Jornal Estado de Minas

Números crescentes

Vídeo: 'Estamos diante do olho do furacão. A crise vai crescer': o desabafo de diretores de hospitais mineiros

“Como vocês são um jornal estadual, gostaria de usar esse espaço para fazer um apelo aos gestores estaduais para que coloquem a população a par da crise. Mostrem para eles que estamos diante do olho do furacão. A crise vai crescer”. Esse foi o apelo de Luis Claudio Mendes do Valle, diretor do Hospital César Leite, que fica em Manhuaçu, na Zona da Mata. Lá, na segunda-feira passada, o hospital registrou 100% da ocupação dos leitos e foi decretado lockdown na quarta-feira. O aumento de casos confirmados e casos suspeitos de novo coronavírus tem deixado gestores de hospitais responsáveis por esse tipo de atendimento preocupados e apreensivos. De acordo com o próprio governador Romeu Zema (Novo), o sistema de saúde de Minas Gerais poderá entrar em colapso, com a falta de leitos, se o índice de contágio não diminuir nos próximos dias. O Estado de Minas ouviu diretores de vários hospitais de Minas Gerais e, apesar de diferentes desafios, a apreensão é generalizada. Em Juiz de Fora, por exemplo, pode faltar profissionais e aparelhos respiratórios. O aumento dos casos, principalmente os mais graves, traz outro temor a Divinópolis, no Centro-Oeste. A Santa Casa de Ouro Fino, no Sul de Minas, registrou aumento de internações em 400%.







Em Manhuaçu, o hospital atingiu sua capacidade máxima, o que preocupou o diretor da unidade de saúde: “Faço um apelo aos gestores, coloquem suas populações cientes da gravidade. Não tapem o sol com a peneira e falem que está tudo bem, porque não está. Os bastidores da crise, dentro dos hospitais, está ficando caótico”.

Zona da Mata

Juiz de Fora fica a quase 300 km de Manhuaçu. Lá, a situação também é preocupante. De acordo com Dimas Augusto Carvalho de Araújo, superintendente do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU), se continuar nessa tendência de crescimento de casos, a cidade poderá chegar ao pico nos atendimentos hospitalares em julho. Em 10 dias, Juiz de Fora saltou de 881 casos confirmados de COVID-19 para 1.435, o que corresponde ao aumento de 62,88%. Já com relação às mortes, no dia 16, constavam 38 registros frente a 49 ontem (28).


De acordo com informações da Prefeitura de Juiz de Fora, na sexta-feira, frente ao crescimento de casos na cidade, o sistema de saúde atingiu 82,61% de taxa de ocupação dos leitos de UTI. No total, a cidade tem 161 pacientes hospitalizados por COVID-19, sendo 66 em leitos de UTI e 95 em leitos de enfermagem. O gestor ressalta que o HU se preparou para receber essa demanda de acordo com os recursos que tem. Para julho, já foram suspensas as cirurgias eletivas e, caso seja necessário, há a possibilidade de aumentar mais dois leitos para COVID-19. O HU, desde maio, aumentou de 9 para 17.







Para o superintendente, a maior dificuldade é conseguir médicos intensivistas com experiência. “No último edital, abrimos quatro vagas para médicos e conseguimos contratar somente um. Esse é um grande problema, porque não tem como ampliar os leitos se você não tem profissionais qualificados”, alerta Dimas.


No início da semana, o prefeito Antônio Almas (PSDB) alertou para o risco: “Isolamento social é a única solução no momento, mas, se relaxarmos agora, pode piorar no futuro. Depois que um parente ficar na porta do hospital esperando vaga em UTI, não culpe a prefeitura, pois foi você quem saiu sem máscara, é responsabilidade de cada um.”

 

Vale do Aço

Já o Hospital Municipal Eliane Martins (HMEM), em Ipatinga, na Região do Vale do Aço, começou a receber pacientes com COVID-19 no final de fevereiro. A unidade de saúde dispõe de 10 leitos de UTI e 40 leitos de enfermaria. Todos os 10 leitos de UTI e 30 de enfermaria estão ocupados. “O índice de contágio em Ipatinga não está mais acelerado quanto há cerca de duas semanas. A taxa de incremento de casos novos diários se encontra em torno de 5%, o que reflete uma evolução da doença em fase de atenção. Por isso, com relação ao ritmo de contágio, o colapso do nosso sistema de saúde é pouco provável nos dias de hoje. Mas tudo dependerá da evolução da pandemia, já que os números são bastante dinâmicos. Estamos sempre em alerta”, disse Keila Oliveira, diretora do HMEM. Há a previsão de abertura de mais 18 leitos de UTI e mais 20 leitos de enfermaria.





“A falta de conscientização no sentido de adesão ao distanciamento social é muito preocupante. Tal postura pode fazer com que a evolução da pandemia se torne acelerada novamente na cidade. Caso ocorra tal fato, realmente o risco de colapso no sistema de saúde se torna iminente. Por isso, reforçamos o pedido à nossa população para que fique em casa”, completou Keila.

Centro-Oeste

O Complexo de Saúde São João de Deus, em Divinópolis, está recebendo os pacientes com o mais alto nível de complexidade de COVID-19 da região. Referência para 54 municípios, a unidade precisou se adaptar. Leitos habitualmente direcionados, por exemplo, para cirurgias eletivas, agora são usados para tratamento do novo coronavírus. Com 40 vagas no Centro de Terapia Intensiva (CTI), 78% estavam ocupadas até a manhã de sexta-feira. Os 30 exclusivos para o Sistema Único de Saúde (SUS) estão próximos de 100% de ocupação, sendo 10 pacientes com quadro clínico compatível com COVID-19. Outros 10 estão internados na enfermaria com suspeita ou confirmação da doença. Quando considerados, de forma geral, leitos clínicos e CTI’s, a ocupação na unidade é de 83%.


Para dar suporte à demanda, foi implantado em Divinópolis o hospital de campanha no estacionamento da Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Ele é referência em coronavírus para oito cidades. Dos 35 leitos de CTI exclusivos para COVID-19, sete estavam ocupados até a manhã de sexta-feira. Há ainda outros 20 de enfermaria. Apesar do suporte e de aliviar a situação, nem sempre a unidade consegue dar o tratamento necessário ao paciente. Quando isso ocorre, a primeira opção é o São João de Deus.







O aumento dos casos, principalmente, os mais graves, trazem outro temor. “Hoje, uma das coisas que nos deixa mais preocupados é a falta de medicamento. No início, eram os EPI’s e a gente conseguiu equacionar isso, depois era a quantidade de leitos, calcular qual seria a quantidade necessária, os respiradores... Hoje, o maior desafio está sendo os medicamentos, eles dependem de insumos internacionais e estão em falta”, alerta o diretor clínico, Eduardo Mattar.


Além de lidar com a curva ascendente no novo coronavírus, com o risco de colapso do sistema, a diretoria ainda precisa contornar outra questão: o impacto emocional na equipe. “No começo, existia uma apreensão muito grande dos profissionais de saúde de se contaminarem porque aqui seria, e é, o local de mais circulação de pessoas com a doença”, lembra. O preparo, distribuição de equipamentos e a pequena evidência de infecção inter-hospitalar tornaram o ambiente mais tranquilo. Também houve a ajuda voluntária do setor de psicologia. Mesmo assim, ainda há o reflexo pessoal, além das portas do hospital.

Sul de Minas

O provedor da Santa Casa de Ouro Fino, Octávio Miranda Junqueira, afirma que o cenário é preocupante. Houve aumento de 400% em internações e profissionais de saúde do hospital tiveram que ser afastados com suspeita da doença. “De uma semana para outra, a ocupação dos leitos de isolamento para pacientes com COVID-19 da Santa Casa de Ouro Fino teve um salto de 400%. Um susto! Esperado, é verdade, mas, um susto. Para agravar, infelizmente, tivemos um óbito e dois dos nossos colaboradores foram afastados com suspeita de adoecimento”, disse o administrador em um post feito nas redes sociais.





A Santa Casa de Ouro Fino faz parte da rede de atendimento de pacientes com diagnóstico ou suspeita de COVID-19 na microrregião de Pouso Alegre, onde fica a unidade de referência para casos mais complexos – Hospital das Clínicas Samuel Libânio –, que tem 20 leitos deUTI exclusivos para atendimento de casos de COVID-19. Outros três hospitais, em Extrema, Santa Rita do Sapucaí e Ouro Fino, também têm leitos destinados a esse protocolo.


Octávio Junqueira confirmou a preocupação com o cenário atual. Ele constata que houve um relaxamento da população aos cuidados de prevenção contra a pandemia, sem uso correto da máscara e aglomerações, o que poderá levar à falta de leitos nos hospitais. “Dos gestores hospitalares de um grupo que participo, recebo informações sobre falta de medicamentos, contaminação de profissionais de saúde e risco real da falta de leitos. É nossa obrigação redobrar os cuidados para a nossa própria segurança e das outras pessoas”, afirma Junqueira.


Em Extrema, por exemplo, todos os 10 leitos de UTI dedicados ao novo coronavírus têm ficado ocupados desde a semana passada. A direção do HCSL, em Pouso Alegre, não autoriza passar informações sobre a situação no hospital. No último dado divulgado, na semana passada, a taxa de ocupação estava abaixo de 20%. Em caso de piora no quadro de pacientes internados em Ouro Fino, eles são enviados ao HCSL, em Pouso Alegre.





 

Vale do Rio Doce

O Hospital Municipal de Governador Valadares (HM), iniciou seu atendimento direcionado ao COVID-19 em 27 de março. O hospital dispõe de 30 leitos de UTI e 23 clínicos direcionados exclusivamente para COVID-19, com possibilidade de expansão quando houver necessidade. De acordo com o último boletim divulgado na quarta-feira, o HM tinha 66,7% dos leitos de UTI COVID-19 ocupados por pacientes de Valadares e de outras cidades da região. “O Hospital Municipal de Governador Valadares dispõe de um plano de contingência que contempla vários cenários, e com isso ampliação de leitos de terapia intensiva e leitos clínicos de atendimento ao COVID-19, caso seja necessário”, informou a diretoria.

 

* Estagiária sob supervisão de Álvaro Duarte
** Amanda Quintiliano, especial para o EM
*** Magson Gomes, especial para o EM