Com um Chile que não supera a crise social de 2019 e em meio à pandemia do coronavírus, as autoridades endureceram seu discurso de imigração, antes solidário e receptivo aos trabalhadores estrangeiros.
Embora as autoridades chilenas comemorem que desde a deportação em fevereiro a entrada clandestina na fronteira com a Bolívia caiu 92%, o drama continua com um fluxo migratório que gera hostilidade entre os chilenos.
A busca por rotas cada vez mais inóspitas pelos "caminhantes" se deve às fronteiras militarizadas e às restrições que prevalecem na maioria dos países da América do Sul devido à pandemia.
"Durante a pandemia coexistiram discursos públicos de boas-vindas da população migrante e discursos que a estigmatiza", disse à AFP Felipe Gonzáles Morales, Relator Especial para os Direitos Humanos dos Migrantes no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Venezuelanos que caminham para o Chile têm sido alvo de rejeição aberta desde que os migrantes foram deportados.
Dois dias após a deportação, o chanceler chileno Andrés Allamand anunciou que as vacinas da covid-19 seriam apenas para chilenos e residentes legais, algo que o próprio governo corrigiu em poucas horas.
"Eles devem estar muito desesperados para chegar a esses lugares com seus filhos nos braços, mas o Chile não está bem, não temos como atendê-los. Eles não vão nos dar vacinas", declarou Pedro Pérez, de 44 anos, à AFP.
- Dois pesos duas medidas -
Em 22 de fevereiro de 2019, o presidente Piñera disse aos opositores do governo venezuelano em Cúcuta (Colômbia), em evento organizado pelo bilionário britânico Richard Branson: "Não pode haver nada mais cruel do que um governo que nega e fecha as estradas para a ajuda humanitária de que seu povo tanto precisa".
Poucos meses depois, o Chile anunciou a criação de um Visto de Responsabilidade Democrática (VRD) para os venezuelanos, válido para entrar e morar no país por um ano, e com o qual buscou facilitar a regularização dos migrantes.
Quase um ano depois, porém, a renovação do ARV foi negada sob pena de multa ou deportação, segundo depoimento confirmado pela AFP.
"Que diferença com a atitude do Governo do Chile, que acaba de expulsar muitos venezuelanos, esquecendo a generosidade com que a Venezuela democrática recebeu chilenos que fugiam da ditadura de Pinochet", escreveu o peruano Mario Vargas Llosa em coluna recente.
Segundo dados da Relações Exteriores, até dezembro, 21% dos 164.908 pedidos de ARV feitos pelos venezuelanos desde 2018 foram atendidos.
"Há um duplo padrão porque na tribuna internacional diante do mundo, a Autoridade faz uma declaração muito poderosa e muito clara e no nível local os impede de usar precisamente a Lei do Refúgio" , Ressalta Macarena Rodríguez, presidente do conselho de administração da SJM.
Piñera reafirmou em janeiro que seu governo busca ordenar e combater a imigração ilegal para impedir a entrada de pessoas que não cumprem as leis ou "contribuam para o desenvolvimento do Chile".
SANTIAGO