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Crise ambiental: a resposta que nasce com os rios


07/08/2021 04:00

Gabriela Moulin Mendonça
Jornalista, gestora cultural e diretora-presidente 
do Instituto BDMG Cultural
 
Em 1967, “Domingo”, o disco de estreia de Caetano Veloso, compartilhado com Gal Costa, trazia a canção “Onde eu nasci passa um rio”. Provavelmente, uma referência ao Rio Subaé, que nasce na Bahia e passa por Santo Amaro da Purificação, terra natal do músico. Nos versos, o artista canta que o rio “passava dentro de mim” e “o rio da minha terra deságua em meu coração”.
 
Em “A Terceira Margem”, conto de Guimarães Rosa publicado no livro “Primeiras Estórias” em 1962, um homem abandona tudo para viver sozinho em uma canoa no meio do rio, “rio abaixo, rio a fora, rio a dentro – o rio”. Homem e rio se fazem um só, se navegam em comunhão profunda, criando uma terceira margem que supera as fronteiras e é como uma promessa de vida.
 
Mas, no descompasso da modernidade, humanos e rios muitas vezes se desentendem. A maioria de nós perdeu a possibilidade da comunhão que poderia acontecer, diante do desejo contínuo de dominar a natureza com um modelo de desenvolvimento predatório e excludente. Ainda assim, os rios permanecem como seres capazes de existir em seus próprios termos. A pergunta é: podemos reaprender a ouvi-los? Podemos criar afetos a ponto que deságuem em nossos corações, como na música de Caetano?
 
Sem nenhuma aspiração romântica, mas em um desejo de exercitar o amor como ética e dimensão pública, talvez possamos.
 
A crise hídrica, a emergência climática e o desprezo estrutural pela vida, que nos rondam de perto, tornam urgente e condicionante para nossa existência estabelecermos outras relações com todos os seres, com seres-rios, seres-plantas, seres-montanhas, seres-humanos, seres.
 
Na abundância das águas doces brasileiras, persistem visões equivocadas de que temos mananciais inesgotáveis, que nunca vão acabar. No racismo que transborda em nossa sociedade, desprezamos a oportunidade de ouvir Oxum, a orixá que reina sobre as águas doces, considerada a senhora da beleza, da fertilidade, da riqueza e da sensibilidade. Perdermos a oportunidade de nos aliar às insurgências indígenas que enxergam um Brasil com rios livres, limpos e prontos para a festa, a brincadeira, o lazer.
 
O pensador Luis Antônio Simas diz que o contrário da vida não é a morte, mas o desencantamento. Precisamos então nos encantar mais uma vez, em defesa da vida.
 
O Rio Araguaia, goiano de nascença, traça a divisa entre Xambioá (TO) e São Geraldo do Araguaia (PA). Uma vez em Xambioá, nos fins da década de 2000, em um calor de 42 graus, avistei no rio um grande barco chamado Titanic. Pergunto sobre o nome e sobre a embarcação. Descubro que nela aconteciam festas de tecnobrega, com todos a bordo no meio do rio. Me contam também sobre o barco rival, o Iceberg, que estava fora de atividade, pois afundara no norte brasileiro. Entre bregas, tecnos, o rural e o pop, no Araguaia o jogo virou a favor do Titanic.
 
Na contracorrente, também podemos reinventar e aprender a ser mais rio, a nos movimentar, a mergulhar e ascender, a encontrar novas margens, a deixar fluir e correr a vida. E, nesse navegar, poderemos vivenciar a estética, a política, a festa, a imagem, o som e o conhecimento que nascem nos rios, sempre olhando para o outro, para quem é de oxum, para quem tem medo do caboclo d’água, para os mal e bem assombrados.
 
É para aprofundar essas conversas e imaginar formas melhores de viver com os rios e reencantar o mundo que construímos o Seres-Rios Festival Fluvial, que acontece de 2 a 10 de agosto de 2021, on-line e aberto, para todas e todos.


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