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Estado de Minas

Nascida na prisão, mulher é presa 22 anos depois pelo mesmo motivo que a mãe

Paloma Alves foi o primeiro bebê a nascer no sistema carcerário brasileiro. Hoje, está na cadeia pela segunda vez por roubo e drogas, mesmos crimes cometidos pela mãe


postado em 03/11/2013 00:12 / atualizado em 03/11/2013 09:06

Paloma cumpre pena por assalto à mão armada e está prestes a progredir para o regime semiaberto(foto: Iano Andrade/CB/D.A Press)
Paloma cumpre pena por assalto à mão armada e está prestes a progredir para o regime semiaberto (foto: Iano Andrade/CB/D.A Press)

Iniciada com a Constituição Federal, a vida de Paloma Alves Silva poderia ser um presságio da sociedade igualitária prevista na nova lei. Mas a chegada do bebê de cabelos claros e olhos vívidos, em 19 de outubro de 1988, marcou o princípio de uma outra história, que começa na ala destinada a mulheres presas no Distrito Federal, dentro do Complexo Penitenciário da Papuda, hoje desativada. Ela é a primeira criança nascida no sistema carcerário da capital de que se tem registro. Agora, 25 anos depois da noite em que veio à luz dentro de um camburão, no trajeto da cadeia para o hospital, Paloma voltou para trás das grades, tornando-se uma das 690 detentas do presídio feminino. Como se determinada pela genealogia, a trajetória da jovem vem marcada por falta de referência familiar, pai desconhecido, interrupção dos estudos, gravidez precoce, prostituição, drogas e vida na rua.


“Às vezes, penso até que foi por força do destino eu ter nascido aqui e, agora, voltar. Tipo coisa ruim, de geração para geração. Mas a gente colhe aquilo que planta. Eu decidi pelo errado”, diz Paloma, na segunda condenação, por roubo à mão armada. A primeira prisão, de 2007 a 2010, foi por tráfico de drogas. Mesmo crime que levou a mãe, Francisca Alves Silva, à cadeia também por duas vezes. Pouco tempo depois de sair da última passagem pelo cárcere, ela morreu, no fim da década de 1990, de enfisema pulmonar, quando Paloma tinha entre 9 e 10 anos. Para reconstruir a figura materna, a garota soma as poucas lembranças aos relatos de detentas que conviveram com Francisca no presídio. Pelo menos três mulheres, reincidentes no sistema prisional, reconheceram Paloma nos corredores gradeados.

Os detalhes do nascimento da jovem se perdem em informações conflitantes na cadeia. A história que o presídio conta sobre ela remonta a uma situação bem diferente da atual. “Agora, tem uma parte especial para as grávidas. Naquela época, pelo que contam, eu virei uma campanha para o governo construir um espaço para os bebês. É o que dizem, não tenho certeza”, relata Paloma. A imprecisão em relação à própria existência que mais incomoda a garota é o anonimato do pai. “Quem sabe ele não poderia ter sido um porto seguro para mim?”, pergunta.

FAMÍLIA Paloma é a do meio em um grupo de sete irmãs. Só ela nasceu no presídio e foi a única a virar criminosa. Quando saiu da cadeia com a mãe, ainda bebê, passou a ser criada pela avó materna, parentes e conhecidos. Foi no início da adolescência, quando saíram da Ceilândia para Samambaia, sob os cuidados da avó, que Paloma experimentou as primeiras drogas. Uma escalada rápida: maconha, cocaína, merla. Por volta dos 15 anos, passou a fazer programas e morar na rua.

Pesava 44 quilos quando foi presa, por roubar uma maleta na Asa Sul empunhando um revólver emprestado de um bandido que cobra “porcentagem”. Hoje, diz estar com 58 quilos. A violência das ruas é capítulo constante na vida da jovem. As histórias vêm das pessoas que a acolhiam em estado macabro: suja, roxa, ensanguentada. Maria do Socorro Alves Machado, mãe de uma das melhores amigas de Paloma da época da adolescência, tem recordações devastadoras. “Ela chegava muito machucada à minha porta. Eu sempre deixei que tomasse banho, vestisse uma roupa limpa, comesse. Passava alguns dias bem, aqui com a gente, mas logo ia embora”, conta Socorro.

A casa que recebia a garota esporadicamente virou o lar do filho de Paloma. Grávida com 17 anos e morando na rua, ela deu o menino para Socorro criar quando ele tinha três meses. Hoje com 7 anos, ele sabe que a mãe está na cadeia. “Nós não escondemos nada. Ele foi criado conosco, me chama de mãe e ao meu ex-marido de pai, temos a guarda. Deixei-o ir visitá-la, na primeira prisão dela, mas não permito mais, é muito forte para uma criança”, explica Socorro.

MULHERES ENCARCERADAS A menina que nasceu no presídio e, depois de adulta, retorna como detenta significa mais do que a repetição de uma tragédia familiar. Paloma Alves Silva, cuja história o Estado de Minas revela, não está sozinha. É personagem de um fenômeno demográfico no Brasil: a feminização das cadeias. Na última década, a taxa de crescimento de mulheres encarceradas no país explodiu, chegando a 240%, de 2002 a 2012, o dobro do aumento da presença dos homens no mesmo período, de 124%. Duas em cada cinco presas foram condenadas por tráfico de drogas, repetindo um roteiro traçado por Paloma, que inclui a vivência no mundo paralelo da rua. A maioria tem de 20 a 35 anos, escolaridade precária e média de dois filhos menores de 18 anos.

O salto expressivo da presença delas nas prisões – eram 10 mil mulheres em 2002, hoje são 35 mil – não veio acompanhado de condições dignas para as necessidades específicas da presa. Todo o sistema conta com apenas 15 médicos ginecologistas, equivalente a um profissional para cada 2.335 mulheres, de acordo com dados apresentados recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça. Ainda segundo o órgão, 30% dos quase 80 estabelecimentos femininos não têm creches ou berçário, ao contrário do que determina a Lei 11.492/2009. O último levantamento do Departamento Penitenciário Nacional, de dezembro passado, registrou 166 crianças vivendo dentro das prisões.

 


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