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Estado de Minas Ensino superior

Corte ou bloqueio? Por que universidades federais temem asfixia financeira

Retenção de recursos pela União mobiliza reitores, que afirmam não ter como honrar seus compromissos. MEC promete liberação, mas só em dezembro


07/10/2022 04:00 - atualizado 17/10/2022 17:05

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Câmpus Pampulha da UFMG, maior federal de Minas Gerais: Reitoria afirma que bloqueio afeta compromissos que precisam ser honrados de imediato (foto: Fotos: Maicon Costa/EM/D.a press)


Isabela Bernardes e Maicon Costa

A dois meses do fim do ano letivo e em pleno período eleitoral, o orçamento das instituições federais de ensino superior brasileiras entrou no centro de debate político, com o anúncio de retenção de verbas que mobilizou reitores país afora e levou a desmentidos do Ministério da Educação (MEC) e do próprio presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), em campanha pela reeleição. Parte de um longo histórico de contingenciamentos (veja quadro), o bloqueio desta vez chegou ao percentual de 5,8% do orçamento anual para a educação universitária, envolvendo R$ 328,5 milhões. O MEC sustenta que a ação representa apenas um “limite temporário” para uso do dinheiro, que pode ser liberado até dezembro, segundo a pasta. Porém, gestores de universidades mantidas pela União temem paralisação de atividades por falta de recursos.
 
O decreto determinando o contingenciamento foi assinado na última sexta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A mais recente alteração representa um total de R$ 763 milhões retirados das federais somente neste ano, segundo cálculos da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
 
Mas, de acordo com o ministro da Educação, Victor Godoy, não há motivos para acreditar que a ação represente um corte. “O que aconteceu foi um decreto publicado no sábado que traz um limite temporário na execução dos recursos públicos. E isso foi feito porque nosso governo tem responsabilidade fiscal. Nós não queremos que o nosso país tenha a gestão que foi feita no passado, em que o governo gastou muito mais do que era arrecadado e afundou nosso país em dívidas”, disse em vídeo publicado nas redes sociais.
 
Em visita a Belo Horizonte, o presidente Jair Bolsonaro (PL), fez coro e negou o corte. “Chama-se contingenciamento. Eu tenho que seguir a Lei de Responsabilidade Fiscal. O repasse de recurso é em função da entrada de receita. Então, o que foi adiado até dezembro, é uma pequena parcela”, disse.

CONTAS A PAGAR Apesar da negativa do governo federal, reitores das federais estão preocupados com o fechamento do ano. Cada instituição tem suas diretrizes; entretanto, todas se encontram em situação semelhante, após longo histórico de cortes e bloqueios de verbas, segundo o presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Marcelo Fonseca.
 
“As universidades vêm sofrendo do ponto de vista orçamentário há vários anos. É necessário que voltem a ser valorizadas. Na pandemia, as instituições tiveram um papel imenso. Precisamos dessa revalorização em dois níveis: o orçamentário e simbólico”, defende.
 
Embora o MEC afirme que os valores têm previsão de liberação em dezembro, os prazos para licitações e compras preocupam, já que restarão menos de quatro semanas para tratar toda a questão financeira que deveria ser administrada a partir deste mês de outubro. Além disso, ainda há incerteza entre os reitores quanto ao desbloqueio efetivo do dinheiro.
 
“Como é que vamos conseguir nos manter em outubro e novembro sem dinheiro? Houve esse contingenciamento e, no anexo do decreto, há informação de desbloqueio em dezembro. ‘Há perspectiva de liberação dos limites estornados em dezembro’, segundo o texto. Isso nos assombra, porque precisamos da certeza. As universidades têm compromissos que devem ser cumpridos nesse tempo”, afirma Fonseca.
 
A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), afirmou, em nota, ter sido “novamente surpreendida com a grave notícia de corte de orçamento na educação pelo governo federal”. Para Marcus David, reitor da instituição, esta é a maior crise na história das universidades brasileiras.
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Gestores de instituições mineiras afirmam que ações de ensino, pesquisa e extensão vão ter prioridade, mas dizem que normalidade está ameaçada

‘Não temos certeza de que esse recurso volte’

Na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), a reitora Cláudia Marliere afirma que os bloqueios de R$ 7,4 milhões feitos ao longo de 2022 afetam as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Mas, agora, há também uma enorme preocupação com os contratos de servidores terceirizados, que, se dispensados, vão aumentar o nível de desemprego.
 
A Ufop calcula que pode manter as bolsas de ensino, pesquisa e extensão, além do funcionamento do restaurante universitário, somente até dezembro. “Não vamos ter como aprovar nenhuma nova solicitação. Não poderemos mais fazer empenho para material de consumo, administrativo e acadêmico. Diárias e passagens de professores e técnicos administrativos para qualquer atividade acadêmica fora da universidade, também não.”
 
Marliere demonstra insegurança também quanto à real liberação das verbas em dezembro. “Este é o momento em que o governo libera recurso para fazer as licitações e contratações, mas fizeram exatamente o contrário. Não temos certeza se esse recurso vai voltar em 1º de dezembro, até mesmo porque não sabemos o motivo desse contingenciamento”, diz. “Mesmo se desbloquear em dezembro, não há tempo hábil para fazer tudo, porque demora cerca de três meses para fazer uma licitação, por exemplo”, completou.

‘INSUSTENTÁVEl’ O reitor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Demetrius David da Silva, afirma que o mais recente bloqueio, somado a outros cortes promovidos apenas neste ano, representa R$ 7,9 milhões a menos para manutenção das atividades de ensino, pesquisa e extensão. “Os cortes e bloqueios realizados pelo governo federal nos últimos anos já impuseram uma série de adaptações e ameaçaram a continuidade dos serviços prestados à população e ao país. Agora, a situação, tanto para a UFV quanto para outras universidades federais, é insustentável.”
 
Segundo Demetrius, os impactos serão sentidos de forma imediata, assim como nas outras universidades federais.“Os cortes afetam todas as áreas da universidade, e, sem dúvida, o funcionamento está ameaçado. Esse novo cenário anuncia o sucateamento dos serviços prestados pela universidade e a proximidade de paralisação das atividades”, conclui.

HISTÓRICO Em comunicado oficial, o reitor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Valder Steffen Júnior, informou que os cortes resultam em graves dificuldades no cumprimento das metas planejadas pela instituição. “A UFU terá, portanto, problemas para honrar os compromissos financeiros previamente assumidos com fornecedores e prestadores de serviço, bem como na oferta de novas bolsas de ensino, pesquisa e extensão. Cabe ressaltar que houve, a partir de 2016, uma redução média no orçamento discricionário (custeio e capital) de R$ 21 milhões por ano.”

Reitora da UFMG diz não ter verba ‘para mais nada'

Na maior instituição federal de Minas, a informação sobre o contingenciamento encontrou finanças já abaladas por retiradas de recursos. A professora Sandra Regina Goulart Almeida, reitora da Universidade Federal de Minas Gerais, destaca que a situação atual representa um bloqueio em cima de um corte de R$ 16 milhões, ocorrido em maio. “O valor do bloqueio é de R$ 12 milhões no caso da UFMG. A diferença é que o corte não vai ser restituído, não há essa possibilidade. O bloqueio pode ser revertido”, afirma.
 
De acordo com a reitora, embora os valores possam ser desbloqueados em dezembro, os compromissos da UFMG precisam ser honrados em outubro e novembro. “Esse é um bloqueio que incide diretamente nas contas da universidade agora, não é para dezembro.”
 
Segundo Sandra Goulart, os cortes afetam todas as áreas da UFMG, das atividades mais básicas às bolsas de pesquisa. “Hoje, não tenho verba para absolutamente mais nada. Vai impactar em pagamento de água, de luz, das empresas terceirizadas, em assistência estudantil, cursos de graduação que precisam fazer trabalho de campo... Não há recurso para isso”, completou.
 
Neste mês, os alunos com bolsa de assistência estudantil ainda vão receber os valores relativos a setembro, porém não há perspectiva para os pagamentos de novembro. A reitora afirmou que, para manter a universidade funcionando, terá de escolher onde investir os recursos que sobraram. “Temos priorizado as ações de ensino, pesquisa e extensão da universidade e a assistência estudantil. Mas temos cortado em outras áreas. Nossa mão de obra está aquém do necessário, porque não temos condição de terceirizar.”
 
Apesar da ameaça de asfixia financeira, a gestora afirma que a UFMG não pode e não vai parar. “Nós temos uma responsabilidade e a gente espera que esse bloqueio seja revisto em nome do futuro do nosso país”, finaliza.

SONHOS AMEAÇADOS Aluno do curso de física e beneficiário de assistência estudantil na UFMG, Luiz Henrique do Carmo demonstra preocupação com a continuidade da graduação. “Preciso de auxílio para continuar na faculdade, e é um pouco desesperador para meus familiares. Sou a primeira pessoa da família a entrar em uma universidade e posso ter de sair por causa desses cortes.”
Uma aluna de medicina que preferiu não se identificar falou sobre o impacto dos cortes na vida acadêmica. “Há muito temor. Eu, que nem sou de Belo Horizonte, preciso muito do auxílio estudantil para me manter aqui. O bloqueio ameaça a minha estada e a continuação no curso.”
 
O temor dos alunos se estende ao pessoal que presta serviços nos câmpus. Ouvido pelo Estado de Minas, um dos seguranças da UFMG, contratado por uma empresa terceirizada, afirma estar inseguro. “Precisamos do nosso emprego, de cuidar da nossa família, temos que colocar comida dentro de casa. Tememos atraso de salário, perder o tíquete-alimentação...”



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