Jornal Estado de Minas

ABOLICIONISMO

Quem foi Luiz Gama, homenageado pelo governo em prêmio de Direitos Humanos


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, instituíram, na última sexta-feira (31/3), o Prêmio Luiz Gama de Direitos Humanos. A medida foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) nesta segunda-feira (3/4) e trouxe a revogação da Ordem do Mérito Princesa Isabel, assinada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em dezembro de 2022.





O Prêmio homenageia o líder abolicionista Luiz Gonzaga Pinto da Gama e será concedido a cada dois anos pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Ele será entregue a pessoas físicas ou jurídicas de direito privado com trabalhos e ações que mereçam destaque especial nas áreas de promoção e de defesa de direitos humanos no Brasil.



A Ordem do Mérito Princesa Isabel era semelhante ao novo Prêmio e foi instituída para homenagear pessoas e entidades que prestam “notáveis serviços” relacionados à proteção e à promoção dos Direitos Humanos. No entanto, era muito questionada por movimentos afrocentrados, já que estava relacionada à personalidade que assinou a Lei Áurea, a qual proibia a escravidão, mas não promovia políticas públicas de inclusão para os negros e indígenas libertados.


Em nota oficial, o Governo Lula explica que “um país negro e racista como o Brasil possuía um prêmio de direitos humanos em homenagem à princesa Isabel, uma mulher branca”. Também afirma que a instituição da Ordem pela administração anterior foi equivocada.





“Não se trata de afirmar que uma pessoa branca não possa integrar a luta antirracista, mas de reafirmar o símbolo vital que envolve essa substituição: o reconhecimento de um homem negro abolicionista enquanto defensor dos direitos humanos”, justifica a secretária-executiva do Ministério dos Direitos Humanos, Rita Oliveira.

Quem foi Luiz Gama

Luiz Gonzaga Pinto da Gama, mais conhecido como Luiz Gama, foi um líder abolicionista responsável pela libertação de mais de 500 pessoas escravizadas. Nascido em 1830, em Salvador (BA), era filho de uma escrava liberta reconhecida por participar de diversas insurreições, Luísa Mahin.


O pai era descendente de portugueses e o vendeu quando tinha apenas 10 anos de idade para pagar dívidas. Aprendeu a ler aos 17 e conseguiu a alforria quando foi mandado para São Paulo, aos 18.


Trabalhou na área policial e militar até enveredar para Letras e Jornalismo. Apenas 12 anos depois da alfabetização, publicou, em 1859, seu único livro, “Primeiras Trovas Burlescas" – que  traz como autor “Getulino”, nome em referência a Getúlia, território no norte da África. Ele também foi colaborador de diversos jornais da época, com artigos publicados em periódicos de São Paulo e da então capital Rio de Janeiro.





Sob os pseudônimos “Spartacus” e “John Brown”, por exemplo, defendeu uma agenda política de abolicionismo radical. Como “Afro” escreveu sobre um projeto de Brasil que passava pela educação pública, democracia plena e liberdade de expressão.


Em 1850, passou a ser ouvinte das aulas de Direito onde, hoje, funciona a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que atualmente faz parte da USP (Universidade de São Paulo). Assistiu às aulas mesmo após ter sido proibido de realizar seus estudos na instituição.


A partir disso, começou a atuar gratuitamente na defesa de negros escravizados, sendo responsável pela libertação de mais de 500 pessoas em tribunais pelo Brasil por meio da lei que extinguiu o tráfico negreiro.


Gama morreu em 24 de agosto de 1882 e o enterro atraiu 10% da população paulistana que, segundo estimativas da época, contava com 40 mil habitantes.





Redescobrimento de Luiz Gama

Para pesquisadores, o abolicionista negro está em momento de "reparação histórica". Em menos de dez anos, além da homenagem do Governo Lula pelo Prêmio Luiz Gama de Direitos Humanos, foi oficialmente reconhecido como advogado pela OAB, em 2015; herói da Pátria em 2018, no “Livro de Heróis e Heroínas da Pátria”, após publicação de lei federal; como jornalista pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, em 2018; e como intelectual, ao ser o primeiro brasileiro negro a receber o título de doutor honoris causa da USP, em 2021.


De acordo com Dennis de Oliveira, professor de Jornalismo da USP e pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro, dois motivos pelos quais o advogado passa por uma revalorização são o fortalecimento do movimento negro no Brasil e o crescimento do número de alunos e pesquisadores negros no ensino superior.


"Ele era um intelectual que circulou por diversas áreas, um intelectual autodidata e que atuava publicamente em prol de mudanças", comenta o docente, que está com o projeto de criar uma cátedra acadêmica com o nome de Gama. "A ideia é fazer com que suas obras sejam mais conhecidas”, completa.





Parte desse resgate está ligado ao trabalho de Ligia Fonseca Ferreira, professora da Unifesp, pesquisadora da obra de Gama desde os anos 1990. "Ele nunca foi totalmente desconhecido. Falava-se do abolicionista Luiz Gama, mas conhecia-se pouco dos seus textos. Houve não só um silenciamento, mas um apagamento”, explica.


Em 2021, a reunião das obras de Luiz Gama foi publicada pela editora Hedra, com edição do pesquisador Bruno Rodrigues de Lima, que reuniu mais de 700 textos – cerca de 80% deles inéditos – do abolicionista na coleção “Obras completas”, dentre artigos de imprensa e manuscritos. No mesmo ano, o longa “Doutor Gama”, dirigido por Jeferson De, estreou nos cinemas. O filme está disponível na plataforma Globoplay.

 

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