O plantio e a pesquisa do feijão da Embrapa vêm sofrendo com mudanças climáticas, como altas temperaturas e escassez de chuvas -  (crédito: Embrapa/Divulgação)

O plantio e a pesquisa do feijão da Embrapa vêm sofrendo com mudanças climáticas, como altas temperaturas e escassez de chuvas

crédito: Embrapa/Divulgação

O feijão, em suas inúmeras variações, é um dos principais componentes no prato dos brasileiros. Presente em comidas típicas como tutu, tropeiro e feijoada, a leguminosa também faz parte de uma combinação icônica: arroz com feijão. Apesar de ser marcante na gastronomia do país, o consumo desse grão enfrenta um declínio.

 

De acordo com estimativa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o consumo médio per capita de feijão-comum em 1996 era de 18,8 kg/hab. Já em 2021, o brasileiro consumiu em média 12,2 kg da leguminosa. Marcelo Eduardo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), aponta que uma das razões por trás da diminuição do consumo é a redução da produção. Segundo o histórico realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), desde a safra 2013/2014, que totalizou 3.453.700 toneladas, o Brasil não teve uma produção tão positiva.

 

Os piores declínios na produção desse tradicional grão, a partir do contexto mensurado, foram registrados nas colheitas de 2015/2016; 2020/2021; 2021/2022, quando o total produzido não chegou a atingir três milhões de toneladas. Porém, ao longo dos anos, o declínio não é constante. Em alguns períodos, a produção se mantém ou até mesmo aumenta. Para a safra de 2023/2024, a previsão da Conab é que haja um aumento em relação à colheita anterior, que totalizou 3.036.700 toneladas. No entanto, o total também não deve ultrapassar o auge de 10 anos atrás.

 

 

Em Minas Gerais, estado que – pelo menos desde 2000 – está entre as três unidades federativas com maior produção, a situação se assemelha à do país. No estado, o total de feijão colhido ao longo dos anos oscila, com baixa principalmente no período da pandemia, mas quando comparado com a safra de dez anos atrás, nota-se uma decadência.

 

No período 2012/2013, foram colhidas 564,8 mil toneladas de feijão e MG foi o segundo maior produtor, ficando atrás apenas do Paraná. Já na safra de 2022/2023, apesar de ainda ocupar a segunda maior posição, foram colhidas 553,1 mil toneladas. Para a colheita de 2023/2024 no estado, a previsão é igualmente negativa. A Conab estima que a produção em Minas seja menor que na safra anterior.

 

Empecilhos na produção

Representantes de entidades na área da agricultura explicam alguns fatores determinantes na queda da produção. Paulo Ribeiro, presidente da comissão de grãos da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), aponta que o feijão tem alto custo de cultivo em relação a outros elementos agrícolas, como a soja e o trigo. “A adubação não é barata. Tem o custo com energia elétrica, irrigação e aplicação de inseticidas. O manejo, a colheita e o gasto com sementes também são mais caros”, diz. De acordo com ele, para produção de feijão por hectare são gastos de R$ 9 mil a R$ 12 mil e, a título de comparação, para a soja são gastos em torno de R $5,5 mil a R$ 6 mil.

 

Por ser presidente de um dos núcleos da Faemg, entidade que representa os produtores rurais de Minas Gerais, Paulo tem contato com trabalhadores nas culturas de feijão e observa que “como tem outras lavouras que estão dando uma rentabilidade melhor, eles trocam para essas que estão produzindo bem e sobrando mais quantitativo”. O responsável pela comissão de grãos também aponta o clima como fator determinante. Com o aumento das temperaturas e períodos de calor mais longos, as condições climáticas ficam mais favoráveis para proliferação de pragas na plantação, como a mosca branca. Logo, os custos com inseticidas são ainda maiores.

Analista de agronegócio do Sistema Faemg Senar, Mariana Moreira corrobora com Paulo. “Quando a gente avalia a safra 23/24, que é a atual, o feijão comum sofreu drasticamente com as intempéries climáticas, por exemplo. Altas temperaturas, escassez de chuva e, inclusive, plantios tardios estão afetando algumas regiões. No Norte de Minas, houve registros de perdas totais de lavouras e até abandono, porque as condições pluviométricas de dezembro, que foi quando iniciaram os plantios da primeira safra, não foram favoráveis”, exemplifica.

 

Produção sob controle

A produção nacional de feijão está entre as preocupações consequentes do desastre climático no Rio Grande do Sul. No entanto, em nota, a Ibrafe tranquiliza os brasileiros, apontando que não faltará feijão. “Nós teremos, segundo os números da CONAB, cerca de 3,2 milhões de toneladas de colheitas este ano. O Rio Grande do Sul participou com 2,2% deste total e praticamente já estava todo colhido quando chegaram as chuvas naquele estado”, afirma. O instituto também afirma que os preços do grão no campo vêm cedendo e o mesmo deve acontecer nas gôndolas. Por fim, cravam: “Precisamos exportar os excedentes de produção de Feijão no Brasil. Se isto não acontecer poderemos ter uma grande diminuição de plantio para o ano que vem”.

 

Dificuldades na comercialização

Os aspectos que contribuem para um possível declínio da produção no Brasil e em Minas não se limitam a fatores relacionados ao cultivo. A etapa de comercialização também é significativa. Agrônomo e pesquisador na unidade “Arroz e Feijão” da Embrapa, Alcido Wander aponta a baixa flexibilidade no comércio de feijão como um dos pontos expressivos.

Ele explica que essa limitação se dá porque, após a colheita, o grão não pode ser armazenado por muito tempo e precisa ser comercializado com certa rapidez para garantir a qualidade. Ao envelhecer, o grão vai endurecendo. “Então, se o preço não estiver muito atrativo para o produtor, ele não vai dedicar uma área muito expressiva para se plantar o feijão. Vai optar por cultivos onde ele vislumbra um retorno melhor e tem uma facilidade maior para comercializar o seu produto”, analisa.


O consumo

O custo de produção, o preço de comercialização e o consumo são aspectos intrínsecos. No cultivo de feijão, não é diferente. Alcido Wander explica que um dos fatores que afeta tanto a produção quanto o consumo do grão é a oscilação de preços. “Os grãos do tipo carioca representam uma especialidade nossa. Só o Brasil produz e consome. Então, quando temos uma situação em que há uma quebra de safra acentuada, o feijão vai para as nuvens em termos de preço”, explica. Com o alto custo, o alimento se torna menos atrativo e acessível para o consumidor. Com a baixa nas vendas, o interesse do produtor na cultura alimentícia diminui.

 

Em uma situação contrária, em um cenário em que as condições são favoráveis, muitos produtores investem no plantio de feijão e as safras são positivas, a oferta aumenta. Por isso, os preços de venda caem significativamente. “O preço despenca para um patamar tão baixo que ele sequer remunera todos os custos de produção”, explica Alcido Wander, que também é doutor em economia agrícola.

 

O declínio no consumo de feijão não é causado apenas por fatores ligados à produção. Um argumento unânime entre os especialistas é que o brasileiro tem optado por consumir alimentos com preparo mais rápido e fácil com objetivo de encaixar a alimentação em uma rotina intensa como em casos de dupla jornada.

 

A demora para o preparo está relacionada a uma escolha do mercado de feijão em comercializar uma variação do grão carioca em que o escurecimento dele, um dos principais indicadores de envelhecimento, é retardado. “Se ele fica claro por mais tempo, vai dar para os consumidores uma impressão de que ele é novo, recém-colhido”, diz Alcido Wander. O pesquisador explica que o problema disso é que, a partir do momento que é feita a colheita, os grãos começam a ficar mais duros e, consequentemente, demoram mais para cozinhar, o que gasta mais tempo e gás de cozinha, tornando o produto menos acessível.

 

Medidas para superação

No 9º Fórum do Feijão, realizado em 2023, a Ibrafe lançou o “Movimento Pró-Feijão”. Uma das metas é aumentar, em cinco anos, o consumo per capta de variedades de feijões e pulses, leguminosas secas, em 20%, a partir da orientação da produção de pequenos a grandes produtores em todas as regiões do Brasil.

 

Na proposta, é destacada a importância do setor receber apoio do governo federal e estadual por meio de políticas públicas que estimulem a produção, a qualidade e a competitividade do feijão brasileiro no mercado interno e externo. Uma das sugestões do instituto para que isso seja atingido é a implementação de um seguro agrícola que cubra os possíveis prejuízos, uma vez que a produção está sujeita a riscos devido às variações climáticas e às pragas.

 

Outra proposta é a adesão do contrato de opção de Venda Público, parte da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM). Com este contrato, o produtor rural e/ou sua cooperativa pode escolher entre vender ou não seu produto a um preço combinado e para uma data futura. Ajuda a se proteger das pressões sobre os preços no momento da colheita, segundo a Ibrafe. Ele é usado quando o preço do produto está baixo ou pode ficar menor que o mínimo e o governo deve auxiliar a estocagem e financiamento para posterior negociação, entende a instituição.

 

Diante da baixa exportação do grão, o Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses também propõe que o governo apoie o setor na busca por mercados internacionais. “Isso pode reduzir a oferta no mercado interno, gerando receitas para o país”, argumenta o órgão.

*Estagiária sob supervisão do subeditor Rafael Oliveira

 

As principais espécies de feijão cultivadas no Brasil são:

Phaseolus vulgaris
Feijão comum ou “feijão comercial”: carioca, preto e branco;

Vigna unguiculata
Também conhecido como feijão-caupi, vigna, feijão-da-colônia, feijão-da-estrada ou feijão-de-corda;

Cajanus cajan
Feijão-guandu, andu ou ervilha-de-pombo.