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O Novo Ensino Médio não é um projeto de Estado

Falta um debate, colocando na mesa os principais gargalos do sistema educacional brasileiro. Assim, aliados a um pensamento nacional, e não apenas governamental


19/04/2023 04:00


Renato de Faria
Doutor em educação

Novo Ensino Médio nem bem nasceu e já demonstra a que veio: um emaranhado de propostas confusas que não garantem o direito básico à educação de qualidade para cerca de 80% dos alunos brasileiros, matriculados nas escolas públicas.
 
Estudantes se deparam com um currículo pouco compreensível, descartando a carga horária das principais disciplinas socialmente consolidadas, como história, filosofia, sociologia, biologia e tantas outras.
Professores, que gastaram tempo e investimento em um processo formativo duradouro e sólido, chegam nas escolas e precisam assumir disciplinas que não se relacionam com sua área de formação, como o caso das amplamente divulgadas “O que rola por aí”, “Como se tornar um milionário”, “Brigadeiro Gourmet” e “RPG”.
 
Alguns dirão que não é bem assim, que é exagero. Provavelmente, essa opinião se fundamenta em uma visão parcial do problema, que representa pouco mais de 15% dos estudantes brasileiros, matriculados na rede privada de ensino.
 
Com pessoal e capital de ponta, o mercado destinado à rede privada conseguirá garantir, com qualidade, a Formação Geral Básica, destinadas às disciplinas tradicionais do currículo brasileiro, acrescentando, ainda, muitos componentes eletivos, imersões tecnológicas e itinerários nas quatro áreas do conhecimento: humanas, matemática, linguagens e natureza.
 
As escolas públicas, em sua maioria, dificilmente conseguirão oferecer educação em tempo integral, bem como esse cardápio significativo de disciplinas eletivas para que seus estudantes se desenvolvam plenamente, fazendo experiências em diversos campos do saber. Não é raro ouvir de gestores públicos que, no máximo, conseguem garantir dois itinerários com duas disciplinas. Falta pessoal e investimento.
 
Logo no início do novo governo já se notava que um dos maiores desafios era justamente a chamada “Reforma do Ensino do Médio”. Dito e feito. A bomba relógio não foi desarmada ainda, mas estendida em relação ao seu tempo de explosão. Dos males, o menor.
 
Seguindo o caminho apontado na primeira versão da “reforma”, a sociedade brasileira, em 10 anos, será mais injusta ainda, sobretudo porque o Exame Nacional do Ensino Médio – Enem, até o momento cobra, em sua matriz de avaliação, uma gama de conhecimentos pesados, relacionando-se diretamente às disciplinas tradicionais. E parece que o nó foi justamente aí.
 
Como avaliar, em um exame nacional, conhecimentos acadêmicos acerca de uma receita de brigadeiro gourmet? Quais habilidades, conteúdos e conhecimentos seriam capazes de identificar os mais aptos ao curso de medicina, avaliados em uma prova sobre “como se tornar um milionário”? Não havia prova, nem matriz, nem instrumento capaz de avaliar e selecionar as pirotecnias pedagógicas criadas com o novo currículo.
 
Quando me perguntam qual o maior problema da reforma, digo: ela foi um projeto de governo, mas não de Estado. Como sempre aconteceu com a maioria das políticas públicas de nosso país, não seria diferente com a educação. Parece que temos um Brasil novo a cada quatro anos. A coalização necessária para pensar um assunto que interessa a todos os espectros políticos e ideológicos, não aconteceu. As melhores universidades do país pouco contribuíram nesse debate, pois não tiveram espaço para isso. É como se você quisesse fazer uma revolução na cardiologia, mas não consultasse nenhum cardiologista de ponta. Simples assim.
 
Falta um debate mais duradouro, colocando na mesa os principais gargalos do sistema educacional brasileiro. Assim, aliados a um pensamento nacional, e não apenas governamental, talvez consigamos deixar de ser o “país do futuro” para ser o “país do presente”, saindo de nossa condição de subdesenvolvimento.
 
Garantir direitos educacionais iguais aos nossos jovens é o primeiro passo para um desenvolvimento econômico que vai trabalhar em prol da meritocracia e da justa competição entre os cidadãos.
 
Alcançar os melhores postos sociais, sem as condições necessárias para uma competição justa, não é vitória, é jeitinho brasileiro. Ao contrário, garantir os fundamentos básicos para que qualquer cidadão, a partir de seus interesses e motivações, consiga dar passos em direção à realização pessoal é colocar, de fato, o sistema para funcionar, premiando os que fizeram maior esforço para obter os melhores resultados. Toda a sociedade ganha com isso.
 
Abaixo, listo os grandes pontos de observação desse momento, lembrando que a Reforma não foi revogada, mas suspensa para que aconteça um debate mais profundo com os verdadeiros os interessados e afetados por essa decisão política.
 
Não sou muito otimista, por isso não creio em grandes mudanças, pois muitos interesses estão em jogo. No entanto, algumas coisas não podem passar despercebidas. São elas:

PROFESSORES
Mais uma vez, tentam colocar a responsabilidade de um projeto mal elaborado nas costas dos calejados profissionais da educação. Não deixem esse engano acontecer! Com certeza, virão com o discurso de que o Novo Ensino Médio não está dando certo porque os professores precisam de formação para tocar em frente esse novo projeto educacional.
 
Docentes que se sacrificam diariamente para levar o mínimo de dignidade aos nossos jovens não são os responsáveis por um projeto descabido, ilógico e mal gerido. O problema não está na formação dos professores, mas na falta de fundamentação e orientação de um planejamento sem sentido. É como culpar o mestre de obras por um desenho malfeito no escritório de arquitetura. E olha que, no caso da educação, os mestres estão alertando para o fracasso do Novo Ensino Médio tem muito tempo.

EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO
Apenas para reafirmar. Não sei se felizmente ou infelizmente, mas o currículo do ensino médio brasileiro, nos últimos vinte anos, esteve atrelado ao Exame Nacional do Ensino Médio – Enem. Acontece que, a parte flexível do currículo, chamada de Itinerários Formativos, desdobradas em humanas, matemática, natureza e linguagens, estava atrelada a um suposto 2º dia de prova que aconteceria para avaliar as habilidades dessas áreas.
 
O teste seria aplicado de forma discursiva, a famosa questão aberta. A promessa é que seria corrigida por inteligência artificial e sua aplicação seria a partir de 2024. No entanto, parece que o pessoal do novo governo chegou lá e não encontrou nada. Foi o verdadeiro NEM (sigla para o Novo Ensino Médio): NEM banco de questões, NEM matriz de avaliação, NEM modelo de prova, NEM forma de corrigir e por aí vai...

CURRÍCULO FLEXÍVEL E INCOMPREENSÍVEL
Vários atores que defendem o Novo Ensino Médio, que agora nem é tão novo assim, pois já precisa ser reformado, focam em exemplos de currículos de outros países para encher o peito de orgulho e dizer que o nosso é muito atrasado, pois os estudantes devem cursar, obrigatoriamente, mais de 15 disciplinas.
 
Essa é uma meia-verdade (ou meia-mentira, né? Depende do ângulo econômico e do posicionamento social). De fato, nosso currículo é muito maçante e nada justifica um estudante que não deseja cursar nenhuma faculdade na área de exatas e/ou natureza ter de estudar 24 capítulos de física. Essa opção deve ser dada, apenas, para aqueles que desejam aprofundar nesse assunto.
 
Aí está o “x” da questão. O problema não é a quantidade de disciplinas, mas a obrigatoriedade em cursar todas de forma igual. Vale lembrar que em outros países, como os Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo, os estudantes escolhem parte de seu programa de ensino, mas o fazem, obrigatoriamente, entre as disciplinas tradicionais.
 
Existem disciplinas eletivas, mas elas são oferecidas como um plus. Ter raiva dos componentes historicamente consolidados é desprezar o próprio conhecimento, investindo na mediocridade intelectual. Caso isso aconteça, vamos ter de fazer igual aos EUA e começar a importar cérebros para nossas pesquisas mais importantes, só que aqui não temos investimento para isso.

MERCADO DE MATERIAL DIDÁTICO
Existe um interesse muito grande no mercado educacional. E não nos enganemos, poucos são agraciados por um sentimento filantrópico. Vender materiais para as escolas públicas rende um bom dinheiro. A saga de alguns personagens públicos para uma suposta “revolução metodológica” em nosso país vem acompanhada de muito lobby para incrementar as escolas com produções dos mesmos grupos que hoje se posicionam a favor do NEM.
 
Fiquemos atentos, pois essa pode ser mais uma forma de enriquecer grandes conglomerados que não possuem nenhum compromisso com o sistema educacional brasileiro. Lógico que tem muita gente séria nesse jogo também, não podemos generalizar. No entanto, eles não costumam ter tanta voz nesse cenário, pois, na maioria das vezes, eles estão gastando suas cordas vocais dando aulas com diversidade didática e profundidade teórica.

INFRAESTRUTURA PRECÁRIA
Boa parte das escolas públicas no Brasil não possui banheiros minimamente utilizáveis, água potável e acesso à internet. Sabemos que uma das premissas para que um estudante consiga ir bem em seus estudos é garantir a ele um bem-estar físico. Além do mais, como faremos com os estudantes que estudam à noite? Durante as inúmeras supostas discussões para a Reforma, o público da Educação de Jovens e Adultos foi completamente desconsiderado. Geralmente, porque estão trabalhando durante o dia, precisam estudar no período noturno e, pelo que consta, a nova proposta, em muitas escolas públicas, exigirá atividades em contraturno. O que farão? Ficarão na escola até de madrugada? Voltarão aos sábados e domingos para cumprir o Novo Ensino Médio?
Alguns advogam que as escolas públicas deveriam investir mais em cursos técnicos. Esse é o tipo de argumento que nem merece discussão, pois é concebido por um preconceito de origem: alguns devem entrar nas melhores universidades, outros devem se dedicar, apenas, ao mundo do trabalho.


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