Jornal Estado de Minas

NOVA MEDIDA

BH poderá ter nova ferramenta para denúncias de assédio sexual em ônibus

Belo Horizonte poderá ter até 2023 mecanismo para receber denúncia anônima de importunação sexual  dentro dos ônibus. A informação foi dada pelo diretor de Planejamento e Informação da BHTrans, Gustavo Kummer, durante a reunião do Observatório da Mobilidade, em 30 de junho. Hoje, a vítima tem como relatar o caso na hora que acontece, mas precisa se manifestar ao motorista, que aciona o botão do pânico.





O intuito é que as denúncias também possam ser feitas pela pessoa, por meio de um aplicativo, que está em desenvolvimento, segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). O objetivo é disponibilizar mais um mecanismo para denúncia de casos de importunação sexual, sem precisar da ajuda do motorista. 

Hoje, quando o botão é acionado, é emitido um alerta captado tanto pela coordenação do Centro Integrado de Operações (COP) quanto pela Transfácil, consórcio das empresas de ônibus. A BHTrans é responsável por mandar a localização do veículo onde ocorreu o assédio, que será interditado pela  Guarda Civil Municipal ou pela Polícia Militar que estiver mais próxima. Em média, esse processo tem ocorrido em apenas 10 minutos. 

‘Também é necessária uma mudança cultural’

Para Lívia de Souza, cientista política e pesquisadora na área de violência de gênero e saúde na Fiocruz-MG, esse novo mecanismo é muito importante, inclusive pensando em uma questão logística. “Não precisar avisar o motorista é uma boa alternativa, principalmente pela ausência de trocadores nos transportes coletivos, que poderiam auxiliar nesse processo. Afinal, é meio complexo pensar que, com o ônibus lotado, a mulher conseguirá comunicar o assédio, justamente por, em alguns casos, o agressor estar roçando nela”, disse. 





Ela também destaca a importância de pensar sobre a cultura da violência, para que a medida seja eficaz. “Estamos debatendo mais sobre a cultura do estupro, que também está ligada ao homem mostrar as partes íntimas no ônibus, se esfregar em mulheres e fazer comentários ofensivos. Além do mecanismo do botão, é preciso fazer campanhas sobre essa cultura, que, constantemente, vitimiza mulheres, é misógina e machista. Também é necessária uma mudança cultural”, afirmou. 

Conforme Lívia, divulgar essas ferramentas que combatem a importunação sexual é outra forma para não só encorajar a vítima, mas também aumentar o índice de denúncias. “Existe um desconhecimento por parte da população sobre a existência do botão do assédio. Então, divulgá-lo, por meio de informativos e conversas com as mulheres em pontos de ônibus, por exemplo, é uma solução”, ressaltou. 

Além disso, a cientista política explica que existe uma descrença institucional ligada à punição agressor. “A violência sexual é tão banalizada, atualmente, que a mulher talvez se sinta coagida em tomar uma atitude. Ao falar e se expor, ela acredita que não adiantará nada, pois nada ocorrerá com o autor do crime. Então, é preciso não somente tratar desse tema para que as vítimas chamem atenção para a violência, mas capacitar os motoristas para entenderem a importância da denúncia da mulher e formar uma rede de apoio”, afirmou. 





“Muitos casos de mulheres assediadas são vistos de forma jocosa, como se não fosse uma violência. Por isso, tornar consciente sobre o que é o assédio sexual, que não está somente ligada ao homem mostrar o pênis ou invadir o corpo da vítima de alguma forma, é imprescindível. Precisa existir uma compreensão sobre o que é violência verbal, pois chamar uma mulher de ‘gostosa’ na rua também é agressão”, disse. 

Apesar de acionado, número de denúncias é pouco significativo 

Desde a implementação em todos os ônibus da capital, em 2018, o botão do pânico foi acionado somente 71 vezes, sendo que 15 ocorreram em linhas que circulavam no polígono da região Central da capital mineira, segundo informações da Guarda Municipal. Além disso, o órgão afirmou que todos os acusados são do sexo masculino, e, dentre eles, 18% têm entre 20 e 30 anos, 31% têm entre 31 e 40 anos, 27% têm entre 41 e 49 anos e os últimos 24% têm mais de 50 anos. 

Lívia chama atenção para o baixo número de denúncias e afirma que se não houver uma sensibilização e divulgação da importância do assunto, para que a mulher saiba que o sistema irá protegê-la, a nova medida implementada pelo aplicativo não surtirá tanto efeito. 





“Temos consciência, pelas nossas redes sociais, dos casos de mulheres abordadas de alguma forma dentro do transporte público, mas desconhecem esse botão. Existem ainda muitos questionamentos em relação à violência contra a mulher, baseada na gravidade do caso. No entanto, qualquer ação que viola a vítima é muito grave. Não reduzindo a importância da nova tecnologia, mas se for tratada de forma isolada, ela terá baixa adesão”, contou.

Uma pesquisa de 2019 do Instituto Patrícia Galvão mostrou que 97% das entrevistadas afirmaram ter sido vítimas de assédio em meios de transporte. E 71% conhecem alguma mulher que já sofreu assédio em espaço público.

Conforme a Guarda Municipal, mesmo que as vítimas sejam predominantemente mulheres, também constam denúncias de cinco jovens do sexo masculino. As linhas que mais tiveram registro de importunação sexual foi a Linha 50 (Estação Pampulha/Centro), com cinco registros, e a Linha 65 (Estação Vilarinho/Centro), com três casos. 




 

O que diz a lei sobre estupro no Brasil?

De acordo com o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 213, na redação dada pela Lei  2.015, de 2009, estupro é ''constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.''

No artigo 215 consta a violação sexual mediante fraude. Isso significa ''ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima''  

O que é assédio sexual?

artigo 216-A do Código Penal Brasileiro diz o que é o assédio sexual: ''Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.''

Leia também: Cidade feminista: mulheres relatam violência imposta pelos espaços urbanos

O que é estupro contra vulnerável?

O crime de estupro contra vulnerável está previsto no artigo 217-A. O texto veda a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos, sob pena de reclusão de 8 a 15 anos.





No parágrafo 1º do mesmo artigo, a condição de vulnerável é entendida para as pessoas que não tem o necessário discernimento para a prática do ato, devido a enfermidade ou deficiência mental, ou que por algum motivo não possam se defender.

Penas pelos crimes contra a liberdade sexual

A pena para quem comete o crime de estupro pode variar de seis a 10 anos de prisão. No entanto, se a agressão resultar em lesão corporal de natureza grave ou se a vítima tiver entre 14 e 17 anos, a pena vai de oito a 12 anos de reclusão. E, se o crime resultar em morte, a condenação salta para 12 a 30 anos de prisão.

A pena por violação sexual mediante fraude é de reclusão de dois a seis anos. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

No caso do crime de assédio sexual, a pena prevista na legislação brasileira é de detenção de um a dois anos.



O que é a cultura do estupro?

O termo cultura do estupro tem sido usado desde os anos 1970 nos Estados Unidos, mas ganhou destaque no Brasil em 2016, após a repercussão de um estupro coletivo ocorrido no Rio de Janeiro. Relativizar, silenciar ou culpar a vítima são comportamentos típicos da cultura do estupro. Entenda.

Como denunciar violência contra mulheres?

  • Ligue 180 para ajudar vítimas de abusos.
  • Em casos de emergêncialigue 190.
 

*Estagiária sob supervisão