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Estado de Minas MEMÓRIA

Cinema brasileiro perde uma diretora incomum com a morte de Suzana Amaral

Ela começou a dirigir filmes quando já era avó, conquistou o respeito do público e da crítica quando quase não havia mulheres atrás das câmeras e exerceu com gosto sua paixão pelos 'desencaixados'


postado em 27/06/2020 04:00 / atualizado em 26/06/2020 20:55

A cineasta Suzana Amaral (E) e os atores José Dumont e Marcélia Cartaxo comemoram o troféu Candango de melhor filme para A hora da estrela, no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 1985(foto: Mila Petrillo/CB/D.A Press)
A cineasta Suzana Amaral (E) e os atores José Dumont e Marcélia Cartaxo comemoram o troféu Candango de melhor filme para A hora da estrela, no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 1985 (foto: Mila Petrillo/CB/D.A Press)
A trajetória da roteirista e cineasta Suzana Amaral, que faleceu na última quinta-feira (25), aos 88 anos, em consequência de problemas respiratórios (sem relação com a Covid-19), foi atípica. Ela dirigiu apenas três longas-metragens, todos adaptações de obras de autores consagrados. O primeiro deles foi também o filme que a projetou no cenário do cinema brasileiro – A hora da estrela (1985), a partir da obra homônima de Clarice Lispector.

Para os padrões de uma carreira, Suzana chegou tarde ao cinema. Já tinha tido seus nove filhos quando decidiu, no fim da década de 1960, prestar vestibular para o curso de cinema da USP. Mais tarde, deixou o Brasil para fazer pós-graduação na New York University. Voltando ao país, trabalhou por quase duas décadas na TV Cultura, onde realizou meia centena de documentários.

E só na meia-idade embarcou na aventura de fazer filmes. Ela já havia passado dos 50 (com muitos de seus mais de 20 netos já nascidos) quando decidiu transpor para as telas a história de uma imigrante nordestina que leva uma vida miserável em São Paulo, enquanto sonha com o grande amor.

Marcélia Cartaxo venceu o Urso de Prata de melhor atriz no Festival de Berlim com sua interpretação de Macabéa, a mulher que se apaixona por Olímpico (Jose Dumont). “Você me ensinou muito. Uma mulher forte, especial e que deixa um legado. Obrigado por ter entrado na minha vida”, publicou Marcélia no Instagram, em homenagem a Suzana.

A hora da estrela ainda levou mais dois troféus na Berlinale, incluindo o prêmio da crítica de melhor direção para Suzana Amaral. Até então desconhecida do grande público, ela estreou como uma grande realizadora, num ambiente em que a presença das mulheres era raríssima. No entanto, discutir o papel da mulher no cinema nunca foi seu interesse. “Não existe cinema feminino, mas, sim, cinema bom”, dizia.

Mesmo com a consagração da crítica, Suzana demorou a voltar a filmar. A primeira metade dos anos 1990, com a extinção da Embrafilme pelo governo Collor, passou em brancas nuvens para a produção cinematográfica. Nesse meio tempo, ela dirigiu uma minissérie em Portugal e fez mais documentários.

PERSONAGEM 
Seu segundo longa, Uma vida em segredo, só foi lançado em 2001. Mais uma vez, Suzana escolheu uma forte personagem feminina vinda da literatura. Biela, cria do autor mineiro Autran Dourado, ganhou na telona uma interpretação marcante da atriz Sabrina Greve. Os dois primeiros filmes de Suzana dialogam fortemente. Suas duas protagonistas não tiveram educação e carecem de traquejo social. Viveram isoladas no campo e tiveram que se adaptar à vida urbana.

Só que a “vida urbana” de Biela é apenas um vilarejo. É nesse lugar que ela descobre o mundo ao noivar. E é também ali que ela volta ao começo, ao ser abandonada pelo noivo. O filme levou troféus no Festival de Brasília e no Cine Ceará. “Com Suzana aprendi a atuar para o cinema, aprendi a lição síntese que ela adorava repetir: ‘menos é mais’”, publicou Sabrina Greve na legenda de uma foto com a diretora em seu último encontro com ela, em uma exibição especial de Uma vida em segredo na Mostra de Cinema de São Paulo.

O terceiro e último longa da diretora, Hotel Atlântico (2009), foi uma escolha considerada ousada. O próprio autor do romance, o gaúcho João Gilberto Noll, achava sua obra difícil de ser adaptada, pois era um escritor essencialmente da linguagem. O filme, protagonizado por Júlio Andrade, acompanha um homem angustiado rodeado pela presença da morte desde que testemunhou o transporte de um cadáver num hotel.

Júlio Andrade, em sua conta no Instagram, escreveu: “Ela amava o cinema como quando se transa. Ela dizia isso. Filmou menos do que queria...Tinha uma energia interminável. Não sentava no set, sempre atenta, ficava de um lado para o outro”.

Hotel Atlântico não teve tanta repercussão como os antecessores, mas manteve, por meio do protagonista masculino, a força interior característica dos filmes da cineasta. Outro ponto que une os três filmes é a incapacidade que seus protagonistas têm de compreender o mundo ou de se comunicar, fazendo-os optar pela reclusão.

Suzana prezava o cinema autoral, sem concessões. Também prezava filmes de personagens. “Tenho uma inclinação pelos desencaixados, problemáticos, fora do comum”, afirmou.


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