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Estado de Minas artigo

Antes de começar a aprender

Uma criança que nasceu pobre e recebe uma educação decente tem muito mais chances de quebrar o ciclo intergeracional da pobreza


16/10/2021 04:00




Mônica A. Weinstein
Alicerce Educação

São muitas as palavras que descrevem esse período que chamamos de infância e que é celebrado neste mês de outubro. Fase de descobertas, de potência, de alegria e, sobretudo, de muita vulnerabilidade.

Ao longo dos seis primeiros anos de vida, antes do ingresso no primeiro ano do ensino fundamental, toda criança precisará necessariamente ter respondido para si mesma três grandes questões: “eu estou segura?” – afinal, preciso sobreviver –; “eu sou amada?” – afinal, preciso me vincular –; e “para que preciso aprender isso?” – afinal, preciso me adaptar. Em outras palavras, nesses anos preciosos que chamamos de infância, é necessário que as crianças se sintam seguras e amadas o suficiente para que possam liberar espaço mental para a aprendizagem e, com isso, avançar progressivamente na trilha da autonomia.
 
 
 
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Crianças precisam ser cuidadas, pois não controlam as condições objetivas e materiais que lhes permitem desenvolver as capacidades e adquirir os ativos necessários para sua sobrevivência e desenvolvimento. Este estado de vulnerabilidade biológica típico da infância também é influenciado por contextos coletivos determinados pelo meio social em que vivem. Crianças que não têm acesso a condições que promovam o seu desenvolvimento, como ocorre com frequência nas situações de famílias em vulnerabilidade socioeconômica, dificilmente alcançarão o usufruto de direitos como cidadãos.

Um ambiente que desempenha um papel fundamental na perpetuação (ou não) da falta de equidade é a escola. Aos3 anos de idade, crianças que vivem em situação de pobreza terão ouvido 20 milhões de palavras a menos do que seus pares oriundos de famílias com maior renda (Hart & Risley, 2003). Quando ingressar na escola, uma criança pobre já terá uma defasagem de algumas dezenas de milhões de palavras sob a perspectiva do desenvolvimento da linguagem. E a defasagem não para por aí. Outro aspecto importante é o efeito negativo do estresse crônico das famílias que vivem em situação de pobreza no desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças, como demonstram inúmeros estudos que apontam o efeito perverso da falta de estabilidade familiar no desenvolvimento infantil.

Hoje, 250 milhões de crianças entre 5 e 12 anos não sabem ler, escrever ou contar. Isso é mais de um terço das crianças em idade escolar primária do mundo. Algumas dessas crianças nunca tiveram acesso à escola. Para muitas outras, a infraestrutura escolar deficiente e a falta de professores qualificados significam que ir à escola também não resulta em educação.

Uma criança que nasceu pobre e recebe uma educação decente tem muito mais chances de quebrar o ciclo intergeracional da pobreza. Ela pode conseguir empregos melhores, levar uma vida mais plena e realizar seu potencial. Se todos os alunos deixassem a escola com habilidades básicas de leitura, 171 milhões de pessoas poderiam ser tiradas da pobreza. A educação pode, inclusive, salvar vidas: as mães instruídas estão mais bem informadas sobre doenças específicas da infância, e podem tomar medidas para evitá-las. Se todas as mulheres concluíssem o ensino primário, a Unesco estima que 189 mil vidas de mulheres seriam salvas todos os anos e que as mortes de menores de 5 anos cairiam 15%.

Eliminar a pobreza na aprendizagem, definida pelo Banco Mundial como a parcela de crianças que aos 10 anos não consegue ler e entender um texto simples, é tão crítica quanto eliminar a pobreza extrema, o atraso no crescimento ou a fome. Sociedades, pais e alunos sabem disso e têm uma fé extraordinária no poder da educação para transformar vidas. No entanto, esses benefícios dependem das habilidades reais que os alunos adquirem. As famílias investem na educação e mandam os filhos para a escola, mas se os anos passados na escola não se refletem na aprendizagem, a promessa da educação terá sido uma mera fantasia.


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