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Estado de Minas LA PLATA

Ex-combatentes nas Malvinas impulsionam julgamento contra militares argentinos por torturas


31/03/2022 14:40

Soldados enterrados na neve, outros amarrados a estacas pelas extremidades: "as metodologias da ditadura foram transferidas para as Malvinas", acusa o ex-combatente Ernesto Alonso, promotor de um julgamento contra soldados argentinos por torturarem camaradas durante a guerra com o Reino Unido.

"Infelizmente, a situação que ocorreu nas Malvinas em muitos casos foi estar entre dois inimigos", diz Alonso, 40 anos depois, em entrevista à AFP no centro de ex-combatentes CECIM em La Plata, sua cidade natal.

Com os depoimentos de dezenas de soldados, o CECIM abriu, em 2007, um processo contra soldados argentinos por tortura de suas próprias tropas durante a guerra.

"Foi sistemático. Não encontramos antecedentes do que vivemos nas Malvinas, para onde se transferiu o terrorismo de Estado. Lá, a vida de uma ovelha valia mais do que a de um soldado. Havia situações de fome. Houve soldados que morreram de fome", lembra o veterano.

"Testemunhei a morte de um soldado que recebeu a punição de dormir fora de sua posição e, uma manhã, encontramos o soldado entre as pedras, coberto por um poncho, quase congelado de convulsões. Ele não resistiu ao frio", relata.

- Em busca de justiça -

O processo tem cerca de 180 fatos denunciados e uma centena de soldados acusados, mas apenas quatro processados. O julgamento oral ainda não começou, à espera da decisão do Supremo Tribunal de Justiça sobre se considera essas torturas como crimes contra a humanidade.

Se o caso na Argentina não prosperar, os ex-combatentes continuarão buscando justiça nos tribunais internacionais, garante Alonso.

Os depoimentos coletados mostram a brutalidade das torturas.

"Eles nos colocavam de costas, faziam a gente abrir os braços em forma de um 'T' em relação ao corpo, e as pernas separadas amarradas com corda, com a neve e o frio. Todo corpo congelava", conta um ex-combatente.

Outro acrescenta: "Mandaram que eu fosse enterrado com outros três soldados em uma cova até o pescoço, sem casaco, sem capacete, por mais de dez horas sob temperaturas extremas e sem comida".

Nas Malvinas, a temperatura cai para seis graus abaixo de zero, com tempestades de ventos gelados, garoa, granizo, neve e geada noturna.

Alguns ex-soldados relataram terem sido forçados a comer excremento, a ficar sem capacete, ou proteção, sob as bombas britânicas, ou recebido choques elétricos.

A promotoria acrescentou ao expediente novas denúncias que analisam "a imersão em águas geladas como método de tortura e casos de abuso sexual em contexto de antissemitismo cometidos contra 24 vítimas", com 19 novos réus, com base em nova análise de crimes desclassificados documentos dos arquivos das forças armadas, segundo um comunicado desta quinta-feira.

Alonso tinha 19 anos e cumpria o serviço militar obrigatório quando, em 2 de abril de 1982, o ditador Leopoldo Galtieri enviou tropas para invadir as Ilhas Malvinas. Ocupadas pelo Reino Unido desde 1833, sua soberania era reivindicada pelos argentinos.

Dez dias depois, o jovem desembarcava no arquipélago, a 2.000 km de sua casa, junto com o 7º Regimento de Infantaria de La Plata.

Sua companhia passou 64 dias no Monte Longdon, palco de uma das batalhas mais sangrentas ocorrida alguns dias antes da rendição argentina, em 14 de junho do mesmo ano.

Foi ali que 33 dos 649 argentinos mortos durante o conflito perderam a vida. No retorno, não houve reconhecimento, nem assistência psicológica para os sobreviventes.

Pelo contrário, "fomos recebidos pelo pior aparato repressivo da ditadura (1976-1983) e nos impuseram silêncio. Isso causou um estrago terrível", avalia.

Mais de 600 ex-combatentes tiraram a própria vida após a guerra, quase o mesmo número daqueles que morreram nos 74 dias de conflito deflagrado pela invasão argentina.

Desde 2005, Alonso voltou às ilhas cinco vezes. Foi um dos promotores do processo de identificação das 100 sepulturas anônimas de soldados argentinos no cemitério de Darwin, nas Malvinas.

Ele diz se orgulhar daqueles garotos de 20 e poucos anos que, com muito pouco treinamento militar, armas inadequadas e roupas precárias, lutaram contra as profissionais Forças Armadas britânicas.

Alonso não quer, porém, "ficar ancorado" no conflito armado. "As Malvinas são muito mais do que uma guerra", ressalta, ao reivindicar a soberania argentina.

"As Malvinas estão no DNA identitário de todos os argentinos e, com certeza, a ditadura soube tocar esse DNA. Por isso, todas as contradições da sociedade da época", reflete ele, ao comentar o apoio popular que Galtieri recebeu para a recuperação das ilhas, apesar do crescimento, em 1982, da rejeição à ditadura e a sua política econômica.

Embora critique "a aventura bélica" do ditador, Alonso também lamenta que a Argentina continue "cerceada, em sua territorialidade, por uma presença colonial" que se fortaleceu em 1985 com a instalação de uma base militar britânica nas Malvinas.

Segundo ele, essa área militar "abriga mais de 3.000 tropas que ameaçam não só a paz da Argentina, mas da região".


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