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Estado de Minas GENITÁLIAS INVERTIDAS

Pesquisador de Lavras descobre fêmea de inseto com pênis

Pesquisador da Universidade Federal de Lavras descobriu que a fêmea penetra o macho. Troca inédita de papéis poderá aprofundar estudos sobre a evolução sexual dos bichos


postado em 23/04/2014 09:20 / atualizado em 23/04/2014 09:17

Amplie a imagem e entenda melhor a descoberta(foto: KAZUNORI YOSHIZAWA/ RODRIGO FERREIRA/ CURRENT BIOLOGY/ DIVULGAÇÃO)
Amplie a imagem e entenda melhor a descoberta (foto: KAZUNORI YOSHIZAWA/ RODRIGO FERREIRA/ CURRENT BIOLOGY/ DIVULGAÇÃO)
Brasília – As cavernas brasileiras escondem criaturas com uma vida sexual, no mínimo, incomum: quatro espécies de insetos cujas fêmeas têm pênis, e os machos, vagina. O troca-troca da natureza foi tema de um artigo publicado, na semana passada, na revista especializada Current Biology, no qual uma equipe formada por um cientista brasileiro, da Universidade Federal de Lavras (UFla), dois japoneses e um suíço descrevem os bichos de órgãos invertidos. Esse é o primeiro caso registrado pela ciência, um fenômeno que pode mudar a forma como os especialistas estudam a evolução animal.

De acordo com a teoria de Kazunori Yoshizawa, da Escola de Agricultura da Universidade de Hokkaido, a origem da inversão sexual pode estar no ambiente precário em que os insetos brasileiros vivem. Todos eles foram encontrados em cavernas secas, onde a única fonte de alimento disponível são carcaças e fezes de morcegos. “É de conhecimento geral que, em ambientes onde a comida é escassa, o material seminal estimula fêmeas a copular com mais frequência. Como resultado, isso causa uma competição sexual entre fêmeas por esse material”, ensina o especialista em seleção sexual.

Mesmo quando os gametas não estão maduros o suficiente para a fecundação, elas procuram os machos em busca do material nutritivo. “Colocamos os bichos para cruzar e, depois, vimos que as bolsas de esperma estavam vazias. Mas o esperma não foi usado para fecundar nada. E, se ele foi absorvido, podia estar sendo usado para outros recursos”, especula Rodrigo Ferreira, pesquisador da Universidade Federal de Lavras (Ufla) e responsável pela descoberta dos insetos.

Acredita-se que a falta de nutrientes tenha tornado o macho mais seletivo em relação a suas parceiras, obrigando a fêmea a passar por uma mudança ao longo de milhares de anos. Para sobreviver, elas tiveram de desenvolver a genitália até obter uma ferramenta mais eficiente de coerção sexual: o ginossoma. As quatro espécies  do Neotrogla curvata, N. aurora, N. truncata e N. brasiliensis) desenvolveram órgãos de formato um pouco diferente, mas com a mesma função: depois que as fêmeas penetram os machos para ter acesso ao duto seminal, os pênis incham, engatando um conjunto de espinhos na base do órgão que fixam os insetos nessa posição.

Em contrapartida, os machos tiveram de adaptar o órgão sexual para uma forma mais simples, como um fino arco. Para evitar ferimentos durante a cópula, eles chegaram a desenvolver bolsas feitas para abrigar os ganchos da fêmea – com exceção do Neotrogla truncata, cujo ginossoma é coberto por vários desses pequenos espinhos. De qualquer forma, a relação sexual entre esses bichos não parece precisar do consentimento do macho, que acaba dominado pela fêmea até que ela consiga o que quer. “A longa cópula deve ser custosa para machos, mesmo sem a transferência do esperma. Então, eles devem, em algum momento, decidir fornecer mais nutrientes para a fêmea mesmo sem chances de fertilização”, diz Yoshizawa. Quando os pesquisadores tentaram separar um casal durante a cópula, o abdômen do macho foi separado do tórax, partindo o bicho em dois.

Surpresa

Os pequenos animais medem menos de 4mm e haviam sido descobertos há 18 anos, no Norte de Minas Gerais. A genitália inusitada dos animais, no entanto, manteve-se um mistério até que o pesquisador brasileiro Rodrigo Ferreira encontrou espécimes parecidos em cavernas na caatinga brasileira. Como os insetos eram similares, mas não pareciam ser da mesma espécie, Ferreira decidiu enviar os bichos para Genebra, onde um especialista na ordem Psocoptera poderia descobrir se eles eram relacionados.

O exame revelou que os animais eram ligados a um gênero africano, mas com muitas características que os colocavam em um gênero novo. “Quando recebi os espécimes, era evidente que eram representantes da família Prionoglarididae e que eram completamente desconhecidos”, lembra Charles Lienhard, curador honorário do Museu de História Natural de Genebra.

Mas o Neotrogla escondia surpresas maiores. “Quando fazia a primeira dissecação de uma fêmea, fiquei extremamente surpreso em observar no abdômen uma estrutura esclerotizada similar a um pênis. E eu imediatamente entendi que essa era uma coisa muito especial”, descreve Lienhard, que criou o termo ginossoma para descrever a genitália feminina de características masculinas. Onde deveria estar o pênis no macho o pesquisador encontrou um órgão drasticamente reduzido, o falossoma.

Gêneros mantidos

Ao contrário do que se pode pensar, o gênero animal não é definido pela genitália. O fator determinante está nos gametas, que são maiores nas fêmeas do que nos machos. Mesmo tendo um pênis, a Neotrogla mantém a feminilidade definida pela dimensão das células reprodutivas e pela presença de um órgão chamado ovopositor, que tem a função de colocar ovos. “Batendo o olho, sabíamos que era uma fêmea antes da dissecação, pois vimos que tinha a estrutura (o ovopositor)”, conta Rodrigo Ferreira.

Os cientistas acreditam que a descoberta seja uma oportunidade para entender melhor a seleção sexual, o conflito entre os sexos e a evolução animal. Atualmente, eles estão cultivando uma população desses bichos em laboratório para registrar com detalhes a cópula e outros hábitos e, então, testar as atuais hipóteses sobre o processo de evolução único desse gênero.

A descoberta inédita também pode colaborar para a preservação das cavernas brasileiras, que atualmente são classificadas de acordo com a relevância ambiental. Acredita-se que muitas das áreas desprotegidas tenham um potencial de diversidade desconhecido que pode esconder surpresas como o Neotrogla.


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