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Estado de Minas

Lei da SAF atropela direitos constitucionais


23/04/2023 04:00 - atualizado 22/04/2023 21:50

ilustração

Lucas Kalil
Advogado, pós-graduado em Direito Societário pelo Ibmec. Especialista em fintech law pela Columbia Law School. Mestre em direito pela Faculdade de Direito Milton Campos

Para atender ao anseio de recuperar o futebol brasileiro – o que é mandatório, sob o ponto de vista cultural, econômico e social – foi criada a Sociedade Anônima do Futebol (SAF).

Concebida como um mecanismo de profissionalização da gestão e recuperação financeira dos clubes de futebol, seria difícil acreditar que os mais graves problemas da paixão dos brasileiros, o futebol, pudessem ser solucionados em singelos 36 artigos de lei, os quais compõem a chamada “Lei da SAF”.

Com a promulgação da lei, foi dado o sinal verde para a implementação das SAFs no Brasil. Os clubes com situações financeiras mais calamitosas se apressaram para aderir ao novo sistema, iludidos por uma lei ineficiente.

A questão que mais alarma – e, nesta pequena exposição, não se pretende valer-se de tecnicismos jurídicos – é que a Lei da SAF, mesmo econômica em dispositivos, alcança o nefasto recorde de desrespeitar – para não dizer ofender – a Constituição Federal em, pelo menos, quatro passagens distintas, motivo que revela a sua insustentabilidade jurídica.

Curiosamente, muito se fala em desrespeito à Lei da SAF por parte dos Tribunais Regionais do Trabalho, bem como em decisões arbitrárias e autoritárias. Nada disso, alguns julgadores zelosos apenas cumprem a constituição federal, não admitindo que o ”calote legal” se sobreponha a mais singela garantia fundamental.

Ora, a Lei da SAF permite o esvaziamento do patrimônio dos clubes, sobretudo com a transferência da sua atividade primordial – o futebol –, que seria capaz de gerar receitas financeiras, mas mantém nos clubes todas as dívidas e responsabilidades de pagamento imediato. Nesse cenário, o credor trabalhista (cujo crédito tem natureza alimentar) simplesmente não poderá mais executar os principais ativos do Clube (agora da SAF) e, muito menos, esperar que a receita imediata do futebol seja vertida para o pagamento de seus créditos. A Lei prioriza a tranquilidade econômica do investidor da SAF – até agora majoritariamente vindo do exterior –, em detrimento das verbas alimentares, que gozam de prioridade constitucional.

A Justiça do Trabalho então se depara com uma dicotomia complexa: deverá respeitar a Lei da SAF ou o direito fundamental do trabalhador, como exige a Constituição?

O segundo atropelo constitucional diz respeito ao Regime de Tributação Específico do Futebol (TEF). O regime alardeado como “benéfico e simples” é uma mentira. Em primeiro lugar, porque o Imposto de Renda (IRPJ) no regime é calculado sobre a receita da SAF, contrariando a lógica constitucional de tributação do lucro. O regime constitucional atrelado ao lucro da SAF é, analisando-se a história dos clubes, infinitamente inferior aos 5% da receita imposto pelo TEF. Considerando que os clubes (isentos de tributação da renda) são sempre deficitários, qual a maior tributação: 34% de nada ou 5% das relevantes receitas do futebol? O regime é impositivo, prejudicial e, portanto, inconstitucional.

Há ainda outra questão tributária que salta aos olhos. A Emenda Constitucional nº 103/2019 passou a impossibilitar que as contribuições sociais – as quais são indicadas e englobadas no TEF (art. 31, parágrafo 1º, inciso V) possuam base de cálculo diferenciada por setor. A Lei da SAF parece não ter se atentado para o novo comando constitucional, pois o TEF expressamente ignora a emenda, impondo a tributação sobre a receita.

Por fim, era de se esperar que o calote licenciado pela legislação viesse com uma contrapartida social relevante, a justificar a intervenção do Estado na iniciativa privada. Em respeito à nossa Constituição, pelo princípio da igualdade de gênero (art. 5º, inciso I), finalmente, a “obrigação de ter um time feminino”!

Mas calma, isso já é imposto pela CBF e pela Conmebol aos clubes, e não é segredo que o investimento é irrisório para os times femininos. Então, qual a real contrapartida social que a Lei impôs às SAFs? Nenhuma. É só um “marketing legislativo” sem qualquer efeito prático, e o futebol feminino continuará sucateado. Perdeu-se uma baita oportunidade de destaque no plano internacional sobre o necessário tema da igualdade de gênero.

Em época de SAF, a Constituição Federal parece não merecer deferência. Que o erro não se repita. Primeiro, precisa-se ajustar o sistema jurídico da SAF – precipitado, inseguro e ineficaz – para, em um segundo momento, pensar-se em Liga, sob pena de fazer com que a ansiedade de uns respingue em todos os demais clubes aderentes.


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