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Responsabilidade do administrador

A parte mais relevante de inadimplentes é composta pelos que querem pagar, mas não têm condição


postado em 03/12/2019 04:00


Virgínia Afonso de Oliveira Marais Rocha
Advogada criminalista, especialista em direito público, mestre pela Faculdade de Direito Milton Campos, doutoranda em direito, professora da Faculdade de Direito Milton Campos, conselheira fiscal na Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro) e coautora da obra Responsabilidade tributária, penal e trabalhista dos administradores de pessoas jurídicas

Empreender no Brasil é tarefa árdua e exige do empreendedor uma gama de cuidados extraordinários que visam proteger seu patrimônio e salvaguardar seus interesses pessoais, separando-os da pessoa jurídica que administra. 

Na esfera trabalhista, o direito do trabalho vem sofrendo significativas alterações, não só no campo do direito objetivo, em razão das reformas e minirreformas trazidas pelos novos governantes, mas também em relação ao direito subjetivo, posto que tem havido forte modificação na natureza das relações do trabalho, como, por exemplo, a "uberização" do trabalho, que demanda uma nova ótica sobre a antiga forma de executar tarefas em favor de outrem. Nesse giro, é extremamente oportuna uma obra que reúne o pensamento de três colegas de doutorado e que, portanto, estão no centro do que há de mais moderno em termos de debates jurídicos, para trazer elementos      atuais sobre a responsabilidade tributária, penal e trabalhista do administrador. 

Em relação à esfera criminal, tornaram-se inúmeros os exemplos de denúncias oferecidas contra sócios e/ou ocupantes de cargos diretivos em empresas, meramente em razão da posição ocupada. A atualidade, marcada pela atividade comercial exercida por meio de sociedades complexas, não mais se satisfaz com o regramento do antigo direito penal, exigindo o aperfeiçoamento das teorias existentes no tocante à autoria delitiva, o que se tornou cristalino a partir do julgamento da AP 470 (mensalão). 

No campo tributário, o Supremo Tribunal Federal deve definir se a simples falta de pagamento de um tributo pode ser um crime. Entre sonegadores lombrosianos e empresários em dificuldades, o que fazer com os inadimplentes estratégicos?

No julgamento do HC 399.109, o Superior Tribunal de Justiça considerou que punir o não pagamento do ICMS com a pena privativa de liberdade funcionaria como um mecanismo eficiente para incentivar o contribuinte a recolher, pontualmente, os valores devidos.

Há quatro tipos principais de inadimplentes tributários: o sonegador lombrosiano, o empresário em dificuldades, o inadimplente estratégico e o objetor de consciência. Colocaremos este último de lado. 

Tendente a aceitar riscos desproporcionais, o sonegador lombrosiano, conscientemente, burla suas obrigações fiscais via ocultação, dissimulação ou fraude. Trata-se de um criminoso, no sentido legal do termo.

Já o empresário em dificuldades vive uma situação comum, ordinária a qualquer pessoa que tenha se proposto a empreender. A ruína empresarial não deveria acarretar riscos à vida nem à liberdade do indivíduo.

Tratar o inadimplente estratégico exige mais esforço. O inadimplente estratégico tende a aceitar riscos maiores para "jogar" com o sistema, de modo a permanecer no limiar entre a legalidade e a ilegalidade. A rigor, a conduta do inadimplente estratégico é lícita. Porém, devido à intensidade quantitativa ou qualitativa, o conjunto das condutas acaba por atrapalhar as pretensões do erário e de outros contribuintes, pelo caminho da concorrência desequilibrada. Para enfrentar a ambivalência, criaram-se algumas soluções, como a teoria dos "Ilícitos atípicos" de Atienza e Manero, com a qual punem-se violações de princípios, e não apenas de regras. A solução é imperfeita, por criar seus próprios desafios, mas certamente é menos prejudicial do que a criminalização proposta pelo STJ.

A criminalização mira o inadimplente estratégico, erra o sonegador lombrosiano e acerta o empresário em dificuldades.

O Brasil tem uma grande taxa de mortalidade precoce das empresas, segundo estudo do Sebrae. A carga tributária em moeda e em trabalho para atender às exigências fiscais também é muito alta, batendo recordes mundiais, de acordo com pesquisas do Banco Mundial. Além das disfuncionalidades legais, provavelmente boa parte do insucesso empresarial possa ser debitado à falta de profissionalismo e de preparo dos candidatos a empreender. Podemos conjecturar que a parte mais relevante de inadimplentes é composta pelos que querem pagar, mas não têm condição, e se encontram na situação diabólica, desesperadora e sem solução de deixar de pagar, e ir à prisão, ou deixar de declarar, e também ser conduzido às "masmorras medievais".

Ao afetar os empresários em dificuldade, especialmente aqueles avessos ao risco, a criminalização do inadimplemento cria incentivos para que o indivíduo deixe de empreender, ou para que assuma cautelas desproporcionais para fazer frente a uma consequência extraordinária, a prisão, para uma situação ordinária, o inadimplemento. Também abre-se margem ao by-pass favorito da nação, o jeitinho, ainda que virtuoso, para corrigir o erro no desenho da política de combate ao inadimplemento.

Faria mais sentido e seria mais eficiente desenhar um modelo para abordar o quadro específico do inadimplente estratégico, sem sacrificar o empresário em dificuldades num suposto altar do interesse público e da alegada defesa à concorrência.


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