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Estado de Minas

Conheça a primeira faculdade de farmácia da AL e seus curiosos remédios

Em livro, professor conta a história da Escola de Farmácia de Ouro Preto, fundada há 180 anos. Museu completa a viagem no tempo


postado em 08/09/2019 06:00 / atualizado em 08/09/2019 07:25

O professor Victor Vieira de Godoy mergulhou durante meses em pesquisa para transformar em obra de arte a história da faculdade, onde se formou em 1973(foto: FOTOS JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS)
O professor Victor Vieira de Godoy mergulhou durante meses em pesquisa para transformar em obra de arte a história da faculdade, onde se formou em 1973 (foto: FOTOS JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS)

Ouro Preto – Nos armários de madeira caprichosamente preservados, há frascos com substâncias que, em pleno século 21, podem surpreender ou deixar muita gente, no mínimo, curiosa. Vamos lá: sob o rótulo decorado com rosas miúdas estão as raspas de ponta de veado, enquanto ao lado, identificado pela etiqueta escrita a caneta-tinteiro, fica o vidro com tintura de Cannabis indica. Mais adiante, os olhos atentos descobrem os besourinhos verdes conhecidos cientificamente por cantáridas e, em tempos idos, fundamentais na composição de poderoso afrodisíaco.

Diante das prateleiras com tantas “preciosidades” naturais, destaques de um dos vários ambientes do Museu da Farmácia, em Ouro Preto, o professor Victor Vieira de Godoy, de 71 anos, explica a finalidade das duas primeiras matérias-primas, que pertenceram a uma antiga “pharmacia” da cidade e foram doadas à instituição. Se as raspas de ponta de veado, retiradas em lascas do chifre do animal, entravam nas fórmulas de medicamentos de combate à tosse e à diarreia, a Cannabis indica era “receitada” como calmante.

“Sabia que a maconha (Cannabis sativa) só foi proibida no Brasil na década de 1930?”, pergunta o professor aposentado da Escola de Farmácia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), na Região Central, e um dos criadores do equipamento cultural e científico localizado no Centro Histórico da cidade, a poucos metros da Praça Tiradentes. Apaixonado pela profissão e pelos laboratórios, universo que faz os olhos brilharem, Victor está lançando o livro A Escola de Farmácia de Ouro Preto – A memória sublimada, contando a história dos 180 anos da instituição de ensino, completados em 4 de abril.

Se considerada de forma isolada, sem estar vinculada à medicina, a Escola de Farmácia de Ouro Preto é a primeira da América Latina e, desde 1839, funciona continuamente. Para celebrar a data e apresentar ao mundo um acervo de valor incomparável, o profissional formado em 1973 mergulhou fundo durante meses nas pesquisas a fim de se dedicar à obra com fotos de arquivo, outras tantas feitas por ele e pelo filho, Lucas de Godoy, reproduções de gravuras antigas e esmero editorial que entrega ao leitor uma obra de arte.

CORES VIVAS

Parte do acervo do museu, rosto esculpido em cera para aulas de anatomia
Parte do acervo do museu, rosto esculpido em cera para aulas de anatomia
Na tarde de quarta-feira, após receber o livro com 368 páginas das mãos do autor que fala da escola onde se graduou com amor quase filial, a equipe do EM pôde conhecer, de perto, cada parte do museu em funcionamento há três décadas no chamado “casarão azul” de propriedade da Ufop. O prédio, do século 19, originalmente destino à Escola Normal, se tornou, na verdade, sede da Primeira Constituinte de Minas, em 1889, ano da Proclamação da República. Se o azul, embora um pouco desbotado pelo tempo, domina a fachada, três cores nortearam a obra dividida em duas partes: a primeira, com 32 capítulos, abordando o período monárquico, e a segunda, com 22, sobre o republicano.

Presentes no estandarte da Escola de Farmácia (antes Pharmacia) de Ouro Preto, o verde, o vermelho e o amarelo fazem todo o sentido nessa trajetória fascinante e ainda desconhecida de muitos brasileiros, pois representam “as competências e anseios dos farmacêuticos”. O professor abre o exemplar nas primeiras páginas e mostra o verde simbolizando a vegetação local: “O verde da clorofila, elemento vital das plantas, de onde era extraída a quase totalidade das substâncias com ação farmacológica dos medicamentos daquela época (século 19), caracteriza os mistérios da natureza”.

Já o vermelho marca uma das peças mais espetaculares do museu e ganhou realce logo no início – trata-se do rosto de uma mulher, esculpido em cera para aulas de anatomia, com a face direita aberta para deixar à vista terminações nervosas e músculos. “É o vermelho da corrente sanguínea, que transporta o medicamento até seu local de ação, demonstrando o conhecimento do corpo humano”. E tem o amarelo, “cor ardente, atributo do poder, símbolo da eternidade”, representando conhecimento técnico, anseios de sobrevivência e reconhecimento da profissão farmacêutica pela sociedade”.

O subtítulo do livro, A memória sublimada, tem a ver com a química dos elementos e os mistérios da passagem do tempo, numa metáfora das ações e transformações. Compreendida como a mudança do estado sólido para o estado gasoso, sem passar pelo líquido, a sublimação, para quem trabalha com arquivos históricos, pode ser a forma de aquecer o interesse pelo conhecimento. “Os fatos se solidificam e voltam à vida, para, na sequência, como vapor, pousar nas páginas dos livros. Já a memória é o jeito que se tem de tentar parar o tempo, esse incontrolável”. Em resumo, é a força da pesquisa movendo a vida e refinando o conhecimento para a posteridade.

Explicando que há, sobre Ouro Preto, um foco maior no século 18, quando ocorreram o apogeu e decadência do ouro, e pouco no 19, Victor revela que seu maior interesse, ao escrever o livro, foi contar a história e mantê-la viva. “No século 19, 95% dos medicamentos eram de origem vegetal, e apenas 5% de origem mineral e animal”. Caminhando pelas dependências do Museu da Farmácia, torna-se um grande prazer ver os variados frascos, caixas e potes, saber a utilidade de instrumentos centenários e respirar num ambiente que remete aos alquimistas, às pessoas que conheciam as ervas e sabiam do seu poder de cura.

RESISTÊNCIA

Acervo da farmácia com ph: beladona e Cannabis para fórmula de medicamentos
Acervo da farmácia com ph: beladona e Cannabis para fórmula de medicamentos
Diante dos quadros com as fotos dos pioneiros, Victor diz que a iniciativa de criação das escolas de farmácia, que deveria ser a culminância de um esforço governamental para organizar a precária qualidade de vida da população, estava longe de ser um consenso na província de Minas. “O próprio presidente da província, Francisco José de Souza Soares d'Andréa, afirmou na sua mensagem dirigida à Assembleia Legislativa Provincial de Minas Gerais, e lida na abertura da sessão ordinária de 1843, que deveria ser excluída da instrução”.

“No Brasil, na primeira metade do século 19, longe do litoral e em meio às montanhas, a escola foi criada, aqui, para ensinar a farmácia e a matéria médica, especialmente a brasileira. Enfrentando a proibição do governo central, esta iniciativa de políticos, educadores e profissionais de saúde deu origem ao primeiro curso de farmácia a funcionar desvinculado das faculdades de Medicina na América Latina”, relata o autor. Pela sua longevidade, a Escola de Farmácia de Ouro Preto se transformou numa testemunha da luta pela melhoria das condições de vida no Brasil, a partir de seu compromisso com a pesquisa, produção e uso adequado dos medicamentos”.

No museu, visitante terá muito o que ver, pois o acervo guarda mais de 40 mil amostras de plantas que registram a memória vegetal de Minas e estão diretamente envolvidas, de alguma forma, em fatos históricos como a Revolta do Ano da Fumaça, a Revolução Liberal de 1842, a Guerra do Vinho e a Proclamação da República, que completa 130 anos em 15 de novembro. No livro, há várias curiosidades. Uma delas é que nasceu, no laboratório da Escola de Farmácia de Ouro Preto, na década de 1920, a fórmula do guaraná Antárctica, pelas mãos do pesquisador Pedro Batista de Andrade. “Os três principais refrigerantes do mundo foram criados por farmacêuticos”, diz o professor.

Serviço

Museu da Farmácia
Rua Costa Sena, 171, no Centro Histórico de Ouro Preto (atrás do Museu da Inconfidência)
Horário: de segunda a sexta-feira, das 13h às 17h
Telefone: (31) 3559-1630
Entrada gratuita
Livro: A Escola de Farmácia de Ouro Preto – A memória sublimada, pode ser adquirido no museu (R$ 90), na livraria Outras Palavras, em Ouro Preto, e nos sites da livrarias Martins Fontes e Travessa. Toda a renda é revertida para o Museu da Farmácia 


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