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Estado de Minas LIVRO

Carne no prato, planeta Terra em perigo

Autor de 'Nós somos o clima', Jonathan Safran Foer avisa: o futuro da humanidade depende da redução do consumo de alimentos de origem animal. Mudar hábitos é um desafio para o mundo globalizado


01/09/2020 04:00

"Se dissermos que só vamos comer (carne) uma vez por semana, o resultado é que as pessoas vão comer o mínimo que puderem (...) Esse é o jeito mais eficaz neste momento de salvar a Amazônia"

Jonathan Safran Foer,escritor

O escritor americano Jonathan Safran Foer tem uma mensagem muito simples para a humanidade: se quisermos salvar o planeta, precisamos parar de comer carne – ou, como ele defende em Nós somos o clima, diminuir drasticamente seu consumo e não ingerir alimentos de origem animal até o jantar.

Autor dos romances Tudo se ilumina e Extremamente alto e incrivelmente perto, adaptados para o cinema, e de Aqui estou, ele volta à não ficção 10 anos depois de Comer animais, que virou documentário, para tentar nos convencer de que o tempo está acabando, de que não podemos só esperar pelo governo e que se todos fizermos algum esforço, o futuro do planeta será menos catastrófico.

Em seu novo livro, Foer, de 44 anos, fala sobre a Amazônia e Bolsonaro, nos bombardeando com fatos, estatísticas e cenários trágicos enquanto investiga a nossa incapacidade de nos colocarmos como responsáveis ou vítimas. Ou seja, preferimos acreditar que a crise ambiental, aparentemente, não nos diz respeito. Ela vai acontecer lá longe, quando não estivermos mais aqui. 

O que precisa acontecer para que as pessoas acreditem que a mudança climática é uma realidade e que, quanto antes fizermos algo, individualmente, melhores serão as chances do planeta?
Não sei se um dia vamos acreditar. A boa notícia é que temos informações agora. Outra é que quase todo mundo acredita em informação. Porém, não se trata apenas de saber. O problema é a distância que esse saber tem de percorrer até se tornar uma crença – o caminho da cabeça para o coração. Isso é realmente difícil, não porque as pessoas são ignorantes ou más. É difícil porque é difícil, descobri por experiência própria. Sei sobre a mudança climática há anos. Por anos, participei de passeatas, fiz apresentações, doei dinheiro, disse a coisa certa em jantares e não fiz muito além disso. Não sei se vamos mudar como nos sentimos, mas podemos mudar como nos comportamos.

Sua conclusão é muito simples e não parece difícil ser colocada em prática. Por que as pessoas não se convencem?
Pela mesma razão que acho difícil. É difícil porque estamos indo contra nosso histórico de alimentação, contra nossa cultura – e o Brasil é uma cultura baseada na carne. Para quase todo mundo, a carne tem cheiro e gosto muito bons. Fazemos muitas associações positivas com a carne. É um grande erro subestimar o quanto é difícil mudar.

A literatura tem sido capaz de antecipar um futuro trágico para a humanidade e o planeta, algo distópico. Escritores, artistas e personalidades podem ajudar?
Precisamos de diferentes vozes e de diferentes narrativas. Há formas diferentes de contar essa história. A ciência é uma dessas formas. O jornalismo, outra. Conversas em família durante o jantar, outra. Arte visual. Quando você vai à livraria, não estão tentando vender apenas um romance, mas cinco mil romances, porque cada um deles funciona de uma forma diferente para cada pessoa. Somos tocados de forma diferente por diferentes tipos de mensagens. A crise ambiental não vai ser resolvida por um pequeno grupo de ambientalistas, mas por todo mundo. E, para isso, todo mundo, ou pelo menos um grande número de pessoas, deverá ser tocado e inspirado a mudar e a participar. Para isso, precisaremos de diferentes narrativas.

Quais podem ser as consequências para a questão ambiental de um mundo cada vez mais conservador e negacionista?
Talvez esse cenário com Donald Trump seja o mais fundo que precisamos ir antes de começar a avançar. E, possivelmente, precisávamos disso para ativar algo em nós. Se acho que o meio ambiente está melhor ou pior por causa de Trump? Talvez esteja melhor. Se Hillary tivesse ganho – eu queria e fiz campanha para isso –, ainda não estaríamos no caminho de salvar o planeta e não teríamos jovens protestando nas ruas. Pelo menos agora temos os jovens nas ruas, talvez a ignorância de Trump ative a nossa inteligência e sua apatia ative a nossa energia. Temos de ter esperança disso.

Você dedica um breve capítulo ao Brasil. Como vê o país?
O Brasil e os Estados Unidos têm muito em comum, exceto pelo fato de que o Brasil é o futuro. Mas estamos emperrados com líderes ignorantes e conspiratórios que não respeitam a verdade e a ciência.

Qual é o papel que o Brasil, onde fica a Amazônia, deveria desempenhar nessa luta?
O Brasil deve proteger a Amazônia, mas é injusto colocar isso de um jeito tão simples porque estão vendendo o que estamos comprando. Mais de 90% do desmatamento da Amazônia é para a agropecuária. Posso dizer para vocês: parem de fazer isso. Mas vocês podem nos dizer: parem de comer isso, parem de comprar aquilo. É bom pensar num sistema político que proteja recursos naturais, mas vocês não têm isso e nem nós temos. Então, o assunto deve ser levado ao consumidor. Se fizermos um boicote mundial de carne, ou se dissermos que só vamos comer uma vez por semana, o resultado é que as pessoas vão comer o mínimo que puderem, e eles vão ver o que isso significa. Esse é o jeito mais eficaz neste momento de salvar a Amazônia. Claro que seria muito, muito mais fácil se houvesse leis protegendo a Amazônia, mas esse não parece ser o caso.

Com o coronavírus, parte das pessoas isoladas passou a cuidar mais da alimentação e a refletir sobre o que é essencial. Isso pode ajudar a proteger o meio ambiente?
É interessante como respondemos com tanta força, globalmente e muito rápido, ao coronavírus – algo sobre o qual sabemos muito menos do que sabemos sobre o aquecimento global. Acho que foi por egoísmo. Não, na verdade, por preocupação. Não vou morrer por causa do aquecimento global. Você também não. Nós dois temos um pouco de medo de morrer em decorrência do coronavírus, embora isso seja improvável, ou de que pessoas que a gente conhece morram. Imagine se Bolsonaro dissesse: vamos parar a economia para que as pessoas em Bangladesh não morram de coronavírus. Isso nunca aconteceria. Imagine se ele apenas dissesse: vamos lavar melhor as mãos para que as pessoas em Bangladesh não peguem o coronavírus. Ninguém ia fazer isso. Nós não faríamos nos Estados Unidos. Isso requer imaginação ativa e um salto de empatia para nos importarmos com os outros a ponto de mudar a nossa vida pelo bem da vida do outro. Isso é difícil de se fazer não porque somos maus ou egoístas, mas por causa da natureza humana. A mudança climática requer imaginação e empatia. Poderíamos dizer que este momento provou que somos capazes de uma mudança radical e rápida. Mas não sei se isso quer dizer alguma coisa sobre a nossa vontade de fazer isso.  

NÓS SOMOS O CLIMA
De Jonathan Safran Foer
Editora Rocco
288 páginas
R$ 49,90


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