A banda e o estádio são os mesmos. Mas todo o resto, passados 40 anos, é diferente. Ainda bem. O Kiss retorna a Belo Horizonte pela terceira e última vez nesta quinta-feira (20/4) para show no Mineirão, que também recebeu a banda em 23 de junho de 1983. Foi uma apresentação histórica, pelas piores razões possíveis.



Cinquenta anos depois de sua formação em Nova York, a lendária banda de rock finalmente se despede dos palcos. Iniciada em janeiro de 2019, a turnê de despedida “End of the road” sofreu adiamentos em decorrência da pandemia.

No início de dezembro, o Kiss faz, no Madison Square Garden, as duas últimas apresentações de sua carreira – a turnê final tem 250 datas. O Brasil está recebendo a banda pela oitava vez – terceira em BH, que assistiu ao grupo também em 2015, no ginásio do Mineirinho.

Mal-estar em Manaus

A estreia, em Manaus, na última quarta (12/4), ganhou os holofotes depois de o baixista Gene Simmons passar mal em cima do palco. Desidratação. “Paramos por cerca de cinco minutos, bebi um pouco de água e tudo ficou bem. Nada sério”, afirmou o cofundador da banda, em nota divulgada nas redes sociais.



Depois de shows em Bogotá, na Colômbia (no sábado, 15/4), e Brasília (na terça, 18/4), o Kiss chegará a BH – a parte brasileira da turnê sul-americana ainda terá apresentações em São Paulo (22/4, no festival Monsters of Rock) e Florianópolis (25/4). A abertura será com o Sepultura.

Os “Cavaleiros a serviço de Satanás”, como foram chamados por grupos religiosos quando vieram a Belo Horizonte quatro décadas atrás, são, há muito, uma potência da música e do entretenimento. Com Simmons, de 73 anos, e o vocalista e guitarrista Paul Stanley, de 71, à frente, o Kiss se tornou máquina de fazer dinheiro.
 

Show do Kiss em Belo Horizonte, realizado em 1983, atraiu protestos de grupos religiosos e provocou prisões

(foto: José Pereira/EM/1983)
 
 
A música é o ponto de partida e principal elemento que arrebanha, há cinco décadas, fãs (a chamada Kiss Army) em todo o mundo. Também há HQs, filmes, livros, programas de TV e toda a sorte de produtos que a cultura pop pode produzir.



Mas são os shows, sempre superproduções cheias de pirotecnia, que ainda conferem relevância ao Kiss, que segue vivo e chutando com o baterista Eric Singer, de 64, e o guitarrista Tommy Thayer, de 62 anos.

Quatro senhores maquiados, fantasiados, com botas de saltos que podem causar vertigem? É para levar a sério, avisa Simmons na entrevista concedida ao Estado de Minas antes de embarcar para o Brasil.
 
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A turnê de despedida foi anunciada em setembro de 2018, mas a pandemia mudou tudo. Agora o Kiss se despede oficialmente em dezembro, em Nova York. É muito difícil dizer adeus?
É sempre muito difícil dizer adeus, especialmente se você está falando da época mais incrível da sua vida. Mas são 50 anos, meio século! Tem gente que nem chegou a viver tanto tempo. Você sabe que deve parar antes que não consiga mais fazer o show. Lembre-se: nós já cantamos “You wanted the best/ and you got the best” (Você queria o melhor/ E conseguiu o melhor). Queremos que essas palavras continuem soando verdadeiras. Já vimos muitas bandas tocando tempo demais, mais do que deveriam, e ficarem velhas. Vimos boxeadores que se tornaram campeões do mundo que continuaram a lutar e acabaram perdendo. Então, chegou o tempo certo de parar.

Cinquenta anos de banda significam 50 anos ao lado de Paul Stanley. O que é mais complicado em um relacionamento tão longo?
É muito difícil mesmo. Casamento é a coisa mais complicada do mundo, a maioria deles não dura tanto. Com as bandas isso ainda é mais maluco, pois temos que lidar com egos e outras questões. Muitas bandas acabaram por conta de drogas e álcool, coisas estúpidas. Posso dizer que tive muita sorte em encontrar um parceiro como ele.




 
Envelhecer em cima do palco não deve ser fácil. 
Se você não usar drogas, não beber e não fumar, acaba sendo fácil. Agora, se fizer coisas estúpidas, seu corpo vai ficar velho e fraco rapidamente. É como um carro. Se você tratá-lo bem, ele pode durar 100 anos. Mas se colocar sujeira no combustível, ele não vai andar, vai quebrar. Seu corpo é uma máquina que deve ser exercitada todo dia. Também tem que olhar o que come. Adoro bolo, então realmente tenho que prestar atenção. E tem ainda a cabeça, a coisa mais importante que temos. Se bagunçá-la, encher de álcool e drogas, vai se autodestruir.
 

Gene Simmons diz que é 'fácil' envelhecer no palco, 'se você não usar drogas, não beber e não fumar'

(foto: Edu Defferrari/divulgação)
 

O Kiss é reconhecido não só pela música, mas como exemplo de gerenciamento de carreira e produtos. A partir de quando a banda conseguiu esse perfeito equilíbrio entre criatividade artística e negócios?
Desde o começo. Pessoas que só pensam na arte acabam ficando pobres. Quando se faz um móvel diferente, bonito, ele acaba se tornando uma forma de arte. E tem que se cobrar dinheiro por ele. A mesma coisa com a pintura, com a música. ‘A arte suprema é o negócio.’ Não fui eu quem disse isso, foi Andy Warhol. Então, não se pode fazer arte sem gastar e investir dinheiro.

O rock teve grandes perdas nos últimos anos: Neil Peart do Rush, Eddie Van Halen, David Crosby, Jeff Beck. É difícil perder colegas de música e de geração? Com tantas baixas e saídas de cena, como do próprio Kiss, dá para olhar para o futuro do rock com algum otimismo?
Primeiramente, muitos desses músicos eram meus amigos. Eu descobri o Van Halen, conhecia Eddie há muitos anos, assim como o Jeff Beck. Então você fica triste não só pelo ícone, mas principalmente pela perda de um amigo. É muito difícil. Agora, sobre o futuro, digo que não vai ser bom. Hoje tem o EDM, a música eletrônica em que você aperta um botão e um computador faz toda a música. É um período muito ruim para a criatividade. Tome como exemplo um período de 30 anos: 1958 a 1988. Ali você teve Elvis, Beatles, Stones, Jimi Hendrix, muitas pessoas importantes, assim como bandas pesadas como o Metallica e nomes do pop e soul, Madonna, a geração Motown. Agora pegue de 1988 até hoje, que são mais de 30 anos. Quem são os novos Beatles?
 

 

Esta é a oitava turnê do Kiss do Brasil. Vou te pedir para fazer um exercício de memória: em 1983, vocês fizeram um show em Belo Horizonte que foi um grande problema. Houve protestos de grupos religiosos, dezenas de prisões e violência policial. Você se lembra de alguma coisa?
Sim. Na primeira vez no Brasil, uma banda local fez os shows de abertura (Herva Doce). O primeiro foi no Rio, no maior estádio do mundo (o Maracanã). E então, Belo Horizonte. Lembro-me de que houve problemas técnicos, acabou a luz no estádio. Tivemos que adiar o show, voltar no dia seguinte. Claro, teve muita briga e coisas nesse sentido. Mas eventualmente conseguimos tocar, as coisas até que deram certo.





Qual é o legado que você espera que fique do Kiss?
São duas coisas. Uma é a questão da magia. A cada show, criamos mágica para o público durante algumas horas. Quando se vai ao show do Kiss, mesmo que não goste da banda, você vai se lembrar dele pelo resto da vida. E uma vez que esteja no show, você esquece o trânsito ruim, os gritos da sua namorada e todos os problemas do mundo. A outra coisa que vamos deixar é a seguinte: quando você vê Metallica, Paul McCartney, Rammstein ou qualquer outro artista usando efeitos especiais e fogos no palco, aquilo ali veio de um único lugar.
 

Kiss se orgulha de fazer do rock espetáculo pirotécnico repleto de efeitos especiais

(foto: Edu Defferrari/divulgação)
 

O álbum “Creatures of the night” vendeu modestamente quando foi lançado em 1982, mas hoje é considerado um dos melhores da banda. Por que esse trabalho foi reconhecido décadas depois? É também o seu álbum preferido do Kiss?
É estranho, mas a arte é assim. Tem pintores que quando estão vivos trabalham, vivem sem dinheiro e ninguém liga para eles. Depois, quando não estão mais aqui, são descobertos. Isso acontece o tempo todo, inclusive com a música, quando ela é lançada no tempo errado para as pessoas erradas. Agora, para mim, o álbum favorito é o primeiro (“Kiss”, de 1974), mesmo achando que há discos melhores. Mas naquele tempo não sabíamos nada, não tínhamos produtor, empresário, gravadora. Éramos só quatro idiotas de Nova York começando a tocar guitarra e bateria. Foi o registro mais honesto que fizemos. Também guardo na memória a primeira demo (de março de 1973), gravada no estúdio do Jimi Hendrix, o Electric Lady. Todo o mundo gravou lá: Jimi, Led Zeppelin, Stones. Quando chegamos ali, vimos que a vida normal tinha acabado e que uma (vida) extraordinária estava começando.
 

Kiss se apresentou no Mineirinho, em 2015, para comemorar seus 40 anos

(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press/04/15)
 

Seu reality show, “Gene Simmons: Family jewels”, fez muito sucesso. Que impacto o programa teve sobre você e sua família?
O show foi enorme: oito temporadas, 167 episódios. Muitos realities acabam em brigas entre família e amigos. O nosso serviu para nos aproximar ainda mais. Todo mundo cresceu. Minha pequena Sophie (a filha caçula) se casou recentemente. Ela tem 31 anos, tinha 14 quando o programa começou. Nos vemos o tempo todo, eu, ela e Nick (o filho mais velho). Hoje, eles podem ver como cresceram e amadureceram quando assistem ao programa.



“END OF THE ROAD”

Show do Kiss. Nesta quinta-feira (20/4), às 21h, no Mineirão (Avenida Antônio Abrahão Caram, 1.001, Pampulha). Abertura dos portões às 17h. Show de abertura: Sepultura. Pista: a partir de R$ 252 (mais taxas). Pista Premium: a partir de R$ 495 (mais taxas). À venda no site uhuu.com. Classificação etária: menores de 10 a 15 acompanhados dos pais; de 16 e 17, acompanhados dos pais ou maior responsável.
 

 

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