(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas

USP estuda como desintoxicar alface e rúcula

Vegetais, como a alface e a rúcula, podem causar sérios danos à saúde se irrigados com água contaminada.


postado em 17/02/2014 08:00 / atualizado em 17/02/2014 08:02

Silas Scalioni

Mudas de rúcula usadas no projeto da Esalq/USP: objetivo é medir o nível de toxinas e o tempo que seria necessário para desintoxicá-las (foto: Esalq/USP/Divulgação)
Mudas de rúcula usadas no projeto da Esalq/USP: objetivo é medir o nível de toxinas e o tempo que seria necessário para desintoxicá-las (foto: Esalq/USP/Divulgação)

Em 1996, mais de 50 pessoas morreram na cidade de Caruaru, em Pernambuco, devido ao consumo de água contaminada com uma toxina chamada microcistina. Estudos mostram que pequenas quantidades de toxinas de cianobactérias que agem no cérebro e sistema nervoso em geral, se ingeridas a longo prazo, podem causar doenças neurodegenerativas, como o mal de Parkinson e Alzheimer. Em São Paulo, um grupo de pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/ USP) vem investigando a bioacumulação – um fenômeno segundo o qual determinados compostos vão se acumulando e aumentando sua concentração nos organismo vivos ao longo das cadeias alimentares – e a desintoxicação nos tecidos foliares de hortaliças, como a alface e a rúcula. O projeto, coordenado pela professora Maria do Carmo Bittencourt de Oliveira, do Departamento de Ciências Biológicas da Esalq, é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A doutoranda Micheline Kézia Cordeiro de Araújo também está à frente do programa.


 “Os estudos com alface e rúcula têm previsão de duração até 2015, mas ainda este ano novos resultados estarão disponíveis. Posteriormente, pretendemos estender os estudos a outros vegetais, para, com resultados mais conclusivos, podermos alertar as autoridades competentes”, revela Maria do Carmo, acrescentando que a pesquisa pretende fornecer base para uma maior vigilância quanto ao controle de qualidade de alimentos vegetais e prevenir riscos de intoxicação alimentar humana.


Segundo a doutoranda Micheline Cordeiro, o processo de análise das toxinas de cianobactérias é longo e detalhado. “Geralmente, esse processo é realizado nos tecidos foliares ou alguma outra parte comestível da planta, analisando-se a toxina retida nele. Para tal análise, as plantas são devidamente lavadas no Laboratório de Cianobactérias da Esalq/USP, em casa de vegetação, com água de uma fonte de irrigação contaminada com as toxinas de cianobactérias”, explica.

Salvação da lavoura

De acordo com os pesquisadores da Esalq/USP, a presença de toxinas de cianobactérias em ambientes aquáticos artificiais, como os reservatórios de abastecimento público, levanta dúvidas sobre possíveis vias de contaminação humana por meio da água. A via de contaminação mais evidente é sua ingestão e usos diretos, como a utilização para lazer (natação, passeios aquáticos, etc.). Contudo, uma via de contaminação ainda pouco estudada refere-se ao uso dela como fonte de irrigação de plantas. Se a água usada estiver contaminada com toxinas de cianobactérias, essas substâncias podem ficar retidas nos tecidos vegetais (bioacumuladas), tornando-se assim mais um risco de contaminação para a saúde humana.
“O fenômeno da bioacumulação é amplamente estudado e ocorre tanto em animais quanto em plantas, inclusive as toxinas de cianobactérias que podem ficar retidas nos tecidos”, diz Micheline, salientando que em ambientes aquáticos é muito comum estudos sobre bioacumulação de microcistinas, uma das toxinas de cianobactérias mais comuns e presentes em peixes, moluscos e crustáceos. “Assim como em animais, esses estudos têm sido desenvolvidos em plantas aquáticas e terrestres. Nas terrestres, embora o contato com as toxinas de cianobactérias seja mais raro, a fonte de irrigação das hortaliças torna-se o problema.”

Variação de toxidade

O objetivo do projeto, além de avaliar o possível risco de contaminação por meio do estudo da bioacumulação, é estudar ainda o período de remoção (desintoxicação) das toxinas nas hortaliças. Segundo as pesquisadoras, em estudo anterior foi investigada a bioacumulação de microcistinas em alfaces. Plantas foram irrigadas com diferentes concentrações de microcistinas, que ficaram bioacumuladas nos tecidos foliares, e analisadas por meio de um ensaio de imunoabsorção enzimática (Elisa), ou enzyme-linkedimmunosorbentassay, em inglês. Observou-se, então, que a toxina bioacumulada nos tecidos vegetais ultrapassou bastante o limite de ingestão diária tolerável pela Organização Mundial de Saúde (OMS), comprovando que a água contaminada é importante rota de contaminação humana, mesmo não sendo consumida diretamente.


Há, entretanto, grande variação na capacidade de acúmulo de toxinas entre diferentes vegetais. “Não se pode generalizar, pois cada organismo reage de maneira diferente diante da exposição às toxinas de cianobactérias”, informam Maria do Carmo e Micheline, revelando que isso ocorre porque as plantas apresentam um sistema de desintoxicação via rotas enzimáticas, nas quais as substâncias estranhas ao organismo delas são quebradas em partes menores, ou seja, em moléculas mais simples, que podem ser mais facilmente excretadas.


Os estudos abrangem atualmente duas toxinas que causam problemas no fígado: a microcistina e a cilindrospermopsina. Na atual pesquisa, que já era feita com a alface, foi incluída a rúcula. “Além disso, uma nova técnica para análise das toxinas bioacumuladas nos tecidos das plantas está sendo utilizada, a cromatografia líquida acoplada à espectometria de massas em sequência (LC-MS/MS). Com essa técnica, haverá maior confiabilidade nos resultados, pois será quantificada apenas a molécula completa (molécula matriz) das toxinas, e não os seus produtos derivados devido às reações de desintoxicação que ocorrem nas plantas”, explica Micheline Cordeiro. O projeto investiga ainda o período de desintoxicação das toxinas visando avaliar o tempo que as hortaliças levariam para se limparem. “Dessa forma, poderia se tentar recuperar um determinado plantio que tivesse sido contaminado”, completa.

 

Papel importante na cadeia

Cianobactérias são micro-organismos procariotos (os menores, mais antigos e estruturalmente os mais simples organismos do planeta), que fazem fotossíntese e que estão presentes nos mais variados ambientes (terra, água e neve). Nos ambientes aquáticos, esses micro-organismos têm papel importante para a cadeia alimentar como produtores primários, ou seja, produzem seu próprio alimento, destacando, dessa forma, sua participação na comunidade fitoplanctônica (micro-organismos que vivem em suspensão na água). Muitos desses micro-organismos são capazes de produzir substâncias tóxicas: as toxinas de cianobactérias ou cianotoxinas, que podem causar doenças no sistema nervoso, alergias e, em casos mais extremos, causar hegemorragias no fígado e até matar. 

 

A bioacumulação e seus efeitos

Um dos principais exemplos de bioacumulação é o do inseticida diclorodifeniltricloroetano, conhecido por DDT. Ele se concentra no corpo dos organismos filtradores (como ostras, por exemplo), que podem concentrá-lo até 70 mil vezes em seu organismo. Ao serem consumidos, chegam a causar intoxicação e morte. No homem, o DDT pode provocar problemas no fígado, como cirrose e câncer. Ao passar de um nível trófico (etapas) para outro dentro de uma cadeia alimentar, a quantidade de poluentes, como o DDT, vai se tornando cada vez mais concentrada, de tal forma que uma pequena concentração presente na água pode chegar a uma concentração altíssima no corpo de um consumidor secundário ou terciário (seres carnívoros que se alimentam de outros seres).


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)