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Estado de Minas Editorial

Reparação com um século de atraso

Autoridades deveriam puxar uma campanha para que haja respeito aos legados culturais e religiosos dos antepassados dos afrodescendentes


12/08/2023 04:00
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Passados 100 anos, o arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, dom Walmor Oliveira de Azevedo, revogou, nesta quinta-feira, o Aviso nº 5, de 10 de agosto de 1923, assinado pelo reverendíssimo padre João Rodrigues de Oliveira. O documento proibia a realização da festa de "Reinado", uma tradição herdada dos antepassados de negros sequestrados e explorados de forma desumana pelos colonizadores. O documento revogatório é denominado "reparação histórica". Desde o fim da abolição, a única reparação foi a instituição das cotas raciais, para o acesso de negros ao ensino superior. Ainda hoje, pretos e pardos são alvo do racismo e da discriminação escancarados.

Essa não é a primeira vez que o episcopado reconhece e revisa as iniciativas preconceituosas da Igreja. No centenário da Lei Áurea, em 1988, a Igreja Católica fez uma mea culpa, por meio da Campanha da Fraternidade, uma ação anual sobre os mais diferentes temas, com prioridade para os que afetam a vida dos menos favorecidos. Naquele ano, a iniciativa teve como lema "Ouvi o clamor deste povo", por meio do tema  "Fraternidade e o Negro". Foi  também uma tentativa de reparação histórica, uma vez que as autoridades católicas, que chegaram ao Brasil, descoberto por Pedro Álvares Cabral, concordavam com a exploração da mão de obra dos negros sequestrados de países africanos. Naquele momento, os africanos eram considerados seres sem alma e sem sentimento. Portanto, diante dessa condição, suprimir a liberdade daqueles indivíduos de pele preta não seria pecado.

Hoje, o clero reconhece que o povo negro tem sido vítima das mais diferentes formas de agressão. Admite também que os afro-brasileiros têm cultura e liberdade religiosa. Nenhum desses elementos colide com o cristianismo. Pelo contrário, ao longo da história, os negros, seja por estratégia, seja por devoção às divindades católicas, não têm desrespeitado a fé cristã. Em contrapartida, são importunados e têm seus templos violentados e vandalizados por correntes evangélicas fundamentalistas. 

O poder público, por sua vez, se mostra inerte na defesa dos direitos de pretos e pardos. As mudanças até agora ocorridas têm sido ineficazes para garantir equidade étnica-racial no país. Com falta de letramento racial, resultado de falhas no processo educacional, em todas as fases, o racismo é fortalecido. Isso ocorre inclusive na estrutura dos órgãos de Estado, que tratam discricionariamente os pretos e pardos como se fossem párias da sociedade.

Mas diante dos movimentos contra o racismo, principalmente pelos danos que ele causa à sociedade, as autoridades do poder público, católicas e de outras confissões de fé deveriam puxar uma campanha de educação dos cidadãos e dos fiéis para que haja respeito aos legados culturais e religiosos dos antepassados dos afrodescendentes. Passou da hora de romper com epistemicídio e recuperar os saberes ancestrais presentes nos tecidos demográfico e cultural do país.


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