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Estado de Minas PENSAR

Livro condensa pesquisa sobre produção artística nacional nos anos 1960/70

Em cinco ensaios reunidos no livro "A síntese imprevista", Lucio Agra analisa o trabalho de nomes como Rogério Duprat, Décio Pignatari e Haroldo de Campos


14/04/2023 04:00 - atualizado 13/04/2023 22:19

Carlos Ávila
Especial para o EM

compositor e maestro Rogério Duprat
A trajetória do compositor e maestro Rogério Duprat nos anos 1960 e 70 é analisada por Lucio Agra em "A síntese imprevista" (foto: Curta/Divulgação)


Uma observação certeira do importante crítico Mário Pedrosa: “O nosso passado não é fatal, pois nós o refazemos todos os dias. E bem pouco preside ele ao nosso destino. Somos, pela fatalidade mesma de nossa formação, condenados ao moderno”. Perseguir, estudar e analisar este moderno (e seus desdobramentos a partir dos anos 1970) no Brasil é o que tem feito, com grande empenho e argúcia, o performer e professor-doutor Lucio Agra, que leciona no Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas – Cecult, na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. 

Há algum tempo, Agra vem aproximando em suas análises as vanguardas europeias nos seus vários campos de atuação (cubo-futurismo, Bauhaus, dadá, Merz de Kurt Schwitters etc.) das explorações modernas brasileiras, particularmente o concretismo (tanto na poesia, quanto nas artes visuais), mas avançando em sua visão até o pós-tropicalismo e chegando às ações performáticas contemporâneas.

Resultado desse esforço de compreensão e estudo – que incluiu, inclusive, viagem de pesquisa à Alemanha – é o seu livro “Monstrutivismo: reta e curva das vanguardas” (Perspectiva, 2010) no qual o termo de Schwitters foi apropriado e expandido por Agra, para analisar a produção cultural que vai de fins dos anos 1960 aos 70 no Brasil: o cinema de invenção (ou marginal) de Sganzerla & Bressane; o cinema trash de Zé do Caixão; o jornalismo contracultural de Torquato Neto, na sua coluna “Geleia Geral”; os superoitos de Ivan Cardoso; a revista “Navilouca” e o primeiro livro de Waly Salomão (“Me segura qu’eu vou dar um troço”); os ambientes/instalações de Hélio Oiticica. O monstrutivismo, segundo Agra, “é uma estética da montagem (cubista/construtiva) e da junção caótica (dadaísta, tropicalista, marginal)”. 

Agora, Agra dá continuidade a suas explorações e pesquisas nos cinco ensaios reunidos em “A síntese imprevista – arte de invenção no Brasil dos anos 60/70” (Medusa), trabalho que, segundo ele, “tem nexos com “Monstrutivismo” no sentido de que segue o “acerto de contas” lá proposto, mas agora com o vislumbre dos marcos históricos que o antecedem”. Ou seja, busca identificar, revelar e analisar as raízes que influenciaram e originaram as invencionices construtivo-anárquicas dos monstrutivistas (ou brutalistas, valeria dizer também) focados no primeiro livro.

Trata-se de um extenso campo de pesquisa histórico-cultural em que alguns outros estudiosos e mesmo artistas têm atuado positivamente também, como Gonzalo Aguiar, Rogério Camara, Christopher Dunn, Paulo Bruscky, Eduardo Kac, João Bandeira, Ricardo Araújo, Paula Braga, Frederico Coelho, Iris Rost etc. Lembre-se, ainda, como pioneiros nessa área, Ronaldo Brito, Celso Favaretto, Lúcia Santaella, Arlindo Machado e Maria Alice Milliet, entre outros. Igualmente, é de menção obrigatória o nome do importante crítico-ensaísta britânico Guy Brett, pelo seu livro “Brasil experimental”.

Destaque no livro de Agra são suas investigações relativas ao compositor e maestro Rogério Duprat e outros músicos eruditos do grupo Música Nova, incluindo a “passagem” deles pela Universidade de Brasília (com a criação de um “departamento de música”, no início dos anos 1960), projeto interrompido pelo golpe militar no Brasil, com demissões de funcionários e professores – episódio que o autor considera ainda passível de maiores esclarecimentos. 

“Em defesa do mau gosto”


Outro destaque: quando Agra faz uma espécie de “exumação” do bastante desconhecido M.A.R.D.A. (Movimento de Arregimentação Radical em Defesa da Arte) – o nome irônico-crítico já diz tudo – sobre o qual as informações são também escassas. Trata-se de um brevíssimo movimento de agitação, pós-Música Nova e pré-tropicalismo (1965) – algo anárquico e já contracultural –, “em defesa do mau gosto e contra qualquer critério de juízo”, segundo Duprat, que o integrava juntamente com Décio Pignatari e mais alguns outros. Uma espécie de “guerrilha artística” (Pignatari publicaria na imprensa uma teoria com este nome, mais adiante, em 1967) ou luta estética pelo avesso: fizeram vários happenings debochados (o que hoje seriam performances) em cemitérios e em estátuas públicas de São Paulo.

Mas há muito mais no livro de Agra a ser lido, pensado e meditado. Vários leques e links cujo eixo é sempre a arte (ou antiarte) de invenção: antropofagia oswaldiana, dadá, as ideias de Mário Pedrosa, Brasília, o projeto construtivo brasileiro na arte (Aracy Amaral dixit). Ainda Oiticica, a dialética rigor/acaso, Cage, o provável & o precário. Até mesmo uma “recanibalização” poética – a antologia sincrônica de Haroldo de Campos como proposta descolonizadora – com Agra se embrenhando, audaciosamente, num cipoal teórico-informativo. E chega de spoilers. Quanto mais rápido o interessado for ao volume, melhor. 

Livro instigante, como o anterior “Monstrutivismo”, este “A síntese imprevista” traz a inteligência e a inquietação de seu autor, que mobiliza bibliografia selecionada e informações precisas e preciosas, colhidas em várias fontes, sem hierarquias. Agra não conclui ou fecha suas investigações. Pelo contrário. Deixa, propositalmente, talvez provocativamente, em aberto alguns pontos, quem sabe levando em consideração os paradoxos e contradições do processo moderno no Brasil, que gerou toda essa arte de invenção, original e ousada, cada vez mais reavaliada por aqui e até internacionalmente. 

Carlos Ávila é poeta e jornalista, autor de livros como “Bissexto sentido”, “Área de risco” e “Poesia pensada”. 

Capa do livro l 'A síntese imprevista %u2013 arte de invenção no Brasil dos anos 60/70'

“A síntese imprevista – arte de invenção no Brasil dos anos 60/70” 
Lucio Agra
• Editora Medusa
• 152 páginas
• R$ 65


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