Como lidar com a dor do luto     -  (crédito:  Freepik.Luto. )

Como lidar com a dor do luto

crédito: Freepik.Luto.

A neurociência diz que começamos a ter memória a partir dos 3 anos, quando damos nomes para as coisas e adquirimos a capacidade de falar. Eu comecei a falar muito cedo, talvez por isso minha primeira memória seja de quando ainda faltava um mês para eu completar 2 anos. Minha mãe e meu pai haviam ido para o hospital, minha irmã ia nascer.


Naquela data minha mãe faltou, mas havia ali uma presença: minha tia Simone estava lá para cuidar de mim até que minha mãe retornasse com minha irmãzinha nos braços. Me lembro de caminhar com a fralda cheia, e minha tia, a quem eu chamava apenas de Simone, foi me trocar e fazia vômito ao abrir a fralda de pano. Eu achei aquilo muito engraçado. Acho que ela devia estar rindo da situação. Naquele dia eu entendi que, na falta da minha mãe, eu sempre teria Simone, e a nossa relação sempre foi muito maior do que a de tia e sobrinha.

 

 

Meu primeiro corte de cabelo, quem fez foi ela. Aquele corte padrão dos anos 1970, famoso cabelo de cuia, naquele rostinho redondo e bochechudo, que arrancou muitas risadas dela e da minha mãe.


O primeiro boneco que ganhei, com um ano e pouco de idade, se chamava Tião. Quem deu esse nome para ele foi o Ricardo que, na época, era o namorado da Simone. Eu adorava empatar o namoro dos dois no sofá da sala da casa da vovó. Em 1979, eles se casaram e eu seria dama de honra, infelizmente, no dia do casamento eu tive que ficar em casa, estava com sarampo. Ainda assim, quando me curei, fiz várias fotos usando aquele vestido rosa cheio de babados, me sentindo uma princesa saída de um conto de fadas.

 

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Ricardo e Simone moravam em um sítio, eu adorava ir para lá. Eles criavam porcos, e tinham uns imensos, muito mais altos que eu, e os filhotes - tão fofinhos. E tinha uma piscina onde chegamos a nadar mesmo num dia em que ela estava puro lodo e cheia de sapos; quem me conhece sabe que eu adoro sapos.


Da união desse casal nasceram Marina, Carolina, Marcela, Rafael e Guilherme, todos de parto vaginal. Era nela e nos seus cinco partos que eu pensava quando me desencorajavam a tentar um parto vaginal quando eu estava grávida do Felipe, e foi assim que ele veio ao mundo, mesmo eu sendo “tão magrinha”, e não tendo “estrutura de parideira”.


Ela era festeira, animada, artista, reciclava tudo, a ovelha psicodélica da família, uma referência. Não se abalou nem quando recebeu aquele diagnóstico com cara de sentença. Ela estava com câncer de pulmão, e não era fumante. Mas a palavrinha mais assustadora nem era “câncer”, era metástase óssea.


Quando o diagnóstico veio, já feio assim, o combo. E durante um ano e meio ela se segurou na vida com força e alegria, mas a sentença estava dada, embora ela nunca tivesse deixado de acreditar no milagre. No dia 4 de junho, ela recebeu o chamado e precisou partir.


Nesse momento, me faltam palavras para dizer da falta que se faz presente em tantas lembranças. Sobram lágrimas que transbordam nessa enchente de saudade. Pela esperança perdida de um milagre que não aconteceu. Nos resta conviver com a falta que ela vai fazer enquanto estivermos vivos.


Descanse em paz, minha amada. Que saudade é o nome do amor que você plantou por aqui.