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Estado de Minas artigo

Tempo de esperança, compaixão e solidariedade

Se o Natal não recuperar em nós a esperança, não despertar solidariedade e compaixão, não retirar o narcisismo, quaisquer traços de espiritualidade morrerão


24/12/2022 04:00


Andrey Albuquerque Mendonça
Professor de humanidades digitais, filosofia, 
cultura, consumo e religião na ESPM-SP

O Natal é, certamente, a festividade mais importante do cristianismo. Considerando os números atuais, podemos dizer que uma em cada quatro pessoas que vivem em nosso planeta de 8 bilhões de habitantes é cristã e, portanto, celebra a data. Embora lembremos que, nem entre os cristãos, a data é um consenso, pois os ortodoxos celebram entre os dias 5 e 6 de janeiro, enquanto a data mais conhecida seja 25 de dezembro.

Hoje, sabemos que a festa pouco tem de cristã, e menos ainda possui ligação com o Sul Global. Religiões pré-cristãs celebravam o solstício de inverno e o deus Sol ao final de dezembro, na esperança de que o inverno não fosse eterno e, em seguida, a primavera trouxesse o renascimento da vida. Logo, como no hemisfério sul, saudamos a chegada do verão com diversos símbolos natalinos tradicionais, como Papai Noel, árvores enfeitadas, frio, lareiras, entre outros, que não fazem sentido em nossa realidade climática.
 
 
 
 
Contudo, se nos afastarmos dos dogmas e discussões religiosas, podemos pensar numa espiritualidade, fora da instituição, que nos dê um sentido para celebrar o Natal, neste e nos próximos anos. Penso que a primeira intuição natalina é que a vida pode ser uma dádiva, um presente. E, quiçá, possamos reclamar menos a respeito do que nos falta e ser mais gratos pelo que temos. Dessa forma, poderíamos iluminar nossa visão, por vezes embaçada pelo narcisismo, enxergar nossos privilégios e, ao mesmo tempo, o desamparo em que se encontram milhões de pessoas. Iguais a nós perante a lei, mas desprovidas da humanidade que nos sobra e que poderíamos compartilhar.

A segunda intuição a respeito da espiritualidade natalina versa sobre o binômio abundância e escassez. É comum, nesta época do ano, vermos lojas, magazines, mercados e as vendas por canais digitais dispararem. Sair para fazer compras, em geral, se torna uma aventura estressante, pois muitos detalhes devem ser preparados com atenção. 

Enfeites, presentes, comida e bebida fartas numa bela mesa tornaram-se símbolos importantes numa era de hiperconsumo (termo cunhado pelo filósofo francês Gilles Lipovetsky).

Todavia, na atual crise econômica enfrentada pela maior parte da população brasileira, a imagem de abundância não passa de uma vaga lembrança. Não necessariamente do que se viveu, apenas do que se viu em campanhas publicitárias veiculadas nos aparelhos de televisão que ficam à mostra em nossas cidades. Dados do segundo inquérito nacional sobre segurança alimentar, em 2022, apontam que 33 milhões de brasileiros e brasileiras vivem em situação de fome. Para essas pessoas não haverá Papai Noel, presentes ou ceia, restará apenas a desolação causada pela fome.

Se o Natal não recuperar em nós a esperança de uma sociedade mais justa, se não despertar em nós solidariedade e compaixão, se não retirar de nossos olhos o véu do narcisismo, quaisquer traços de espiritualidade morrerão. Se é verdade que o nascimento de uma criança palestina, há 2 mil anos, reuniu o humano, o divino e a natureza (representados no presépio), quem sabe haja Natal.


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