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Estado de Minas artigo

Vida e economia digital


24/07/2022 04:00



Eduardo Ferreira
Mestre em Computação Aplicada da Faculdade de Computação e 
Informática (FCI) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)


No início de março de 2022, uma reportagem com o menino Yan Araújo, de 15 anos, apresentou seu sonho, cada vez mais comum nas periferias brasileiras: tornar-se um jogador de eSports, competições profissionais de games em ambientes virtuais, tão reconhecido quanto Nobru, seu ídolo. Estima-se que em 2021, somente com transmissões na plataforma Twitch, o jogador tenha faturado em torno de R$ 1,5 milhões por mês. Recentemente, o streamer Gaulês conseguiu atingir a marca de um milhão de espectadores na plataforma Twitch, ao transmitir uma das partidas do time da Imperial, organização que abraçou o projeto Last Dance, capitaneado por Fallen, o primeiro grande ídolo dos eSports no Brasil. Isso mostra como as experiências oferecidas pelos jogos, principalmente os imersivos, começam a se aproximar e, em certo ponto, superar aquelas que podem ser oferecidas pelas plataformas de mídia tradicional.

 Apesar de grandes, o quanto esses números são importantes a ponto de tirar o foco do menino Yan dos caminhos que sempre foram facilitadores reconhecidos de ascensão social? A análise mais simples é considerar o cenário global: o mercado mundial de games alcançou US$ 175,8 bi em 2021, com perspectivas de ultrapassar os US$ 200 bi em 2023, de acordo com dados da consultoria Newzoo. Ou seja, existe bastante dinheiro correndo nesse meio, cuja barreira de entrada é apenas um dispositivo com acesso à internet. Mais do que isso, a presença de um ídolo claro como Nobru, que tem uma trajetória semelhante à maioria desses meninos, fornece a identificação necessária para que eles entendam que traçar o mesmo caminho também é possível.

 A maior mudança, contudo, não está apenas na possibilidade de ascensão social proporcionada pelos games. Historicamente, esse mesmo papel já vinha sendo desempenhado por outros meios, como artes e esportes. O que muda no cenário dos games é a construção de um novo modelo econômico totalmente amparado em tecnologia, capaz de questionar, pela primeira vez, o conceito tradicional de valor. A primeira grande ruptura foi introduzida pela economia do compartilhamento que estabelece o conceito de base comum de produção: se o conhecimento é produzido de maneira distribuída e o resultado é compartilhado por todos, quem paga pela sua produção? No livro “Wikinomics”, o autor Dan Tapscott já falava que “a sociedade precisava induzir o investimento privado necessário para traduzir novo conhecimento em inovações econômicas”, uma vez que o modelo de produção conhecido até aqui pregava a remuneração da propriedade intelectual através da “falsa escassez”. Colocar o conhecimento em um livro e cobrar pela venda, ou cobrar pelo acesso a um artigo, por exemplo, são maneiras de produzir essa escassez remunerando a produção do conhecimento e garantindo sua manutenção.

 Além da tradicional venda de jogos, pesquisa realizada pela Game Brasil apontou uma mudança nos modelos de remuneração: os dados mostram que 33,2% dos respondentes trazem moedas virtuais como sua principal maneira de gastar dinheiro com jogos. Para entendermos como isso acontece, podemos acessar o serviço Dropull, desenvolvido pela LOUD, e observarmos seu inventário de NFTs. Pela bagatela de R$ 30 mil é possível comprar um carro exclusivo para que seu avatar utilize no servidor do Cidade Alta. Além disso, pela tecnologia de troca de tokens existente no Blockchain, é possível garantir sua unicidade (não haverá outro igual) e vendê-lo para outro usuário sem a necessidade específica de intermediários para a transação.

 Mas como essas transações interagem com o menino Yan? Ainda que a maioria delas aconteça no meio digital, continuamos necessitando do dinheiro real, conhecido como fiat no ecossistema das criptomoedas, pois é o único que possui valor. Esse é um dos mais importantes conceitos da economia, sendo discutido por diferentes autores, e aqui vamos focar no conceito neoclássico, dividido em três tópicos importantes: troca, utilidade e escassez. Os dois últimos podem ser emulados no ambiente digital, pois com o aumento da disputa pela atenção, ativos digitais existentes em mundos virtuais acabam por obter grande valor. Esse é o caso dos BAT – Basic Attention Tokens, que tornam possível a remuneração da audiência pelos anúncios assistidos. Qual seria a próxima barreira? Trocar um carro do Cidade Alta por comida no supermercado? Já existe uma experiência piloto de um supermercado aceitando criptoativos no interior de São Paulo. Impostos? O Rio de Janeiro se tornou a primeira cidade brasileira a aceitar pagamento de impostos em criptomoedas. Na verdade, se pensarmos em governo, o Banco Central brasileiro já se prepara para a implementação de uma moeda 100% digital.

 Os exemplos apontam para o nascimento, ainda que preliminar, de uma nova economia digital e descentralizada, cujos conceitos de valor estão mais próximos de quem transaciona os bens. Ela surge de maneira mais clara entre os jovens, que não enxergam a necessidade de dinheiro fiat como mecanismo de mediação dos meios de troca. Também entendem ter mais autonomia para escolher tanto seu meio de remuneração como de pagamento, sem a necessidade de um intermediário atuando como elemento mediador da confiança. Para estabelecer-se como relevante, será necessário não somente inserir-se nessa contracultura, mas provar que, de fato, possui algo de especial para oferecer, tal qual um carro exclusivo desenhado por um dos melhores artistas digitais de nosso tempo, pronto para circular no Metaverso.


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