Brasília – Com estrutura pronta para modernizar as investigações no Brasil, o banco nacional de DNA de criminosos já poderia ter apontado os autores de diversos delitos. A ferramenta, considerada uma aliada poderosa da polícia e amplamente usada no exterior, no entanto, esbarrou na caneta da presidente Dilma Rousseff. Falta apenas a assinatura dela no decreto que regulamenta a lei de criação do cadastro nacional de DNA, para que o primeiro material genético de um acusado de crime sexual, recolhido em Belo Horizonte, integre o banco. O texto da regulamentação está parado desde dezembro na Casa Civil, que não sabe informar o motivo da demora. Enquanto isso, o país assiste a uma escalada da criminalidade.
Enquanto o decreto não sai, pouco adianta a atitude pioneira de uma juíza de Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que determinou a coleta de material biológico de Márcio Faria Lacerda, acusado de assédio sexual, com base na lei que criou o banco de DNA. A Polícia Civil de Minas Gerais já identificou o perfil genético do homem. “Hoje, posso comparar o perfil dele com material de uma vítima, por exemplo, durante investigações. Mas não posso colocá-lo no banco nacional antes que o decreto saia”, ressalta a perita criminal Fabíola Soares Pereira, chefe do laboratório de DNA do Instituto de Criminalística mineiro.
Ela não menciona a identidade do criminoso, por questão de sigilo. Mas o Estado de Minas teve acesso ao processo de Lacerda, atualmente preso e com julgamento marcado para este mês. Para especialistas em segurança pública, a publicação das regras contidas no decreto é fundamental. A Polícia Federal informou, por meio de nota, que a coleta de DNA só se tornará rotina quando a lei for regulamentada. Pela legislação em vigor, é obrigatória a identificação genética de condenados por crimes hediondos ou crimes violentos contra a pessoa, como homicídio, extorsão mediante sequestro e estupro. Suspeitos também poderão ter o material biológico recolhido por determinação judicial.
Teste de saliva
Um simples cotonete passado na parte de dentro da bochecha é suficiente para que especialistas tracem o perfil genético de uma pessoa. Os detalhes do processo ainda precisam ser definidos. “Ainda não sabemos se será na hora da sentença, se o perito vai ao presídio para recolher (o material), se o preso vem à polícia. Vamos esperar a regulamentação para saber desses pontos mais específicos”, destaca Fabíola.
No Brasil, 15 estados estão com a estrutura pronta para fazer identificações genéticas e compartilhar os perfis no banco nacional. O FBI, a polícia federal americana, doou o mesmo programa de computador utilizado nos Estados Unidos, o Codis, aos institutos de perícia oficial brasileiros que quiseram receber o software. Roraima, Acre, Rondônia, Tocantins, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas e Sergipe são os estados mais atrasados na implantação do sistema: não têm sequer laboratórios de DNA.
O gerenciamento do banco de dados nacional ficará a cargo da Polícia Federal. Ou seja, ao longo de uma investigação, a polícia estadual pode incluir o DNA encontrado em cena de crime no sistema. A PF, por sua vez, fará o cruzamento da informação com outros perfis já cadastrados no banco e avisará aos investigadores locais caso encontre alguma coincidência. A ferramenta de combate ao crime — já utilizada em pelo menos 30 países desenvolvidos — é urgente para o Brasil, onde 5.312 pessoas sofreram algum tipo de violência sexual somente no primeiro semestre de 2012, de acordo com dados do Ministério da Saúde.
Um banco para evitar mais mortes
Brasília – Se o banco de DNA estivesse funcionando, centenas de vidas poderiam ter sido salvas e condenações equivocadas poderiam ter sido evitadas. Israel de Oliveira Pacheco continua sendo um estuprador para a Justiça. Por trás de um vidro espelhado, a vítima o reconheceu como seu algoz, levando-o à condenação de 13 anos e 6 meses de prisão, em 2008. Um exame de DNA, porém, mostrou, depois da sentença, que o material encontrado no local do crime não era do acusado. O perfil coletado na roupa de cama da vítima coincidia com o encontrado em outros dois estupros, que tinham Jacson Luís da Silva como um dos suspeitos.
Confrontando o DNA dele com o colhido no local do crime atribuído a Israel, não deu outra. Jacson foi apontado como o verdadeiro autor. O processo de revisão criminal para que o Judiciário reconheça o erro e liberte Israel, hoje em regime semiaberto, foi ajuizado em julho de 2012. “É um absurdo essa demora. O rapaz tinha 21 anos quando foi condenado”, comenta Maria de Fátima Záchia Paludo, corregedora-geral da Defensoria Pública gaúcha.
No caso de Maria Helena Lopes Aguilar, o banco de DNA em funcionamento poderia ter salvo sua vida. Ela foi a terceira vítima de Marcos Antunes Trigueiro, conhecido como Maníaco de Contagem, município localizado na Grande Belo Horizonte, onde ele estuprou e matou cinco mulheres ao longo de 2009. Como Trigueiro já tinha passagem na polícia por um assassinato, o DNA estaria registrado no banco, se a lei estivesse em vigor na época. “Talvez minha mãe estivesse viva porque, na primeira vítima, a polícia saberia quem foi o criminoso, e isso, com certeza, ajudaria a localizá-lo”, lamenta Leandro Aguilar, um dos filhos de Helena. (RM)