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Estado de Minas

O homem na lua: um marco na história das 'fake news'

Celebrações do 50º aniversário da missão do foguete Apollo 11 são cercadas de produção de informações de que o homem não pisou na Lua


postado em 19/07/2019 08:31 / atualizado em 19/07/2019 10:27

Faz 50 anos que um homem pisou a lua pela primeira vez(foto: PXHere)
Faz 50 anos que um homem pisou a lua pela primeira vez (foto: PXHere)

Milhões de pessoas no mundo estão convencidas de que o homem não pisou na Lua em 1969 e de que as imagens da Nasa foram gravadas em um estúdio de Hollywood.


Um boato que perdura e que antecede e é um marco na história das "fake news".


Bastam alguns cliques para encontrar milhares de sites na internet que questionam a realidade da missão de Apolo 11.


Se recorre a argumentos variados para justificar este postulado: a Nasa é incapaz dessa façanha tecnológica, a missão não tinha seres humanos, nenhum homem teria sobrevivido às radiações durante a viagem, e mesmo ideias mais extravagantes como a de que as autoridades deveriam dissimular a descoberta de uma civilização lunar.


Todas essas ideias se baseiam no mesmo: supostas anomalias detectadas nas fotos e nos vídeos da Nasa.


A luz e as sombras das imagens? Suspeitas. A ausência de estrelas? Prova de manipulação. Assim como a bandeira fincada por Neil Armstrong que parece ondular, apesar de somente haver atmosfera na Lua.


Embora a comunidade científica tenha refutado com provas todas essas teorias, inclusive com imagens do local de pouso tomadas em 2009, o mito de uma grande mentira continua vivo, e 'in crescendo'.


Em 1969, menos de 5% dos americanos duvidavam da veracidade da missão, uma porcentagem que aumentou para 6% segundo uma pesquisa realizada pela Gallup em 1999. Em 2009, eram 25% dos britânicos interrogados por TNS que não acreditavam nesse evento e 57% dos russos pesquisados por Vtsiom em 2018.

Neil Armstrong, o primeiro astronauta a pisar na lua, morreu em 2012(foto: HO / AFP)
Neil Armstrong, o primeiro astronauta a pisar na lua, morreu em 2012 (foto: HO / AFP)
 


Anestesiando a reflexão


Por que essa façanha atrai tantos céticos? Devido à sua importância, explica à AFP Didier Desormeaux, coautor de um livro sobre teorias do complô ("Le complotisme, décrypter et agir"). "Este episódio da conquista espacial é um dos maiores marcos da humanidade, questioná-lo faz tremer os fundamentos da ciência e do domínio do homem sobre a natureza", argumenta.


Diferente de outros eventos históricos que também são objeto de teorias da conspiração, como o assassinato do presidente John Fitzgerald Kennedy em 1963 - cujo fato ninguém discute, mas, sim, suas circunstâncias-, a chegada à Lua se questiona em sua totalidade.


Com Apolo 11, "se trata da primeira teoria complotista que se constrói completamente mediante uma reinterpretação visual de um fato da atualidade: se denuncia uma encenação", segundo Desormeaux.


Há outras: como as matanças em escolas americanas ou o atentado contra o semanário satírico Charlie Hebdo em Paris em 2015, taxadas de ficções com atores, acrescenta.


"A imagem anestesia a capacidade de reflexão", defende este especialista para explicar este tipo de raciocínio.

Vietnã e Watergate


Essa negação da realidade "não deveria nos surpreender", explica Roger Launius, ex-historiador oficial da Nasa em sua obra "Apollo's Legacy".


"Os conspiracionistas exploram um vasto filão que mescla a desconfiança em relação às instituições, as críticas populistas, os questionamentos sobre a criação do saber e a crítica às ciências", segundo Launius.


Seu sucesso se deve ao fato desses rumores jogarem com "nossos medos mais profundos". Nos Estados Unidos, se alimentam também da perda de confiança que se iniciou com a guerra do Vietnã mais tarde com o escândalo Watergate, e no exterior, por um sentimento antiamericanista.


Além disso, "a força de semelhante teoria é que sobrevive a tudo, pois se converte em uma crença acompanhada de proselitismo, com uma difusão sem fim", segundo Desormeaux.


Outro fator: "A mídia em particular alimentou as dúvidas com a passagem dos anos", lamenta Lanius. Ele lembra por exemplo que a Nasa, que se havia resistido durante anos a comentar as teorias da conspiração, teve que mudar de posição depois que um programa do canal Fox em 1978 as popularizou.

 

Febre lunar está de volta

 

Cinquenta anos após o primeiro passo do Homem na Lua, o satélite natural volta a atrair o interesse da comunidade espacial, com os Estados Unidos e a China ambicionando enviar humanos para lá em 2024, enquanto se multiplicam projetos públicos e privados de exploração robótica.


"A Lua é o único destino planetário que podemos ver com nossos olhos, sem que seja apenas um ponto brilhante", ressalta David Parker, diretor de exploração da Agência Espacial Europeia (ESA). Ele gosta de se referir ao satélite como um "oitavo continente da Terra", apesar de ninguém ter pisado em seu solo desde 1972.


O novo interesse pela Lua é explicado "em parte pelos avanços tecnológicos, que permitem considerar missões muito mais baratas do que no passado, incentivando vários atores a trabalhar em projetos", explica Jean-Yves Le Gall, chefe da agência espacial francesa CNES.


Ele cita "países com a ambição de enviar missões tripuladas, principalmente a China e os Estados Unidos, que dizem 'se os chineses forem lá, devemos ir também'".


Os americanos, especialmente os republicanos, querem "continuar sendo os primeiros", diz Xavier Pasco, diretor da Fundação para Pesquisa Estratégica em Paris.


Em outubro de 2003, o envio pela China do primeiro taikonauta ao espaço fez com que o governo americano ficasse ciente do surgimento de um novo concorrente neste setor. O presidente George W. Bush respondeu em janeiro de 2004 com a promessa de um retorno à Lua até 2020.


Dados os custos e atrasos significativos do programa, chamado Constellation, seu sucessor Barack Obama encerrou o projeto em 2010, preferindo concentrar os esforços da Nasa na preparação da jornada do Homem até Marte na década de 2030.

"Passo a passo"


Após a eleição de Donald Trump em novembro de 2016, os círculos espaciais americanos estão pressionando por um retorno do voo tripulado para a Lua.


"Para Donald Trump, o espaço é basicamente uma demonstração do poder americano. Ele sabe que pode usá-lo para estimular seu eleitorado", estima Xavier Pasco.


Em 2017, o presidente assinou uma diretriz pedindo à Nasa que preparasse o retorno dos humanos à Lua. Num primeiro momento a data de 2028 foi fixada. Mas em março passado, a Casa Branca acelerou o cronograma, exigindo que os astronautas americanos aterrissem na Lua em 2024.


Enquanto isso, a China avança metodicamente em seu programa espacial. Em janeiro, conseguiu pousar uma missão robótica, Chang'e-4, na face oculta da Lua.


"Em si, não foi grande coisa. Mas foi simbólico, porque nenhum país tinha feito antes e chamou a atenção de todo o mundo", admite John Logsdon, professor emérito no Instituto de Política Espacial da Universidade George Washington.


A China avança passo a passo, suavemente. Diz que planeja enviar um homem à Lua "em uma década".


No entanto, não assistimos a uma "corrida" entre os Estados Unidos e a China no campo do voo tripulado, como foi o caso entre Washington e Moscou na década de 1960, durante a Guerra Fria, consideram os especialistas entrevistados pela AFP.


Pequim está "ainda muito longe de um programa do tipo Apolo", observa Isabelle Sourbès-Verger, diretora de pesquisa do CNRS francês.


A administração americana "provavelmente supera a concorrência chinesa" por razões de política interna, analisa Xavier Pasco.

Calendário difícil de ser cumprido


Na ausência de meios financeiros, a Rússia não aparece em destaque na cena lunar, mesmo que desenvolva um programa de exploração robótica.


Ocupando o papel de parceiro, a Europa coopera neste programa lunar russo e também está fornecendo aos Estados Unidos o módulo de serviço da Orion, a espaçonave que será responsável pelo transporte de seus astronautas.


Até agora, apenas a Rússia, os Estados Unidos e a China conseguiram pousar dispositivos na Lua, a mais de 384 mil quilômetros de distância da Terra.


A Índia espera tornar-se a quarta: deve enviar uma missão em meados de julho, visando pousar um robô no começo de setembro.


Mas a Lua não é um destino fácil. Uma missão privada israelense não conseguiu pousar em abril.


E quando se trata de enviar pessoas, custa muito caro. Neste sentido, o Congresso americano está relutante em financiar um aumento do orçamento da Nasa indispensável para acelerar o calendário.


O objetivo de 2024 será ainda mais difícil de cumprir, já que o desenvolvimento do mega-foguete SLS está atrasado. Os empreiteiros espaciais, incluindo Elon Musk (SpaceX) e Jeff Bezos (Blue Origin), estão sendo chamados pela Nasa para ajudar a reduzir os custos das missões, mas as licitações ainda não foram finalizadas.


E o próprio presidente Trump parece brincar com os nervos da agência espacial, tendo recentemente tuitado que Marte seria finalmente mais interessante do que a Lua.


Mas as celebrações do 50º aniversário da Apollo 11 "serão uma oportunidade para reunir o apoio dos cidadãos americanos" a esta nova missão, acredita John Logsdon.

 



 


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