Excesso de gozo deforma a psiquê humana -  (crédito: Pixabay/reprodução)

Excesso de gozo deforma a psiquê humana

crédito: Pixabay/reprodução

Sempre estou às voltas com o limite entre prazer e gozo. Não necessariamente gozo sexual, mas de todos os tipos. O prazer é o resultado do bem-estar vindo de atividades, descanso, sabores, cores, artes, bons livros. De dançar, brincar, conversar, cantar, amar. Enfim, de tudo aquilo que podemos experimentar e desfrutar em nossa existência com alegria, sem contraindicações. Ao contrário, é altamente recomendável para que nossas mentes e psiquê sejam saudáveis.

 


Já o gozo é de outra ordem. A gente pode ter um gozo no sentido de fruição do que gostamos, das férias, das folias, momentos de prazer intensos. O que nele pode se tornar uma questão a ser repensada é o excesso ou, como costumamos dizer na psicanálise, o mais-de-gozar.

 


Com esta expressão, entendemos que o gozo sem contenção – os excessos – é um dos maiores problemas que encontramos durante análises de pessoas que nos procuram. São modos em que as contenções falham ou nunca foram colocadas. As repressões a que a educação nos obriga para conviver bem com o outro e conosco.

 


Quando passamos por cima de nossos limites, o prazer se torna sofrimento, pois vamos além do que deveríamos.

 


E não apenas na vida privada o gozo causa problemas. Nosso tempo demonstra isso de modo inequívoco, estamos assistindo a tais evidências. Vejam que todo problema ecológico vem dos excessos humanos e de sua incapacidade de se conter diante da própria ganância.

 

 


O gozo desregrado, a desvairada vontade de gozo seja do que for – drogas, comida, bebida, riqueza, compulsões, tudo o que é demais – é o motivo pelo qual os acumuladores não têm ponto de basta. Querem cada vez mais: tudo, muito e mais ainda, seja dinheiro, poder, até mesmo diversão.

 


O mais-de-gozar é da ordem da destrutividade, é obsceno. Uma forte falta de empatia. Faz com que a pessoa não enxergue a dor do outro, a miséria e a tristeza, porque seus olhos se desviam diante dessas “coisas feias”, seu olhar passa ao alto sem nada ver daquilo que é causado pelo modo capitalista selvagem. Porque as grandes fortunas estão nas mãos da minoria, que muitas vezes pouco faz para resolver o problema do mundo, desde que não diminua seus ganhos vigorosos, ajuntando quantias que nunca poderá consumir em vida, mas que consome o mundo que é de todos.

 


Como disse Ailton Krenak, depois de acabarem com tudo, haverão de comer dinheiro, porque tudo o mais será esgotado para produzir cada vez mais dinheiro à custa de desmatamentos, da desertificação causada pela alteração do solo e da morte de importantes biomas, assassinatos de indígenas, assoreamento de rios, garimpos ilegais, combustíveis fósseis que não deixam de utilizar em grande escala, apesar de tantos encontros mundiais como o G20.

 


Por causa do gozo que ele não quer perder, o homem continua fazendo o que quer sem se importar com as consequências, cativo do imperativo capitalista: goze!! Ele faz o que quer e não o que é bom. Para aceitar que menos é mais, precisa lidar com o menos, lidar com a falta, enquanto vive nos tempos do excesso.