Até 2020, o rapper Hot – nome artístico de Mário Apocalypse do Nascimento, neto de Álvaro Apocalypse e Terezinha Veloso, fundadores do grupo de teatro de bonecos Giramundo – galgava a passos largos os degraus do sucesso. Ao lado do parceiro Oreia (Gustavo Rafael Aguiar), com quem lançou os álbuns “Rap de massagem” (2019) e “Crianças selvagens” (2020), ele desfrutava de reconhecimento nacional, com expressivo número de seguidores nas redes sociais.





Um episódio doméstico brecou essa escalada. Hot estava se separando da companheira grávida, a influenciadora digital Vic Carvalho. No início de 2021, ela tornou público o relacionamento abusivo que havia se estabelecido. Foi o bastante para que o rapper sofresse linchamento virtual – desproporcional, segundo ele e segundo a própria Vic – e fosse “cancelado”.
 
Acusada de hipocrisia, a dupla Hot & Oreia – cujas letras tratavam de respeito às minorias e da desconstrução do machismo – foi desfeita. Desde então, Hot se afastou da música e dos holofotes. No período de recolhimento, dedicou-se à paternidade e a trabalhos pontuais com o Giramundo. Agora, resolveu que é a hora de voltar à cena.

Hot prepara para o início de julho seu primeiro álbum em carreira solo, paradoxalmente batizado “NVV”, que é sigla para “Não vou voltar”. 

Explica que está voltando para a música movido pela necessidade de criação, mas não pretende voltar “para uma vida passada, um modo de enxergar o mundo como antigamente”.




Três singles e clipes engatilhados

Antes do álbum, virão à luz três singles: “Calma Zé” e “Perfume”, acompanhados por videoclipes, e “Preso”, com participações de Djonga e de MC Kaio. Também marcam presença no disco as cantoras Vula, Sol Lima e Augusta – as duas últimas nos vocais de apoio em cinco faixas. Hot diz que “NVV” mira o futuro sem perder de vista o percurso musical construído até o momento.

“É um trabalho que vem de um longo período de estudo e de repaginação do que já fiz no passado. Como estava em um hiato, pude fazer com mais calma, bebendo dos outros trabalhos, mas pensando em coisas novas”, diz, aludindo, por exemplo, à influência do samba. O gênero surge mais em termos de discurso do que propriamente na estrutura musical.

“Quando a dupla (Hot & Oreia) estava ativa, eu sentia que o pessoal não entendia muito bem algumas coisas que a gente queria dizer. Talvez pelo modo de escrita mesmo, rolaram muitos equívocos, então fui beber do samba para, agora, tentar dizer as coisas de um jeito mais simples. Escrevi as letras pensando em samba, mas achei que era melhor não me arriscar a fazer um disco de samba, porque aí seria sair do ambiente com que tenho intimidade – do flow, da rima, do método do rap”, destaca.





A faixa de abertura, “Tempo”, é efetivamente um samba – referência que o acompanha desde sempre, por isso cabe na proposta do álbum.
 
“Pela primeira vez, consegui botar 100% de pessoalidade em tudo. É um mergulho na minha cabeça, nos meus sentimentos e nas minhas relações, principalmente”, salienta.
 

Rapper diz que o álbum 'NVV/Não vou voltar' é 'um mergulho na minha cabeça, nos meus sentimentos e nas minhas relações'

(foto: Sarah Leal/divulgação)
 

Hot assente que o período turbulento de sua vida está na base desse mergulho, mas pondera que “NVV” fala de relacionamentos em perspectiva mais ampla: relações de amizade e de afeto, relações com os fãs, com a internet, com a paternidade e com o tempo, por exemplo.

A estreia na carreira solo mantém algum nível de vínculo com o que vinha fazendo com Oreia, mas com a marca autoral mais evidente. Com relação aos dois videoclipes, diz que esse é o primeiro trabalho audiovisual no qual teve completo domínio criativo, do conceito ao roteiro e à direção.




Mutirão de amigos

No que “NVV” traz de novidade, Hot contou com o apoio de músicos amigos. Para o samba de abertura, por exemplo, convocou Max Teixeira – “um mano que vem de outra escola, da MPB” – para tocar os violões e Cotô Delamarque, da banda Lamparina, que canta na faixa.

A produção geral do álbum ficou a cargo de Gabriel Canedo, que trabalhou nas primeiras músicas da dupla Hot & Oreia. Fumaça e Coyote, de Belo Horizonte, e H. Franklin, de Santa Catarina, são outros produtores que colaboraram com ele.

Sobre as participações especiais, Hot diz que todos os convites foram prontamente aceitos.
 
“Augusta e Sol Lima são duas meninas de BH que estão começando um corre. Tive a oportunidade de conhecer o trabalho delas e foi tudo muito natural, tanto que participam de boa parte do disco. A Vula é minha irmã de santo, a gente se iniciou juntos no candomblé. É a primeira vez que ela grava na vida. MC Kaio já tinha um refrão, que a gente ia lançar com Hot & Oreia. E Djonga é o cara que durante todo esse tempo esteve próximo, é amigo pessoal”, detalha.




 

Hot e Oreia, que desfizeram sua dupla em 2021, podem lançar novo projeto juntos no fim deste ano

(foto: Paulo Abreu/divulgação)
 

No texto que anuncia o lançamento de “NVV”, o rapper diz ser “um artista e uma pessoa em constante processo de construção”. Cabe, então, perguntar: quem é o Hot hoje em relação ao Hot de 2020 ou de 2021?

“O Hot de hoje é, principalmente, pai – minha filha está com 2 anos e três meses, estou tentando ser o melhor pai possível. Mas o Hot de hoje também é um cara mais ciente do que pode fazer artisticamente, que entendeu que a criação é uma parada inerente. A arte é uma escolha que você só faz uma vez na vida”, ressalta.

E a possibilidade de retomar a parceria com Oreia?
 
“Sim, existe essa perspectiva. Estamos lançando nossos trabalhos solo, ele está com 50% do disco dele pronto e estamos nos encontrando muito nesta reta final dos trabalhos, tanto o dele quanto o meu. Foi uma pausa boa, mas depois que lançarmos nossos discos, devemos nos juntar, talvez mais para o final do ano, numa ocasião especial”, afirma Hot.

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