Propriedade rural de Valmir Batista preserva vegetação nativa e nascente com o crédito ecológico -  (crédito: ALMIR DOS SANTOS/ARQUIVO PESSOAL)

Propriedade rural de Valmir Batista preserva vegetação nativa e nascente com o crédito ecológico

crédito: ALMIR DOS SANTOS/ARQUIVO PESSOAL

“Preservar o meio ambiente é melhorar a vida. Os animais vivem melhor e a gente ganha mais qualidade de vida”, afirma Jerônima Soares de Oliveira. “A única herança que podemos deixar para as próximas gerações é exatamente um ecossistema mais equilibrado”, ressalta Valmir Batista dos Santos. Numa análise rápida, Jerônima e Valmir poderiam ser vistos como estudiosos, mas, como nunca foram a uma universidade, eles são especialistas naquilo que a vida no campo ensinou e estão contribuindo para preservar a natureza.

Eles são pequenos agricultores de Montes Claros e ingressaram na causa ambiental ao aderir ao Ecocrédito, programa municipal criado na cidade-polo do Norte de Minas, que, além de estimular a preservação, resulta em compensação financeira para os proprietários que cuidam da natureza em suas terras, valorizando a combinação entre a produção e a prática conservacionista. Ao proteger as nascentes, eles tornam-se “plantadores de água” numa região que sofre historicamente com as secas, como ocorreu ao longo de quase 11 meses em 2023.

A recompensa é feita com concessão de cédulas de Ecocrédito, que podem ser usadas no pagamento de impostos municipais. O valor anual do benefício pago pela municipalidade aos cadastrados é de cinco Unidades de Referência Fiscal Municipal (UREFs), correspondente a R$ 292,40 por hectare preservado. Cada cédula de ecocrédito recebida pelo produtor também corresponde a um hectare conservado.

Atualmente, o município conta com 45 produtores cadastrados no programa, resultando na proteção de uma área total de mais de 2 mil hectares, o equivalente a mais de 2 mil campos de futebol conservados. Os agricultores recebem suporte técnico da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, que faz o trabalho de fiscalização e de monitoramento das áreas inseridas no programa. Nas inspeções, feitas anualmente, os fiscais do órgão municipal conferem se os proprietários rurais estão realmente cumprindo as regras do programa ambiental, verificam se não há problemas que precisam ser corrigidos, como cercas danificadas.


REGENERAÇÃO

A iniciativa mostra que produção e conservação ambiental podem ajudar juntas. O secretário municipal de Meio Ambiente de Montes Claros, Fabiano Oliveira, destaca que o programa da “moeda ecológica” incentiva a preservação de recursos naturais, a proteção de nascentes e o melhoramento das condições ambientais da fauna e da flora.

Entres os resultados alcançados com o Ecocrédito, implantado oficialmente em 2006, Fabiano Oliveira cita a regeneração e de áreas desmatadas e degradadas e a recuperação de rios e córregos, assim como a própria conservação dos cursos d'água. Ele ressaltacita também o cercamento de nascentes e a recomposição de matas ciliares. “Uma das consequências de iniciativas com o Ecocrédito, a partir das novas ações em prol do meio ambiente, é que estamos mitigando problemas causados à natureza no passado”, destaca o secretário.

Entre os danos causados ao meio ambiente no passado, ele cita a retirada da vegetação nativa para a implantação da monocultura de eucalipto e para a produção de carvão, que foi muito intensa no Norte de Minas nas décadas de 1970 e 1980. Fabiano Oliveira salienta que, mais do que a vantagem financeira, o mais importante do bônus ecológico é o estímulo à preservação ambiental junto aos grandes e pequenos produtores, mostrando que eles podem produzir e obter lucros sem agredir a natureza.

“Ao receber o Ecocrédito, os produtores passam a compreender a necessidade de preservar o meio ambiente. Notamos que os agricultores cadastrados perceberam a valorização de suas terras por conservarem a natureza”, relata o secretário. “A cédula do programa não tem um valor tão expressivo, mas grande importância por recompensar o pequeno produtor que preserva o meio ambiente”, acrescenta.

Oliveira também destaca que o programa tem sido instrumento que estimula os agricultores a deixarem em pé a vegetação nativa em áreas maiores do que os terrenos da reserva legal exigida por lei. “Desta forma, eles estão contribuindo com a diversidade, com conservação e com o aumento da disponibilidade de água. Isso tem um valor imensurável. Não é somente os pequenos produtores que são favorecidos. Ganha todo mundo. O município também ganha”, assegura o secretário.

Ainda sobre a sustentabilidade entre produção e preservação ambiental, Fabiano Oliveira acentua: “O agricultor precisa entender que não pode matar a sua galinha dos ovos de ouro. Se ele desmatar totalmente suas áreas, não terá mais água no solo. E sem água não produz”. Ele informa também que outras práticas para a melhoria das condições ambientais estão sendo adotadas no município, como a construção de barraginhas para a captação de água da chuva, que facilitam a infiltração no subsolo. Outra ação é implantação de estradas ecológicas, que visam impedir a erosão e o assoreamento dos cursos d'água.


CONSCIENTIZAÇÃO

O diretor da organização não-governamental (ONG) Instituto Grande Sertão (IGS), Eduardo Gomes, avalia a relevância do Ecocrédito na conscientização dos agricultores para a preservação das fontes hídricas. “Trata-se um projeto de extrema importância no contexto da conservação e na inclusão do produtor rural como prestador de serviços ambientais, principalmente na produção de água”, frisa. “Para a propriedade rural há os benefícios diretos com a maior disponibilidade de água, a partir da proteção e recuperação de mananciais e depois no aporte financeiro. E desconto nos impostos municipais e aquisição de bens e serviços necessária na propriedade rural”, afirma também.

Ele considera que o projeto “ainda é pequeno em relação à quantidade de áreas naturais no município, que precisam garantir a conservação. Mas precisa avançar ainda mais, não apenas para garantir a proteção das áreas tituladas, mas também para subsidiar a preservação, com cercamento e recuperação de áreas em risco, principalmente pelos processos erosivos, com técnicas de terraceamento e construção de barraginhas”.

 

CONQUISTA

A pequena agricultora Jerônima Soares de Oliveira concilia muito bem a atividade produtiva com a conservação ambiental em seu sítio na comunidade de Borá, a nove quilômetros da sede urbana de Montes Claros, contando com o incentivo do bônus ecológico. Ela produz hortaliças em nove hectares em regime de agricultura familiar. A maior parte da propriedade (15 hectares) é cadastrada no Ecocrédito como área de preservação.

Jerônima conta que quando sua família adquiriu o terreno, há cerca de 30 anos, quase toda propriedade estava desmatada. Ela decidiu investir na recuperação e preservar a vegetação nativa pé. Em 2007, aderiu ao Ecocrédito. A produtora considera que os ganhos obtidos com a preservação ecológica vão muito além do valor do Ecocrédito, uma moeda que pode ser negociada no pagamento de tributos municipais. “Preservar o meio ambiente é cuidar da vida. A gente ganha mais qualidade de vida”, diz.

“A sensação que tenho é de liberdade de conquista ao proteger a natureza”, acrescente Jerônima, que vende hortaliças como couve e cebolinha para supermercados em Montes Claros. Com ela trabalham quatro pessoas da família. Com 15 hectares preservados e cadastrados no Ecocrédito, Jerônima recebe R$ 4.386,00 por ano. Ela disse que, além de descontar no pagamento dos seus tributos, troca parte das cédulas em fornecedores que têm impostos municipais a pagar, como supermercados.

“Acho que a prefeitura deveria incentivar diferentes estabelecimentos a receber as cédulas do Ecocrédito dos pequenos produtores no pagamento de compras, como postos de combustíveis. Isso seria uma forma a estimular outros agricultores a se cadastrarem no programa e também a preservarem o meio ambiente”, sugere Jerônima.


EQUILÍBRIO

Quem também que aderiu ao Ecocrédito é Valmir Batista dos Santos, na comunidade de Barra do Rio Verde. Ele cadastrou 100 hectares no programa de preservação, sendo que sua propriedade conta com 245 hectares, sendo dedicada à criação de gado. “Acho importante preservar o meio ambiente porque entendemos que a verdadeira riqueza do planeta são os recursos naturais. Tais recursos são perenes enquanto as áreas exploradas são temporárias. A única herança que podemos deixar para as próximas gerações é exatamente um ecossistema mais equilibrado”, assegura Valmir.

Ele também é um “plantador de água”. Na sua área de preservação cadastrada no Ecocrédito, além da vegetação nativa, ele conserva uma nascente e ajuda a manter a vazão do Rio Canabrava, que corta a propriedade. “O planeta vem, há muito tempo, enfrentando problemas relacionados à crise hídrica. Preservar nascentes que estão perenes é ma oportunidade menos custosa que ainda temos para frear um mal maior. A água é recurso natural responsável por toda cadeia alimentar. Portanto, a degradação ambiental afeta não somente as fontes de água, mas atinge todo equilíbrio da biodiversidade”, opina o agricultor.


AGROECOLOGIA

O programa Ecocrédito também tem a adesão do produtor Jorge Eduardo Lucena Garcia. Ele tem uma propriedade de 126 hectares, onde tem uma placa em destaque com os dizeres:”Ecocrédito – área: 100 hectares. Jorge revela que mantém a combinação entre atividade pecuária e a preservação com terrenos que contam com pastagem e área de mata, sem cerca, com o gado podendo circular no pasto e na parte de vegetação nativa ao mesmo tempo, a chamada “agroecologia”.

Ele conta que protege vegetação nativa do cerrado e também áreas de transição de mata atlântica. Entre as espécies nativas que mantém em pé em sua propriedade estão aroeira, pau preto, tamburil e paineira. Os 100 hectares preservados pelo agricultor garante a ele, anualmente, o total de R$ 29.240,00 a serem usados no pagamento de impostos municipais de Montes Claros. Ele revela que troca boa parte das “cédulas” no comércio da cidade, usando a “moeda” para a compra de arame, postes e outros materiais da propriedade rural.

“Tenho orgulho de ser preservacionista. Temos que contribuir de alguma forma para conservar o mundo”, afirma Jorge Eduardo. “Nos últimos anos, os problemas da seca aumentaram. Acredito que isso é consequência do aquecimento global e da redução das geleiras. Temos que conservar a natureza para amenizar esses impactos”, alerta Jorge Eduardo. 

 

PROGRAMA ECOCRÉDITO

O QUE É:

  • Programa ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Montes Claros
  • O Ecocrédito incentiva a conservação da biodiversidade em áreas rurais
  • É embasado no princípio do protetor-recebedor, sociedade, protege o meio ambiente (estabilidade climática, biodiversidade, recursos hídricos), por exemplo, ao manter a cobertura florestal de área da sua propriedade (para além das exigências legais: área de preservação permanente e reserva legal)
  • Em contrapartida, o beneficiado recebe incentivo em cédulas de Ecocrédito que pode ser utilizado para pagamento de quaisquer impostos municipais