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Estado de Minas Resenha

Uma trama medieval

O jornalista Fernando Magaldi lança "A boticária", romance que tem como protagonista uma mulher envolvida com o poderoso Império Turco-otomano


17/06/2022 04:00

Manoel Botelho*

 

O clarão rasgou o céu com raios e trovões de fora a fora; assim, o livro “A boticária”, da Editora Viseu, vem triunfante, pela autoria de Fernando Magaldi, jornalista, poeta e, agora, prosador dos bons. Moderno jeito de escrever, pena firme, texto saboroso, envolvendo pessoas desde a metade do século 5 até 1452. Quando de forma ousada narra os conflitos e a saga dos personagens – que vivem vida de amor, de traição, de luxo, de ódio, de desesperadoras situações de terror ante as Cruzadas e as Inquisições.

 

Fernando Magaldi chega com um grande romance para lembrar a Idade Média. O tempo, assim, fechou, nas páginas urdidas pelo escritor, em intensidade poucas vezes vistas, o medo pegou todos da caravana e aumentou quando uma nuvem negra se deslocou para cima deles. A caminhada montanha acima parou, impossível continuar, um vento forte quase jogou todos ao chão. E o temporal caiu castigando – não tinham como prosseguir. O escritor, de forma segura, vai trabalhando com zelo as palavras de “A boticária”, que é definida nos dicionários como dona de farmácia, onde se preparam, manipulam ou vendem medicamentos.

 

Então, Tarik, conselheiro do imperador, médico revolucionário, que não sabia o que é medo, era quem liderava a caravana pelas montanhas numa mudança atribulada para a cidade de Antalya, após atentado, confusão, quando o sultão põe o filho sob a guarda de Tarik. Ainda ele, Mariam, Hassan, o sultão – na caminhada pelas páginas – acabam nos jogando ao poderoso Império Turco-otomano, que abrangia parte do Oriente Médio, do Sudeste da Europa e do Norte da África, que dominou o mundo, terminando com a tomada da capital do Império Bizantino, conhecido como Império Romano do Oriente – capital Constantinopla –, que foi invadida e subjugada pelos otomanos comandados pelo sultão Mehmed II.

 

No cenário conturbado da Idade Média, os vários personagens vivem suas vidas e destinos. A forte mulher Mariam, personagem principal, passa momentos cruciantes: “Tu és uma feiticeira e como tal morrerá. As sentenças do Santo Ofício serão cumpridas e estará entre as primeiras a queimar na fogueira dos homens, antes que sua alma arda no fogo do inferno, onde o calor é maior do que o sentido pelo seu corpo. Estás a partir de agora vivendo a expiação. Arrependa dos teus pecados e procura salvar tua alma”.

 

Mariam, luz em turco, respirou fundo por três vezes. A salvação dela das garras da Inquisição ocorreu durante outra tempestade, ao caírem os raios que riscam os céus e matam os dois principais religiosos da procissão de expiação. E ela toca a vida, mulher bela e forte, casa-se com o imperador Mehmet, que tomou Constantinopla, hoje Istambul, localizada entre a Europa e a Ásia, marcando o fim da Idade Média, transcorrida entre os anos de 476 a 1453, caracterizando-se, entre outros, pelo sistema feudal, a vassalagem, as Cruzadas, a Inquisição e a peste negra.

 

Passagem boa, naquelas paragens do grande império, é quando o autor escreve que no mundo islâmico era proibida a representação em peças teatrais de pessoas. Assim, para burlar os rígidos ditames dos religiosos, criaram o teatro de sombras com as pessoas enfeitadas, adornadas para fugirem de ser reconhecidas. Hassan, um dos figurantes, desiludido com tudo, sai pelo mundo e se junta a trupe de teatro de sombras, que é aplaudida por onde passa. O poder do Império, que marcou os séculos 5 e 15, subjugava o mundo, com força militar fantástica para a época, que mesmo assim se desmoronou, via fortes desavenças religiosas, guerra, atentados, conflitos. Período igual o de hoje, muita confusão, incertezas, e luta pelo poder – sombreia Magaldi.

 

Em cada verbo muita emoção, com dezenas de seres na narrativa, elevando o gosto e a adrenalina pelas ações e palavras. Magaldi, boa técnica na escrita, vai arrumando o romance com amor, deixando a gente com vontade de conhecer toda a história. E o autor, sem tirar o olhar das linhas de livros, se jogou na literatura, e, agora, parte para o segundo, pois lançou um de belas poesias. Magaldi, no belo escrito, tira os personagens de cena. E, como diz, vez por outra são lembrados, mas Hassan reaparece – o único – para cumprir parte das visões de Mariam, chamada de feiticeira e quase morre na prisão.

 

VOO DA COTOVIA Na imaginação, ele, nas páginas, faz belo voo com a cotovia – talvez o sinal – que a história por ser cativante, atraente, poderá continuar em outros tempos e regiões, com novos lançamentos de outras obras na mesma linha. Ainda nada na cabeça, só vontade, diz Magaldi. O texto dele é despoluído, limpo como as águas – que correm nas montanhas. E na trama de a “A boticária” a leitura é saborosa, fácil, inteligente. E, assim, para sustentar minha palavra, vão trechos do romance que veio para ser sucesso:

 

“Preciso vê-la – disse prontamente tão logo a serva terminou o relato. O pedido do médico Tarik soou como uma ordem para o sultão que demonstrou não esperar por aquele tipo de solicitação. Desde que a mãe dele ficara viúva, há mais 30 anos, nunca tinha visto homem algum adentrar à câmara dela. Como agora – um estranho jovem ousaria pedir uma coisa dessas? Parecendo Tarik, adivinhar os pensamentos do senhor sultão temporal, daquelas paragens, procurou lhe aplacar a ira e abrir caminho para ver a paciente. – Majestade, sei que meu pedido pode ferir os princípios morais do nosso povo. Mas, na medicina moderna, o médico precisa ver o paciente. O sultão não viu outra alternativa senão aquiescer ao petulante pedido do jovem médico”.

 

Outra boa situação: “A cada vez que Mariam recapitulava os rumos que a última conversa com o prelado tomara via com nitidez maior que seu destino estava traçado, mas ainda tinha fé inabalável no Criador, que lhe sustentava viva e consciente. Restava a perspectiva de encontrar Hassan. Ficara feliz com o sumiço do amante porque mantinha a esperança de não se sucumbir à insanidade de uma época na qual, uma vez mais, procurava se levantar em nome de um Deus que, ao contrário, sempre dera provas de sua misericórdia, de seu perdão e de clemência, numa era de intolerância, infidelidade e, principalmente, de terror.

 

“Numa dessas conversas, Mehmet confidenciou a Hassan não estar de todo convicto de que Mariam tivesse tramado o assassinato de Catarina, mas por causa das evidências e de todos os indícios coletados pelo Vizir não tivera outra opção senão mandar encarcerá-la. O castigo da dúvida, Hassan, é muito mais cruel que a certeza.” E, aí, fica a saudade da gostosa leitura de “A boticária”. Magaldi, homem forjado no aço da luta diária em jornais, bom conhecedor de economia, formado em comunicação social pela Universidade Católica de Minas Gerais, começa bem com “A boticária” para ficar de vez na literatura brasileira e mineira, esta das mais respeitadas e das melhores deste país.

 

* Manoel Botelho é jornalista 

 

“A boticária”

De Fernando Magaldi 

386 páginas

Editora Viseu

R$ 54,90 (impresso)

R$ 9,90 (digital)

 

Lançamento: 25 de junho, das 11h às 15h, no Gabiroba Butiquim – Rua Padre Vieira, 319, Bairro Minas Brasil, em Belo Horizonte 


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