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Estado de Minas Editorial

Uma jogada milionária

Para se firmar como polo futebolístico, a Arábia Saudita está até disposta a abrir mão de restrições culturais


21/08/2023 04:00
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Um estado islâmico que usa o Alcorão como sua Constituição e é organizado como uma monarquia absolutista, sem eleições e com inúmeras restrições aos seus cidadãos, onde mulheres são tratadas como pessoas de segunda classe. É assim a Arábia Saudita, país comandado pelo príncipe herdeiro Mohammad bin Salman, que é acusado de mandar o assassinato do jornalista e opositor Jamal Khashoggi, na Turquia, em 2018. Não por acaso, o país acabou se firmando como um local pouco simpático ao resto do mundo, que tolera a ditadura instalada em Riade pelo petróleo abundante por lá –  a Arábia controla a segunda maior reserva de petróleo e a sexta maior reserva de gás natural do mundo. 
 
Uma má reputação, obviamente, é ruim para os negócios. Mas em vez de aumentar a liberdade de seus cidadãos, mudar o sistema de governo e parar de perseguir oposicionistas, a Arábia Saudita resolveu investir no futebol, o esporte mais amado do mundo para mudar sua imagem diante do mundo. É uma estratégia conhecida nas relações internacionais como soft power. Em vez de dominar os países por meios militares ou econômicos – o que seria o hard power –, o investimento é em ações culturais, ideológicas e sutis, que transformem de modo lento, mas constante, a imagem que o resto do mundo tem de algum lugar. Um exemplo clássico do soft power é o cinema hollywoodiano, que vende o american way of life e impõe, no imaginário mundial, os Estados Unidos como ideal a ser seguido. 
 
Para isso, o dinheiro jorra. Hoje, um fundo controlado pela monarquia é dono de 75% dos clubes mais famosos do país, e outros menores são patrocinados por estatais. Com os petrodólares em abundância, astros do futebol como o português Cristiano Ronaldo, o francês Benzema e o senegalês Sadio Mané estão chegando em sequência em times pouquíssimos conhecidos do cenário global. A contratação mais recente, e que chocou boa parte da imprensa especializada, foi a de Neymar, que deixou o futebol europeu, onde jogava no PSG, da França, por impressionantes 90 milhões de euros, cerca de R$ 487 milhões, pagos pelo Al Hilal, time da capital Riade. 
 
A aposta da Arábia Saudita não é por acaso. Desde seu surgimento, nos campos ingleses do século 19, o futebol cumpre um papel crucial na construção de identidades nacionais e no fortalecimento das relações internacionais. Que o diga o Brasil, que sempre teve seus craques, como Pelé, Romário, Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho – além do próprio Neymar – como uma espécie de embaixadores informais pelo mundo. Ao criar uma liga repleta com os jogadores mais conhecidos do planeta – Messi, que está nos EUA, é uma ausência óbvia –, a ditadura saudita acredita que conseguirá direcionar a atenção global para outros aspectos do país, minimizando suas restrições internas.
 
A coroação da estratégia do príncipe Mohammad bin Salman seria receber uma Copa do Mundo, um evento que atrai turistas de todas as partes. Nesse sentido, a Fifa é a aliada ideal, já que exige que o evento seja bem controlado e proíbe ou restringe manifestações políticas e religiosas em campo – duas áreas sensíveis para os sauditas. O ensaio dessa ambição será em dezembro, quando o país abrigará o Mundial de Clubes da Fifa, com a participação de clubes de todos os continentes. 
 
Para se firmar como polo futebolístico, a Arábia Saudita está até disposta a abrir mão de restrições culturais. Desde 2018, o país permite que mulheres assistam partidas em estádios no país, e em 2020 iniciou um campeonato feminino local. Diante das assombrosas violações de direitos humanos, ainda é pouco para o país vencer o jogo diplomático que está propondo, ainda que conte com a ajuda de Neymar e Cristiano Ronaldo. Mas já pode ser o suficiente para mudar o olhar do mundo. 


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