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Desastres ambientais: por que evitar o termo tragédia?

Os poderes públicos devem estabelecer um diálogo com a ciência ao formular suas políticas


15/05/2022 04:00

Diego Pereira
Doutorando em direito. 
Procurador federal (AGU)
 
Originada do grego ‘tragodia’, ou canto do bode, as tragédias surgem na Grécia Antiga em adoração ao deus Dionísio. Os sacrifícios de bodes faziam ecoar um hino vindo da boca do público que assistia àquele espetáculo religioso. Era o nascimento da tragédia grega.
 
O sofrimento do animal, na modernidade, passa a corresponder ao sofrimento humano e então o termo tragédia vira exaltação da própria dor humana. Experimentado na dor, tristeza e sofrimento de sucessivas depressões, Pablo Picasso busca sua catarse na arte. No entanto, criador e criatura acabam se confundindo em dor. Se internamente o artista sofria, suas pinturas assim o expressavam. É a chamada fase azul de Picasso (em oposição à fase rosa).
 
Na fase azul, há uma obra simbólica denominada “A tragédia”. Em um azul frio, quase cinza, Picasso tracejou e pintou a dor humana de desvalidos. A imagem é a própria representação da miséria, da desgraça e da melancolia que cercam uma família.
 
O azul fúnebre do artista tem o mesmo significado no canto sofrido das pessoas escravizadas nos Estados Unidos, daí a origem do gênero musical blues (azul em inglês). Era o nascimento de uma música triste e melancólica, também representativa da dor.
 
Quando desastres iguais ao de Petrópolis ocorrem, usamos a alcunha de tragédias, não a dos gregos, mas a de Picasso, e o azul cede lugar ao marrom da lama, quase vermelho-sangue.
 
Há evidências científicas de que os últimos eventos extremos ocorridos no Brasil têm relação com as mudanças climáticas. São os chamados desastres, de origem antrópica, previsíveis e evitáveis.
Os cientistas evitam o termo tragédia, justamente para afastar a possibilidade de negacionistas apelarem para a retórica do castigo da natureza ou da vingança divina, assim como fez Jean-Jacques Rousseau em resposta a Voltaire, quando ocorreu o terremoto de Lisboa, em 1755.
 
Com milhares de mortos e destruição total da capital portuguesa, Voltaire enxerga na culpabilização divina a causa do evento. Desacreditando esse argumento, Rousseau traz ao debate as primeiras linhas sobre o que se entende hoje por vulnerabilidades.
 
Em um trecho da sua carta, Rousseau questiona Voltaire se foi Deus quem construiu casas umas sobre as outras, aos milhares, em condições precárias. Nasciam as primeiras ideias sobre o caráter científico dos desastres, em oposição às tragédias.
 
Assim como em Lisboa, o agravamento dos danos em Petrópolis é de causa humana. Muitas mortes registradas poderiam ser evitadas.
 
Se a ciência apresenta proposições e o termo desastre carrega o significado do rigor científico que evita prejuízos e danos humanos, sociais e econômicos, o vocábulo tragédia flerta com o negacionismo científico e justifica a causa dos acontecimentos e suas possíveis soluções no campo fora da razão.
 
Não há outra saída: os poderes públicos devem estabelecer um diálogo com a ciência ao formular suas políticas, sob pena da reinvenção da tragédia à brasileira! 


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