promovendo ótimos encontros, mas o FLIR- Festival Livro na Rua precisa de apoio para se consolidar.  O poder público olha pouco para o segmento, a periodicidade claudicante do Suplemento Literário de Minas Gerais é um exemplo vergonhoso.

Sinto falta de mais iniciativas com foco em literatura contemporânea, já que temos uma produção recente de alta qualidade. A onda é boa, o sucesso de uma autora como Carla Madeira é ótimo para o mercado, os livreiros, os leitores e autores. Ganhamos todos quando um de nós chega lá no alto, com reconhecimento e visibilidade.

 

Sobre o autor

Nascido em São João del-Rei em 1957, José Eduardo Gonçalves é jornalista, editor e escritor. Autor dos livros “Cartas do paraíso” (Mazza, 1998), “Vertigem” (Record, 2003) e “A cidade das memórias flutuantes” (Conceito, 2005), foi organizador do livro “Ofício da Palavra” (Autêntica, 2014), premiado em 2015 como melhor livro teórico do ano pela FNLIJ-Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil. Foi editor da revista de cultura “Palavra” (1999-2000) e é um dos editores da revista de arte e literatura “Olympio”.

 

“Pistas falsas”

 

  • José Eduardo Gonçalves
  • Editora Patuá
  • 172 páginas
  • R$ 60
  • Lançamento presencial neste sábado (03/06), de 11h às 14h, na Livraria Jenipapo (Rua Fernandes Tourinho, 241, Belo Horizonte).

Gonçalves e Sílvia Rubião, organizadores da coleção %u201CBH de cada um%u201D, no Museu Histórico Abílio Barreto, em setembro de 2004, com os autores dos três primeiros livros: Jairo Anatólio Lima (Estádio Independência), Wander Piroli (Lagoinha) e Fernando Brant (Mercado Central)
Gonçalves e Sílvia Rubião, organizadores da coleção %u201CBH de cada um%u201D, no Museu Histórico Abílio Barreto, em setembro de 2004, com os autores dos três primeiros livros: Jairo Anatólio Lima (Estádio Independência), Wander Piroli (Lagoinha) e Fernando Brant (Mercado Central) (foto: divulgação)
 

 

Duas histórias (Contos de “Pistas falsas”, de José Eduardo Gonçalves) 

 

A baleia

 

Nunca entendi muito bem as baleias. Até ser engolido por uma delas. Foi assim. Numa de minhas escapadas solitárias, afastei-me da praia mais do que o habitual. Eu devia estar muito atordoado para não perceber que tinha ido longe demais. O barco foi destruído em um temporal imprevisto, e eu, lançado ao mar sem qualquer esperança de sobrevivência, tal a violência das ondas. Ela me salvou antes que eu afogasse. Agora não quero sair de Eloá. Aqui tenho tudo de que preciso, até o carinho materno que sempre me faltara. Retribuo como posso. Retiro e devolvo ao mar todo o lixo que ela consome com ingenuidade – plásticos, tubos, seringas, embalagens, pneus, uma parafernália sem fim. Mantenho-a asseada, sem os entulhos indigestos. Alimento-me dos peixes que ela generosamente me oferta. Não sei se um dia voltarei à terra firme. Em noites de lua, Eloá permite que eu vá até a entrada de sua boca e admire o vácuo escuro do céu. Eu digo a ela: Querida, nunca entendi bem o universo.

 

*

 

A carta

 

Irene, querida, esta carta será a última. Chega de lamúria. Estou exausto com tudo isso. Sinto que chegamos ao momento que tanto tememos. Ao basta. Este amor sem freios, sem bordas onde segurar, nos levou longe demais. Fomos tão ao fundo que não sei se conseguiremos voltar à superfície. Mas talvez haja uma chance – e é nela que me agarro. Esta é uma carta de despedida e também um convite. Salve-se também, se puder. O que resta de nós depois de tanta entrega? O que foi a vida nos últimos anos senão o esgarçar diário de todas as energias que acumulamos antes? Quando você se olha de corpo inteiro no espelho grande do quarto, o que você vê? Ainda é você que está ali? Eu não consigo mais fazer o mesmo, me olhar de frente. Estou magro, Irene, magro e de olheiras tão profundas que meus olhos precisam espernear para serem vistos. Já fui feliz ou me achava feliz, agora me acho apenas feio, castigado. Meu corpo exausto pede uma chance para viver. Não lhe pedirei mais nada, eu juro. Desta vez saio mesmo de cena. Lúcido, ou perto disso. Eu estava inebriado demais quando me juntei a você. Éramos perfeitos em nossa embriaguez. Por isso meu adeus é também triste. A sua fome desvairada de vida encontrou em mim a mesma avidez. A que nunca disse não às minhas loucuras. A que atravessou madrugadas ao meu lado, catando gente na rua para uma temporada febril no inferno. Putas e travestis, garotas e garotos, não importa, valia qualquer um, qualquer coisa. Nas boates mais sofríveis, em ruas silenciosas, praças abandonadas ou dentro do carro sob a luz bêbada de um poste, em uma cidade qualquer. E você dizia: sim. Nunca disse não, nem mesmo um talvez. Sempre sim sim sim. A minha Molly Bloom da sarjeta. Luxúria, torpor, sangue e esperma, foram muitas as cicatrizes, os cheiros e as marcas que só se reconhecia nas manhãs seguintes. Aquelas em que nos abraçávamos e chorávamos, ou melhor, eu chorava em seus braços ainda cheirando a vodca e lavanda barata. Eu chorava porque aquilo tudo era eu – em minha vertigem. Cada vez mais fundo e sem nexo. Eu sempre flertei com o abismo, mas você me fez saltar nele. De mãos dadas. O par ideal para a insanidade. Não haverá outra como você. Desde a primeira vez em que deslizou sua língua no céu de minha boca e depois, sorrindo, me pediu para que mordesse o bico de seu seio, e eu lhe pedi que fizesse o mesmo comigo, desde que os pedidos de um e outro começaram a ser feitos sem que um e outro conseguissem recusar, entregando-nos a uma aventura brutal e sem limites, desde então eu soube que este era um caminho sem volta. Porque era eu, eu em minha mais selvagem encarnação. Eu idealizei uma vida assim, sem os adornos de sentimentos adocicados, crua, sem promessas de felicidade. Sexo sem qualquer exigência de amor. Com um único detalhe: só arriscamos tanto porque existia confiança. Tínhamos um ao outro, de forma incondicional. É por essa confiança, que nunca faltou entre nós, que eu agradeço e me despeço. Estou faminto e despedaçado. Preciso de sol. Salve-se também, Irene. O que fizemos está feito, impresso de alguma forma na memória de nossos corpos. Seria preciso morrer e nascer de novo para esquecer, pois só a morte talvez não bastasse. E na verdade não quero esquecer nada, só não quero viver tudo de novo. Hoje, temo a morte. Careço de um outro tipo de coragem, a que me leva a tentar chegar até a margem e escapar. E não olhar pra trás enquanto me cega a luz de um dia comum. Esta carta lhe dou de presente. Nem sei para onde mandar, mas ela irá te encontrar. E quando ela chegar em suas mãos, acredite, eu estarei vivo. 


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