Os mexicanos reclamavam nesta terça-feira justiça pelo assassinato do jornalista Javier Valdez, especializado em crime organizado e colaborador da AFP há mais de uma década, cuja morte provocou uma onda de indignação.
Valdez foi baleado na segunda-feira ao meio-dia em Culiacán, capital do estado de Sinaloa (noroeste), perto dos escritórios do Ríodoce, o semanário que fundou em 2003 e que se converteu em uma plataforma a partir da qual narrou os estragos da violência e do narcotráfico. Também era correspondente do jornal mexicano La Jornada.
Ao longo de sua carreira, tornou-se num dos melhores cronistas sobre o narcotráfico e o crime organizado, temas sobre os quais publicou vários livros e que lhe valeram prêmios internacionais.
O jornalista será cremado em Culiacán, sua cidade natal, nesta terça-feira às 17H00 locais (20H00 de Brasília).
Sua morte elevou a cinco os repórteres assassinados durante o ano no México, o terceiro país mais perigoso do mundo para exercer esta profissão, segundo a Repórteres Sem Fronteiras (RSF).
Desde 200, mais de 100 jornalistas foram assassinados no México.
"Matam sem piedade, com impunidade. Até quando?", questionou o jornal Ríodoce. "Impunidade assassina", era o título do editoral do La Jornada.
O grêmio de jornalistas organizou manifestações e lançou nas redes sociais o movimento #UnDíaSinPeriodismo (UmDiaSemJornalismo).
No Anjo da Independência, emblemático monumento da capital mexicana, foram pintadas as palavras "Estão nos matando" e denunciaram que "a situação da vulnerabilidade da imprensa é insustentável".
"Cada jornalista assassinado é uma voz que se silencia e que prejudica a todos", afirmaram.
Ao final da tarde será realizada uma homenagem a Valdez em frente à sede da Secretaria de Governança.
As redes sociais foram inundadas pelas hastags #NiUnoMás, #NosEstánMatando e #NoseMatalaVerdadMatandoPeriodistas.
Pressão
O assassinato do jornalista aumenta a pressão sobre o governo de Enrique Peña Nieto para encontrar e julgar os responsáveis pelos assassinatos de jornalistas.
O presidente assegurou na segunda que ordenou "a investigação deste crime".
O diretor para a América Latina da RSF, Emmanuel Colombié, afirmou que "esta onda de violência evidência o estado de emergência em que se encontram os jornalistas mexicanos" e reiterou que "o governo mexicano debe atuar de maneira proporcional à gravidade da situação e reforçar os mecanismos de proteção dos jornalistas".
A Anistia Internacional denunciou que "este crime, como os demais, deve ser investigado de maneira independente e imparcial e todos aqueles suspeitos devem comparecer ante a justiça". Também acusou as autoridades de serem omissas aos assassinatos.
A AFP, por meio de sua diretora de informação Michele Leridon, lamentou o assassinato de Valdez, que sempre demonstrou extrema valentia.
"Pedimos às autoridades mexicanas que esclareçam este covarde assassinato", destacou Leridon.
'É perigoso estar vivo'
Valdez, de 50 anos e pai de família, dedicou grande parte de suas quase três décadas de carreira a investigar as atividades dos cartéis, em especial o de seu estado liderado há até pouco tempo pelo sanguinário Joaquín "El Chapo" Guzman.
Sua última colaboração com a AFP foi precisamente para informar sobre a guerra interna desencadeada desde a extradição de Guzmán entre várias facções que disputam a liderança da organização.
Ao longo de sua trajetória, foi consciente do perigo que corria, mas nada o deteve.
"Em Culiacán, Sinaloa, é perigoso estar vivo e fazer jornalismo é caminhar sobre uma invisível linha marcada pelos maus que estão no narcotráfico e no governo (...). Uma pessoa deve cuidar de tudo e de todos", disse em 2011, quando recebeu o Prêmio Internacional da Liberdade de Imprensa do Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ).
Durante uma das apresentações de seu último livro, "Narcojornalismo, a imprensa em meio ao crime e à denúncia", também reconheceu que "ser jornalista é como formar parte de uma lista negra. Eles decidirão, embora você tenha blindagem e escoltas, o dia em que vão te matar".
Valdez, que também ganhou o María Moors Cabot da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia (EUA), não havia dado sinais de estar ameaçado, como confirmou o procurador de Sinaloa.