Em novembro de 2007, Jovana Trifunovic, então com 22 anos, realizou sua primeira audição, após sua graduação em violino, ocorrida dois meses antes, na Faculdade de Música de Belgrado. “Belo Horizonte, onde fica mesmo? Não tem praia? Mas fica a que distância do Rio de Janeiro?” 

O grupo de 11 jovens musicistas sérvios, do qual Jovana fazia parte, se fazia essas perguntas. Afinal, iriam embarcar em uma grande aventura: integrariam uma orquestra que estava sendo formada no Brasil. 





Nessa época, o maestro Fabio Mechetti, paulistano radicado desde 1981 nos Estados Unidos, estava num período de intensa atividade. Em julho, havia sido oficializada sua entrada para a nova orquestra, como regente e diretor artístico. Era então um grupo pequeno de pessoas trabalhando. 

Mechetti descobriu que, além de audições (tanto no Brasil quanto na Europa e nos EUA), planejamento de temporada, orçamento, havia outros aspectos à parte o artístico com que teria que lidar. Seguro-fiança para aluguel de apartamentos, por exemplo, já que havia um grupo grande de músicos, brasileiros e estrangeiros, que passaria a viver em BH, sem ter relações com pessoas da cidade.

Os meses de preparação culminaram em 21 de fevereiro de 2008, quando a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais fez sua estreia no Palácio das Artes executando a “Nona sinfonia”, de Beethoven. Hoje uma das principais orquestras brasileiras, comemora seus 15 anos com dois concertos especiais, nesta sexta (24/2) e sábado (25/2), na Sala Minas Gerais.





Primeiro spalla da orquestra, o ucraniano Roman Simovic, que hoje vive em Londres, volta a tocar com a Filarmônica de Minas Gerais nos concertos especiais desta sexta e sábado 

(foto: Sasha Gusov/Divulgação)

Naipes em destaque

“Uma orquestra se faz pelos seus músicos. Então, eu quis celebrá-los com este concerto”, comenta Mechetti. As duas noites serão abertas com peças que enfatizam cada naipe: “Bachiana Brasileira nº 9”, de Villa-Lobos (cordas); “Serenata, op. 7”, de Strauss (sopros); e “Mitos brasileiros”, de Ney Rosauro (percussão).

Na segunda parte, o primeiro spalla da Filarmônica, o ucraniano Roman Simovic, retorna a Belo Horizonte para executar o “Concerto para violino”, de Miklós Rósza – desde 2010 ocupando o mesmo posto na Sinfônica de Londres, ele nunca mais havia retornado à capital mineira, onde viveu por um ano e meio. Ao final, a orquestra completa, com seus 89 musicistas, se reúne para interpretar “La valse”, de Ravel.

A Filarmônica atinge os 15 anos com um pouco mais de 1,2 mil obras executadas. É muito, mas há ainda mais a ser explorado, atesta Mechetti. “Gosto sempre de enfatizar que música sinfônica não é só um arquivo de obras já consagradas. Há muita atividade acontecendo, e nisso a Filarmônica se destaca, com encomendas e com o festival Tinta Fresca (dedicado a jovens compositores).”




 

 

A temporada 2023 propriamente dita tem início em 2 e 3 de março próximos, com a pianista sul-coreana Joyce Yang como solista. As duas noites vão celebrar os 150 anos de nascimento do russo Rachmaninov, mas também vão contar com a estreia mundial do “Concerto para orquestra”, obra encomendada pela Filarmônica ao compositor paulista Leonardo Martinelli. 

O mesmo vai ocorrer no encerramento do ano, em 14 e 15 de dezembro, quando Rachmaninov voltará a ser celebrado, por meio de sua “Sinfonia nº 2 em mi menor”, e o violoncelista pernambucano Antonio Meneses vai executar o “Concerto para violoncelo e orquestra”, de André Mehmari, também obra feita sob encomenda.

Depois da estreia, em fevereiro de 2008, houve outras primeiras vezes para a Filarmônica: a chegada ao Festival de Campos do Jordão (julho de 2008), o lançamento do Tinta Fresca (setembro de 2008), do programa de assinaturas (fevereiro de 2009) e da série Concertos para a Juventude (maio de 2009), a gravação inicial de Villa-Lobos (junho de 2009).




 

 
Para Mechetti, o divisor de águas foi a criação da Sala Minas Gerais, sede da orquestra. Inaugurado em fevereiro de 2015, o espaço mudou tudo.
 
“Conseguimos então ensaiar e tocar no mesmo espaço (antes, no Palácio das Artes, os ensaios eram realizados em salas da Fundação Clóvis Salgado). Pudemos ditar as datas (de concertos) e, com isso, passamos de uma para cinco séries de assinatura, como também aumentamos o número de concertos da juventude e os didáticos.”

Era um salto e tanto e, naquele momento, oito anos atrás, o grupo de instrumentistas já havia encontrado a própria identidade. Nos dois primeiros anos, Mechetti comenta, com pouco mais de 20 estrangeiros de diferentes nacionalidades, os ensaios eram bilíngues (português e inglês). 





Hoje com 37 anos, Jovana era da turma que se comunicava em inglês com os colegas, mas não nas outras atividades em Belo Horizonte, onde era recém-chegada. “O que facilitou é que praticamente todos os sérvios se conheciam da faculdade. Mas lembro-me de que na cidade passava apertos com o idioma, coisas básicas mesmo. Era muito difícil ir a banco, uma aventura encontrar apartamento.”

Na Sérvia, ela era professora de violino em Belgrado. Chegou ao Brasil com uma passagem de ida e volta – e pediu uma licença não remunerada na instituição de seu país. Se não desse certo, poderia voltar tranquilamente.
 
Passada uma década e meia, só retorna para seu país natal para visitar os amigos e a família. Com português fluente e mãe de uma menina de 9 anos e um garoto de 4, Jovana se sente em casa aqui – em BH e na orquestra.





“É muito emocionante quando se pertence a um grupo. Sinto que (a Filarmônica) é uma família, não é simplesmente um trabalho”, diz.

Clã Barros

Família, por sinal, nunca foi um problema para o oboísta Alexandre Barros, de 49. Ele integra a terceira geração de um grupo de musicistas, história que teve início com seu avô paterno – hoje, a Família Barros, quando realiza seus próprios concertos, reúne 13 musicistas – irmãos, tios, sobrinhos, filhos.

Em janeiro de 2008, quando foi convidado por Mechetti para assumir o principal oboé da Filarmônica (posição que mantém até hoje), já tinha experiência com orquestras – começou sua carreira em 1994, na Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, tocou na Osesp, na Sinfônica de Ribeirão Preto e retornou para a OSMG. Fez parte do grupo de músicos da orquestra estadual que entrou na primeira leva para a Filarmônica.

Terceiro de cinco irmãos, todos também musicistas, Barros tocou com alguns deles nas orquestras em que atuou – atualmente, é colega do sobrinho, Lucas, violoncelista na Filarmônica.
 
“Como foi uma orquestra criada com músicos de muitas partes do Brasil e do mundo, era um grupo com diferentes cultura e afinação. Na Europa, por exemplo, a afinação é mais alta. Foi uma experiência incrível poder adaptar todas as culturas.”





Para ele, a orquestra da atualidade é outra. “É bem diferente (daquela que começou). O maestro fez, e faz até hoje, um grande trabalho rítmico. E as gravações amadureceram muito a Filarmônica”, comenta Barros, que vê hoje o grupo como “um time de futebol que joga junto há muitos anos e tem seu próprio som e musicalidade”.

Inaugurada em 2015, a Sala Minas Gerais proporcionou à orquestra a oportunidade de incrementar o número de apresentações

(foto: Rafael Motta/Divulgação )

15 anos em números

1.408.367 espectadores
1.118 concertos
1.228 obras 
118 concertos em turnês estaduais
39 concertos em turnês nacionais
9 concertos em turnê internacional
1 coleção com 3 livros e 1 DVD sobre o universo orquestral
4 exposições itinerantes e multimeios sobre música clássica
10 CDs

CONCERTO ESPECIAL – 15 ANOS DE FILARMÔNICA

Sexta (24/2) e sábado (25/2), às 20h30, na Sala Minas Gerais – Rua Tenente Brito Melo, 1.090, Barro Preto, (31) 3219-9000. Ingressos: R$ 100 e R$ 50 (meia). À venda somente para a apresentação de sábado 
 

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