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Estado de Minas resenha

A loucura da escrita


21/01/2022 04:00 - atualizado 20/01/2022 20:35

Com uma linguagem descontraída e, ao mesmo tempo, meticulosamente calculada, os textos de “Doida pra escrever” abordam temas aparentemente triviais, mas que nos levam a refletir sobre a vida, as relações familiares, os amores, as hipocrisias, a morte e, acima de tudo, a nossa relação com o universo da escrita e da leitura

 

Pollyanna de Mattos Vecchio*

 

 Sendo cronista, a leitura de “Doida pra escrever”, nova antologia de crônicas da escritora mineira Ana Elisa Ribeiro, foi como ler o livro que eu desejaria ter escrito. Com uma linguagem descontraída e, ao mesmo tempo, meticulosamente calculada, os textos abordam temas aparentemente triviais, mas que nos levam a refletir sobre a vida, as relações familiares, os amores, as hipocrisias, a morte e, acima de tudo, a nossa relação com o universo da escrita e da leitura. Seguindo a boa li- nhagem de cronistas mineiros como Fernando Sabino e Affonso Romano de Sant’anna, Ana Elisa Ribeiro nos traz uma obra que deveria estar entre o cânone das antologias de crônicas de autores dessas Minas Gerais. Trago-lhes a seguir três motivos nos quais me apoio para fazer tal afirmação. 

 

Primeiro: “Doida pra escrever” apresenta uma perspectiva feminina para temas tradicionalmente debatidos por cronistas homens. A começar pela reflexão sobre a avidez pela escrita (mal de que sofremos todos nós escritores), as crônicas com foco na linguagem e escrita apresentam nuances de um papel ocupado por uma escritora mulher, ou seja, uma escritora que também é (ou não) mãe, filha, traba- lhadora que precisa conciliar rotinas de casa/trabalho/estudo/filhos, de alguém cujos cabelos grisalhos não são vistos como charme, mas desleixo, de esposa que é traída, de companheira cuja dedicação à escrita é questionada por ser considerada perda de tempo. Por um lado, no texto que dá nome à antologia, vemos emergir essa personagem que tem na escrita sua maior re-alização.  Por outro, em “Curso de gestão atabalhoada de tempo” está a mesma personagem, frequentemente impedida, pela pesada rotina, de se entregar livremente a esse prazer. 

 

Segundo: “Doida pra escrever” apresenta textos viscerais sobre relacionamentos humanos, sobretudo aqueles que acontecem no âmbito familiar. Ao lado do bom humor e da leveza dada a temas tabus como a morte, fortes denúncias das mazelas humanas também compõem a obra. Entre as crônicas que prestam esse serviço de nos escancarar temas espinhosos, destaco o fortíssimo “Famílias terríveis – um texto talvez indigesto”, em que a autora aponta como alguns núcleos familiares estão longe da visão romanceada da família perfeita, podendo ser altamente nocivos e fazendo estragos irreversíveis nas pessoas. 

 

Terceiro: “Doida pra escrever” é, também, um manual para escritores iniciantes (ou não). Na primeira seção, a autora (que, além de escritora premiada, tem primorosa formação e atuação acadêmica no campo da edição), nos brinda com textos que abordam o universo dos livros, da escrita autoral, da carreira de escritor(a), da revisão de textos, da poesia, das bibliotecas, dos eventos literários, da formação, das tecnologias de ler e de escrever e de outros temas relacionados à vida de quem lida com a palavra como matéria-prima e objeto de afeto. E tudo isso é feito com um traço que tem se mostrado uma das mais fortes características dessa escritora: uma linguagem simples e fluida, como se fosse uma conversa pessoal com seu interlocutor. 

 

Por esses três motivos, e por outros que mais leitores certamente encontrarão, “Doida pra escrever” vale a leitura. Trata-se da terceira antologia de crônicas da autora, desta vez publicada pela Editora Moinhos em novembro de 2021. Não sei precisar se, no futuro, será considerada sua obra-prima, haja vista que o seu “Dicionário de imprecisões” (Impressões de Minas, 2019) foi indicado ao Prêmio Jabuti como melhor livro de poesia. Mas certamente será uma de suas mais aclamadas antologias de crônicas. Tomara!

 

 

* Pollyanna de Mattos Vecchio é doutoranda em estudos de linguagens pelo CEFET-MG e escritora 

 

 

“Doida pra escrever”  

Ana Elisa Ribeiro 

Editora Moinhos 

160 páginas 

R$ 52 


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