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Acreditem, um dia eu ainda vou fazer uma cerveja do cão!

Três pequenas vasilhinhas emparelhadas, serviram minha Pilsen. Julieta cheirou, deu uma lambida. Em seguida, rolou


13/03/2020 04:00 - atualizado 01/06/2021 15:30

Não foi por uma nem duas, mas por dezenas de vezes que tinha ouvido sobre aquela história com vestígios de lenda: um cão que era, grosso modo, sommelier de cervejas. Como assim?!?! Então, quando consegui me aproximar do velho e disputado Romeu naquela feira cervejeira, não tive dúvidas. Apostei na artimanha da falsa provocação, a que ele, incensado como poucos, finalmente saísse da blindagem de seu batalhão de assessores.

– Opa, um bamba da cerveja artesanal no Brasil por aqui!

Ele, simpático, se virou, agradeceu o elogio e me deu um tapinha no ombro, como quem prepara a escapada. Segurei discretamente a manga do paletó dele e, digamos, fui à jugular.

– O senhor tem cervejas maravilhosas, mas, no fundo, estou no time dos que acham que suas versões sobre elaboração de cervejas são pura fantasia.

Foi o bastante para o semblante se fechar no modo tempestade.

– Nós já nos conhecemos de algum lugar?

– Sei quase tudo sobre o senhor, mas certamente o senhor nada sabe sobre mim.

Fosse no Velho Oeste, logo estaríamos brandindo armas com a surrada cena do vento carregando arbustos e o barbeiro espiando pela janela indiscreta.

– Do que, afinal, o senhor está falando? Como se chama mesmo?

– Vinícius, ou Vini, se preferir.

Achei que talvez fosse aconselhável medir as palavras, a não sugerir que ele estivesse mentindo, mas romantizando suas versões. E ainda não contaria que era jornalista buscando uma entrevista por vias pouco convencionais.

– Eu disse que o senhor tem cervejas ótimas e histórias mais fantásticas do que elas, como essa da cachorra que ajuda nas receitas.

Ele ficou rubro. Agora a veia já lhe saltava ao pescoço, realçando a pele clara.

– Olha aqui, seu, seu, seu... Tá sugerindo que eu minto?

– Não, claro que não. Mas que folcloriza, não dá pra negar. O senhor é Romeu, a cachorra é Julieta e fazem boas cervejas juntos... Tá bom...

Ele respirou ofegante. Bateu as mãos nas coxas, como se aliviasse o desejo de me socar. Com um sinal manteve os assessores à distância.

– Você entende de cerveja? Já fez alguma na vida?

Contava ou não contava que era jornalista e cervejeiro principiante? Ainda não.

– Só algumas. Em panelinha caseira.

Ele ficou me olhando, conferindo do corte de cabelo ao sapato.

– E sua cerveja é boa, Vini? É Vini mesmo, né?

– Acho que médio. Tenho umas ruins. Umas mais ou menos...

Romeu acenou a um dos assessores sem nem se virar. Sem me consultar, indicou:

– Te prepara aí. Vamos apanhar suas cervejas e levar até minha casa pra apresentar à Julieta. Ver o que ela nos diz.

Do portão já vi como o casarão remetia a fazendas coloniais de barões do café. E do nada surgiu Julieta. Uma doçura de cachorrinha. Caramelo. Pelo curto. Fomos entrando. Conversa boa. Café. Contava que eu era jornalista? Ainda não.

Logo um dos assessores trouxe minhas cervejas. Gelei por inteiro. Imagina uma cadela te dar bomba!! Ela ganhou um carinho do dono, e ele me explicou como seria.

– Se ela gostar, lamberá minha mão. Se for médio, vai arranhar o tapete. Se reprovar, vai rolar no chão.

Achei pra lá de exótico. Três pequenas vasilhinhas emparelhadas serviram minha Pilsen. Julieta cheirou, deu uma lambida. Em seguida, rolou. Reprovado! Veio então a Brown. Uma lambiscada e... rolou de novo. Putz. Eu ficando amarelo. A turma gargalhando. Por fim, a Witbier, que julgava minha obra-prima. E Julieta rolou, rolou, rolou... Antes que a bruma da decepção tomasse o ambiente por inteiro, me antecipei.

– Tenho de confessar uma coisa.

Atmosfera de suspense. Todos me mirando como a um marciano.
– Sou jornalista. E essa é a razão que me trouxe aqui. A artimanha foi porque sua assessoria já tinha barrado umas 10 tentativas de entrevista
.
Surpreendentemente, pareceu não haver espanto nem reprovação. Romeu deu uma risadinha irônica, balançou a cabeça.

– Eu desconfiava. E o seu crachá lá na feira, jornalista desatento, te denunciou. Mas dei corda pra ver até que ponto iríamos.

E agora, qual o próximo passo? Me matarem e enterrarem o corpo na mata ao fundo? O anfitrião fez um pedido de outra ordem:

– Me tragam aquela Bière de Garde premiada em toda a Europa.
Jogaram numa vasilhinha. Julieta cheirou. Lambiscou e... rolou.

Filhos da puta! O conjunto de gargalhadas me pôs a nu. Eu, palhaço, tinha me emaranhado na própria armadilha. Pelo menos o nó da entrevista eu tinha desatado.

– Ah, Vini, pode publicar tudo. Mas conta tudo mesmo, hein? A turma ama uma boa história, às vezes, até mais do que a própria verdade.

E não é?

Esta coluna é publicada quinzenalmente
eduardomurta.mg@diariosassociados.com.br


 







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