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Estado de Minas artigo

Liberdade de expressão e cidadania

Apesar de ser fruto de uma disrupção tecnológica, a atual efervescência mundial é algo que mais contribui para o exercício da cidadania do que a possa solapar


11/11/2021 04:00



João Batista Pacheco
Presidente da Faculdade Milton Campos

Vivemos um momento em que o debate acirrado vem sendo travado em manifestações públicas, nas ruas, bem como nas denominadas redes sociais, um ambiente novo e propício a exacerbações.

Então, muito se tem discutido acerca da possibilidade de restringir, previamente, a circulação de conteúdos tachados por muitos como ofensivos à democracia ou à honra e imagem de terceiros.
 
 
 
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Entretanto, apesar dos excessos, acreditamos que, em realidade, a sociedade, adormecida por décadas, despertou para o exercício cidadão do livre debate, que não deve ser limitado, desde que travado nos limites da Constituição e das leis. Afinal, a diversidade de pensamento, o senso crítico e o contraditório são da essência do Estado democrático, sendo senso comum a célebre frase atribuída a Ptolomeu: “Da discussão nasce a luz”.

Sabe-se que “o preço da liberdade é a eterna vigilância”, máxima atribuída a Thomas Jefferson. No entanto, tal vigilância há de ser sempre institucional e se dar nos estritos limites da Constituição, sem jamais desbordar para o cerceio dos direitos e garantidas fundamentais.

Justamente por isso, nossa Constituição adotou, em seu artigo 2º, a tripartição harmônica de poderes, consagrada pelo insigne Montesquieu na afamada obra “O espírito das leis”.

Como adverte o sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman, o ritmo incessante das rápidas transformações que vivenciamos tem nos transformado em uma modernidade líquida, onde o tecido social se apresenta instável, moldável, volátil, sem um projeto de longa duração e objetivos específicos.

Apesar de ser fruto de uma disrupção tecnológica, a atual efervescência mundial é algo que mais contribui para o pleno exercício da cidadania do que a possa solapar.

O próprio Zygmunt Bauman, em recente entrevista concedida a um periódico brasileiro, adverte que devemos “multiplicar as vozes, mais do que reduzi-las; ampliar as possibilidades mais do que ter em vista um consenso total; perseguir o entendimento, em vez de visar à derrota do outro”.

Ora, as liberdades individuais, o pluralismo político e a cidadania são pilares da democracia e da República e devem ser resguardados, conforme enuncia nossa Constituição nos artigos 1º e 5º, que já assegura o “direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Nosso texto constitucional é prodigioso em reiterar e desdobrar tais direitos fundamentais, garantindo no mesmo artigo 5º, incisos IV, VI, VIII, IX e XVI, a “livre manifestação do pensamento”, a “liberdade de consciência e de crença”, a livre “convicção filosófica ou política”, a “livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, bem como o direito de “reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização”.

Assim, não se pode, a pretexto de resguardar a democracia, cercear o direito à liberdade de expressão ou lhe impor censura prévia, sob pena de malferir preceitos pétreos.

Embora se verifiquem, aqui e ali, evidentes excessos, as redes sociais têm importante dimensão, sendo a nova Ágora grega, onde as pessoas exercem livremente a cidadania, expressando apoio ou repúdio a projetos, ideias, condutas, ou críticas aos representantes eleitos e poderes instituídos.

Mais do que isso, as redes se converteram na principal ferramenta de comunicação e acesso à informação, direitos que também não devem ser limitados, sob pena de nova violação constitucional.

No próprio artigo 5º, XIV, “é assegurado a todos o acesso à informação”, sendo o texto constitucional expresso e contundente ao vedar, no artigo 220, a censura política, ideológica e artística, bem como ao resguardar a livre manifestação do pensamento, o direito à expressão e informação, assim como a liberdade dos veículos de comunicação social.

Não por acaso, é justamente desse cenário que exsurge a crise de representatividade que vivenciamos, tanto na política quanto na imprensa.

Se outrora a sociedade moderna dependia da mediação de políticos e da imprensa para firmar convicções, debater, informar-se, vocalizar suas intenções, vontades e interesses, agora dispõe de meios digitais para fazê-lo de forma direta, rápida, transparente, barata e objetiva.
Tal circunstância acabou por empoderar a sociedade e reduzir sobremaneira o poder antes detido pelos tradicionais representantes e mediadores, na política e na mídia.

Perplexos e sem compreender as mudanças disruptivas, tais grupos, muitas vezes antagônicos e sem identidade comum, se uniram no afã de tentar resistir ao irreversível fenômeno social, tachado pejorativamente por muitos como caótico, confuso, desordenado e pernicioso para a democracia.

Não entenderam, entretanto, que muitos fenômenos físicos, matemáticos, artísticos e antropológicos são, como os fractais, movimentos aparentemente caóticos e desordenados. Podem, contudo, ser analisados e explicados logicamente, embora não possam ser detidos, já que guiados por uma certa lógica intrínseca.

Assim, nos parece inócua e desgastante a mera tentativa de censurar ou desqualificar toda e qualquer informação ou expressão que tenham origem nas redes ou nas manifestações diretas da população, muitas vezes acusada, injustamente, de destilar ódio ou de aderir, bovinamente, a movimentos antidemocráticos.

Além de ineficaz, a conduta nos parece afrontar o princípio republicano e democrático, acolhido em nossa Constituição, de que “todo o poder emana do povo”, além de malferir regra constitucional que, a um só tempo, garante a liberdade de pensamento, expressão, informação e comunicação, como respalda, justamente, exercício da atividade política e a liberdade de imprensa de veículos de comunicação.

Assim, ao atacar tais garantias, na prática tais entes voltam-se contra si próprios.

É certo que há excessos e que a distância ou o anonimato virtual não podem ser escudo para a prática de delitos ou ofensas.

Mas, neste caso, a própria Carta oferece o remédio. No artigo 5º, garante “o direito de resposta, proporcional ao agravo”, bem como resguarda “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”, sempre assegurando o direito à “indenização por dano material, moral ou à imagem”.

Além disso, podem ser acionadas, pelos atingidos e Ministério Público, as previsões legais do Código Penal, que descreve em minúcias as condutas tipificadas como criminosas. Podem ser invocadas as proteções do Código Civil, que, no artigo 187, conceitua como ilícito todo e qualquer ato, praticado por titular de direito que exceda os limites impostos por seu fim econômico ou social e pela boa-fé e bons costumes.

Assim, ao invés de se impor censura prévia a toda a sociedade, deve-se buscar a responsabilização daqueles que de fato violem as leis e a Constituição.


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